18 Outubro 2016
"O abandono de Castel Gandolfo como residência de verão do papa elimina aquele antigo vínculo entre vida senhoril e cultura das férias externas."
A análise é do historiador italiano Agostino Paravicini Bagliani, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ex-scriptor da Biblioteca Apostólica Vaticana e ex-professor da Escola Vaticana de Paleografia, Diplomática e Arquivística. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 17-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os símbolos fazem história. Mesmo quando cedem, se transformam ou são suprimidos. A residência de Santa Marta, onde o Papa Francisco se hospeda, salienta a função do papa como serviço, onde a memória histórica identificava o Palácio Apostólico, de mais bom grado, com o poder. O abandono de Castel Gandolfo como residência de verão do papa elimina, em vez disso, aquele antigo vínculo entre vida senhoril e cultura de férias externas.
Urbano VIII foi o primeiro que se hospedou em Castel Gandolfo, no verão de 1628, naquela que era a mansão que ele tinha mandado construir como cardeal. Apenas a metade dos 30 papas que se seguiram desde então viveram em Castel Gandolfo, às vezes apenas por um dia. Os franceses saquearam o palácio papal em fevereiro de 1798.
Os acordos de Latrão (1929) restituíram ao papado o Castel Gandolfo, que foi regularmente visitado pelos papas das últimas décadas. Dois papas – Pio XII (1958) e Paulo VI (1978) – morreram ali. João Paulo II fez com que fosse construída uma piscina ali. Uma foto, que o retrata enquanto mergulhava nela, deu a volta ao mundo na época.
Ainda antes de Castel Gandolfo, na própria Roma, desde o fim do século XVI e até 1870, o Palácio do Quirinal foi a residência de verão do pontífice. Mas também na Idade Média os papas tinham o hábito de passar os meses de verão fora da cidade, acima de tudo para fugir da malária. Apenas com Inocêncio III (1198-1216), porém, a alternância residencial dos papas se tornou regular.
O mais jovem da história – tinha 37 anos quando foi eleito – viveu mais de um quarto do seu pontificado fora de Roma, nas cidades de Segni, Sora e Anagni, Castelli, em Subiaco e em Viterbo. Um abade flamengo observou, na época, que o papa "deixou Roma temporariamente por causa do verão, que era contrário ao seu corpo, e residiu em Viterbo assim como na sua própria cidade".
Nas primeiras décadas do século XIII, os romanos tinham o hábito até mesmo de chamar o palácio do papa no Latrão de "palácio de inverno". Também por motivos relacionados com problemas políticos, os papas viveram, então, quase 40 anos em uma das cidades do Estado pontifício. Nenhum pontificado do século XIII ocorreu inteiramente em Roma.
Dos 19 papas do século XIII, 11 passaram mais de metade do seu pontificado fora de Roma. Seis papas, incluindo todos os três papas franceses do século XIII, nunca entraram em Roma, vivendo em cidades como Viterbo, Montefiascone, Orvieto e Perugia. Durante os seis meses do seu breve pontificado, Celestino V – o papa da "grande recusa" – não saiu das fronteiras do reino da Sicília.
Por volta de 1200, a malária era cada vez mais descrita como angustiante, talvez por causa do seu recrudescimento. Gregório IX passou o verão em Anagni (1227) "por causa das ameaças do verão e das condições suspeitas do ar de Roma". Assim conta o seu biógrafo. Em junho 1230, ele foi para Anagni "para buscar um ar mais clemente", temendo "a irrupção de um verão incendiário". Em Rieti, ele mandou construir um palácio "repleto de comodidades".
O chanceler de Frederico II, Pier della Vigna, lembra aos prelados que iam para Roma (1241) para participar do concílio destinado a depor o imperador que, em Roma, "espera-lhes um calor insuportável, uma água pútrida, alimentos grosseiros e insalubres, um ar pesado, uma quantidade enorme de mosquitos, de escorpiões, de homens sujos, maus e selvagens. Debaixo da cidade, existem cavernas repletas de vermes venenosos que saem com o calor do verão".
Normalmente, os papas deixavam Roma entre abril e junho e voltavam para lá em outubro. Antes ainda que o o papa começasse a viajar, o guarda-roupa (o quarto) e o tesouro do papa eram levados para o lugar de residência escolhido. Os problemas logísticos eram complexos. Quase toda a corte papal – ou seja, muitas centenas de pessoas – se estabelecia junto com o papa. A Cúria tinha que estipular acordos com essas cidades, como em Viterbo, em 1266 e em 1278, para obter alojamentos e instalações de todos os tipos.
No século XIII, o papado, então, alternou regularmente a sua residência entre Roma e uma das amenas cidades do Estado pontifício. Mas o palácio do Vaticano também foi dotado de estupendos jardins, por Nicolau III Orsini (1277-1280). Honório IV (1285-1287), no entanto, preferiu residir no magnífico palácio que tinha mandado construir no Aventino, cercado por jardins estupendos.
Em Avignon, onde residiram estavelmente de 1308 a 1377, os papas dispuseram da Cartuxa de Villeneuve como residência de verão. Pio II (1458-1464) mandou construir em Pienza, sua cidade natal, o Palácio Piccolomini, primeiro grande exemplo de arquitetura renascentista, mas também símbolo de uma antiga cultura das férias externas do papado, não tão diferente daquela que investiu Castel Gandolfo por séculos.
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Castel Gandolfo, o fim de um símbolo que resistiu aos séculos. Artigo de Agostino Paravicini Bagliani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU