18 Outubro 2016
"Ontem (16-10-2016) nos deixou a guerreira Rosana Kaingang. Ela defendeu os direitos de seu povos e dos povos indígenas do Brasil, com muita garra, coerência e radicalidade. Seu sepultamento será amanhã, no Rio Grande do Sul, sua terra natal. Da aldeia definitiva certamente continuará a interceder e pelear pelos direitos dos povos".
O comentário é de Egon Heck, do secretariado nacional do Conselho Indigenista Missionário –CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Ao povo Kaingang, que foram meus primeiros mestres nesses quase meio século de luta e aprendizado com os povos indígenas.
Eis o artigo.
Fotos: Egon Heck | Cimi
Mal o sol se levanta e começam a vir abaixo as casas da comunidade Pataxó de Aratikum. Essa comunidade indígena está localizada na região onde iniciou a invasão a 516 anos. Em homenagem aos invasores, o município leva o simpático nome de Santa Cruz Cabrália. A revolta e indignação das mais de 30 famílias que viram suas casas e sonhos ruírem, foram a denúncia silenciosa diante de mais uma brutal violência contra os direitos de uma comunidade indígena desse “país tão grande e tão pequeno para nós, povos indígenas”, nas palavras de Marçal Tupã’y ao Papa, em Manaus, em julho de 1980.
Infelizmente, a cena que se repetiu na semana passada, em Cabrália, não é uma exceção, mas tem sido recorrente nas últimas décadas e meses. No ano 2000, foi nesta cidade que se estabeleceu a base dos “Outros 500”, importante base da articulação do “Movimento de Resistência Indígena, Negra e Popular”. Naquela ocasião, houve violência contra várias comunidades indígenas da região e no dia 21 de abril, a polícia usou de truculência para impedir a marcha de protesto até Porto Seguro.
Os males na vida dos povos originários no país tem sido uma constante expressando-se principalmente na negação de demarcação e garantia dos territórios, conforme determinam os artigos 231 e 232 da Constituição e a legislação internacional. Essa tem sido a principal causa das violências contra esses povos, e o saque de seus recursos naturais.
Apesar de estarmos atravessando um período de retrocessos e golpes, acima de tudo temos que alimentar a esperança e a utopia. “Temos que disputar o espaço público, mas temos que garantir a sobrevivência dos ‘territórios da utopia’ que são os territórios que estão sendo massacrados... É estratégico que os quilombolas e os indígenas experimentem o processo do pós-eucalipto. É estratégico que os pescadores garantam os territórios pesqueiros tradicionais. Porque é por aí que poderemos construir um horizonte de transição” (Marcelo Calazans, 2015).
Mas os povos indígenas se mobilizam, lutam, resistem. O povo Apinajé, de Tocantins, realizou sua 7ª Assembleia – PEMPXA, dando seu recado com veemência e lucidez política:
“Nesse momento consideramos o PDA/Matopiba o mais letal e ameaçador plano de intervenção na vida das populações (indígenas, quilombolas, ribeirinhos e quebradeiras de coco) que depende do bioma Cerrado para sobreviver, esse com certeza é parte da proposta (entreguista) do governo de vender, alienar e arrendar as terras brasileiras para as grandes empresas produtoras de grãos. Por outro lado, o governo também fala em afrouxar as regras para o Licenciamento Ambiental. Isso significa que a ganância e a fome de lucro das multinacionais do setor elétrico, dos ruralistas e das mineradoras nunca terão limites”.
O povo Kinikinaua, no Mato Grosso do Sul, realizou sua 3ª Assembleia. Uma história de resistência inquebrantável de um povo que foi obrigado a viver escondido sob identidade de outro povo, fruto da política do Estado brasileiro.
Diante dessa realidade catastrófica, o Bem Viver surge como uma das formas de criarmos um novo horizonte para as lutas das populações e povos tradicionais, os povos indígenas, os sem terra, os marginalizados dos centros urbanos e de todos os que se propõem a construir um futuro/presente melhor para todos. Conforme expressam lutadores sociais do continente, o “Bem Viver é um projeto libertador e tolerante sem preconceitos e sem dogmas... O Bem Viver, enquanto ideia em construção, livre de preconceitos, abre a porta para formular visões alternativas de vida, a partir das resistências e experiências históricas” (A. Acosta, 216).
A partir dos povos originários
Vamos emergir da longa noite colonial
Que teima em se projetar até os dias atuais,
Romper o neodesenvolvimentismo,
Juntar nossas lutas e esperanças
Para pintar o nosso horizonte
Com as múltiplas cores
Da história, da memória
Espiritualidade, originária e atual.
Do silêncio do Bem Viver,
Do ventre da Mãe Terra
Vamos reencantar nossos
Arcos e flechas na luta diária,
Nos caminhos plurais
Dos projetos de Bem Viver
Nossa singela homenagem à lutadora e guerreira Rosana Kaingang, que neste fim de semana partiu para a aldeia definitiva.
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O Mal e Bem Viver dos Povos Indígenas no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU