04 Outubro 2016
O arcebispo alemão Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia e secretário particular de Bento XVI, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 02-10-2016, comenta o recente livro-entrevista do papa emérito, Ultime conversazioni [Últimas conversas], acrescentando outras revelações sobre o papa emérito.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Gostaria de iniciar com um esclarecimento que, talvez, ainda poderá ser muito útil. Estas "últimas conversas" não são um "hard talk" beligerante, como o famoso programa de televisão da BBC, e Peter Seewald não tentou absolutamente colocar Bento XVI "contra as grades".
O livro contém, ao contrário, o registro de uma série de encontros "coração a coração", ocorridos antes e depois da renúncia do papa, entre duas almas muito diferentes entre si, mas bávaras até a medula (isso eu posso dizer, não sendo bávaro e vindo da Floresta Negra), que, interrogando intensamente a memória, entram em confidência. As respostas do papa emérito surpreendem aqui por uma intimidade totalmente particular e nova, em que o livro envolve o leitor, e por uma linguagem direta. Ficamos sabendo, por exemplo, da boca do papa, depois da renúncia, que o seu opositor Hans Küng "falava demais".
Comove ler de modo igualmente repentino, na página 49, entre parênteses: "O papa chora" antes que o idoso pontífice fale daquele 28 de fevereiro de 2013, quando, ao cair da noite, ele pairou no céu de Roma a bordo de um helicóptero branco ao som de todos os sinos da cidade, dirigindo-se a Castel Gandolfo, ao encontro da noite da sua vida.
"Eu estava muito comovido", diz. "Enquanto eu pairava lá em cima e ouvia o som dos sinos de Roma, eu sabia que podia agradecer e que o estado de ânimo de fundo era a gratidão." Enquanto o helicóptero decolava, eu me sentei ao seu lado, profundamente abalado, como sabe quem acompanhou essa despedida pela tela da TV. E eu sei que, ao contrário de mim, ele não chorou na época, se me é possível revelar isso aqui, e eu também tenho ainda nos meus ouvidos o som dos sinos de Roma debaixo de nós, naquele voo que marcou um destino.
Devo confessar sinceramente que, hoje, lendo o livro, umedecem-me ainda mais os olhos nas passagens em que o idoso papa recorda como antigamente ele gostava de caminhar e de fazer passeios. "Eu sempre fui bom em caminhar", diz ele em um ponto. "Todos os dias eu dava a minha passeada", diz em outro, enquanto hoje eu tenho diante dos olhos como aquele caminhante apaixonado consegue dar, dia após dia, apenas passos cada vez mais curtos. Por isso, há muitos meses, ninguém me deve mais demonstrar o bom senso da sua renúncia de um ministério extremamente pesado.
O papa emérito continua esclarecendo: não se tratou de uma fuga, Roma não ardia, não havia lobos uivando debaixo da sua janela, e a sua casa estava em ordem quando entregou o bastão nas mãos do "caríssimos irmãos" do Colégio Cardinalício. O médico tinha lhe dito que ele não podia mais atravessar o Atlântico. Mas a Jornada Mundial da Juventude posterior, que deveria ocorrer em 2014, tinha sido antecipada para 2013, por causa da Copa do Mundo. Caso contrário, ele teria tentado resistir até 2014.
"Mas assim, ao contrário, eu sabia que não conseguiria." Arrependeu-se, mesmo que por um minuto, de ter renunciado? "Não. Não, não. Vejo todos os dias que era a coisa certa a fazer."
Seewald quer saber sobre as muitas teorias da conspiração das quais se continua falando sobre a sua renúncia. Chantagem? Complô? "São todos absurdos", corta o papa emérito. Na verdade, ainda há algo a aprender com o seu passo, uma novidade a ser valorizada: "O papa não é um super-homem. Se ele renuncia, mantém a responsabilidade que assumiu em um sentido interior, mas não na função. Por isso, o ministério papal não é diminuído, embora, talvez, se ressalte mais claramente a sua humanidade".
O que a opinião pública fica sabendo sobre a relação do papa emérito com Francisco? Primeiro: ele não esperava Bergoglio. O arcebispo de Buenos Aires foi para ele "uma grande surpresa". Ele não tinha ideia de quem podia ser o seu sucessor. Mas, depois da eleição, assim que viu – na televisão, em Castel Gandolfo – como o novo papa "falava, de um lado, com Deus, de outro, com os homens, fiquei realmente contente. E feliz". E até este momento está satisfeito com o ministério do Papa Francisco? Sem meias palavras, responde: "Sim. Há um novo frescor no seio da Igreja, uma nova alegria, um novo carisma que se dirige aos homens, já é uma coisa bonita. Muitos estão agradecidos porque agora o novo papa tem um novo estilo. O papa é o papa, não importa quem seja."
O seu modo de agir não lhe criar problemas, "ao contrário. Eu gosto". Ele não vê uma ruptura com o seu pontificado: "Talvez, coloque-se a ênfase em outros aspectos, mas não há nenhuma contraposição".
"Eu gostaria de ser professor por toda a vida": ele foi e continua sendo até hoje um professor universitário, que gosta de fazer imitações das vozes, por exemplo do suíço-alemão Hans Urs von Balthasar, e que escreveu até o fim, a lápis, discursos e obras, inúmeros, em uma estenografia criada por ele mesmo para acompanhar a velocidade dos seus pensamentos. E que, mesmo nos períodos de crise, nunca renunciava às sete ou oito horas de sono de que precisa todas as noites, nem à pennichella [sesta], à qual havia se acostumado desde 1963, desde os anos do Concílio passados em Roma.
Em setembro de 1991, ele, que nunca foi fumante nem bebedor, teve uma hemorragia cerebral. "Agora, eu realmente não posso mais", anunciou ele depois a João Paulo II, que, no entanto, recusou categoricamente a sua renúncia. "Os anos de 1991 a 1993 foram cansativos", comenta, lacônico.
Em 1994, teve uma embolia e, depois, uma maculopatia. Desde então, portanto, ainda anos antes da sua eleição a sucessor de Pedro, ele vê muito mal com o olho esquerdo. Isso nunca o fez pesar. O papa semicego! Quem imaginaria?!
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"Bento XVI está semicego há mais de 20 anos", revela Georg Gänswein: - Instituto Humanitas Unisinos - IHU