30 Setembro 2016
"O novidade deste teatro político é a desfaçatez do juiz e dos policiais de passar por cima de direitos, consagrados na constituição e em todo o mundo, como a presunção de inocência, aplicação da prisão preventiva ou coercitiva, sem qualquer necessidade, o intencional e irresponsável vazamento de gravações, sequer respeitando a suprema autoridade do país, como foi o caso da presidenta Dilma Rousseff, a delação premiada, conseguida sob forte pressão psicológica e a especialmente perversa espetacularização das ações policiais, avisando previamente meios de comunicação massivos em concluio com esses desmandos", escreve Leonardo Boff, filósofo, teólogo e escritor.
Eis o artigo.
O golpe de classe via parlamento é um processo que gerou uma cadeia de outros golpes com especial atropelo da ordem jurídica e constitucional. Os golpes são contra a diversidade social e de gênero, não mais representada no governo, golpe na cultura, golpe na saúde, golpe nos direitos sociais, golpe nas aposentadoria, golpe judicial e ultimamente golpe nas eleições. Estes golpes têm por detrás as oligarquias golpistas que utilizaram uma sagaz estratégia de conquistar setores do judiciário, do ministério publico, da polícia federal e do corpo de procuradores para conseguir seus fins.
Encontraram um testa de ferro, educado fora do país, para desempenhar esta nova tipologia de golpe: um justiceiro, de primeira instância, Sérgio Moro e sua equipe de jovens procuradores, infantilmente exibicionistas. Imbuídos de convicções messiânicas de limpar o país da corrupção – o que é louvável - direcionam as investigações unicamente a um partido, ao PT. Desprezando todas as demais agremiações, com não menos atos de corrupção, concentram o foco nas figuras referenciais como o ex-presidente Lula, vários ex-ministros entre outros. Bem disse o ministro Marco Aurélio Mello: ”Moro deixou de lado a lei, isso é escancarado”.
O novidade deste teatro político é a desfaçatez do juiz e dos policiais de passar por cima de direitos, consagrados na constituição e em todo o mundo, como a presunção de inocência, aplicação da prisão preventiva ou coercitiva, sem qualquer necessidade, o intencional e irresponsável vazamento de gravações, sequer respeitando a suprema autoridade do país, como foi o caso da presidenta Dilma Rousseff, a delação premiada, conseguida sob forte pressão psicológica e a especialmente perversa espetacularização das ações policiais, avisando previamente meios de comunicação massivos em concluio com esses desmandos. Pareceria que o juiz Moro tanto estudou a máfia italiana que se tornou ele mesmo num mafioso da justiça. Confessou que pratica uma justiça de exceção, coisa que soa a fascismo.
Entre muitas razões subjacentes a este golpe de classe enfatizo apenas duas: o ódio que a classe dominante tem e sempre teve da população pobre e negra. Não sou eu quem o diz. Refere-o o grande historiador e acadêmico José Honório Rodrigues: ”a maioria foi sempre sofrida e sempre viu desfeita sua esperança de melhoria;…as oligarquias negaram seus direitos, arrasaram sua vida, conspiraram para colocá-la de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence” (Conciliação e Reforma no Brasil, 1965, 14 e 31). Ocorre que um representante destes desprezados, que não foi educado na escola do faraó, chegou a ser presidente e transformou profundamente a vida de milhões de pobres.
Isso é intolerável para as oligarquias, habituadas a ocupar o Estado e seus aparatos não em vista do bem de todos, mas de seus interesses corporativos. Lula e seus assemelhados são odiados por isso. Nunca apreciaram a democracia mas regimes fortes e ditadoriais que lhes facilitam a acumulação, uma das mais altas do mundo. Jamais entenderam o poder como expressão jurídico-política da soberania de um povo, mas como dominação em função do enriquecimento. Sérgio Moro forneceu o enquadramento jurídico canhestro para dar vazão a este ódio de classe.
Um segundo fator cabe ser ressaltado: a estratégia de reconquista por parte das oliguarquias, aquele punhado de famílias de super-ricos que controlam grande parte da renda nacional e que possuem imenso poder econômico, político e mediático. Visam voltar ao lugar que ocuparam por séculos mas que, agora com a situação histórica mudada, jamais chegariam por via democrática, expressa pelo voto popular. Mas o fazem com a trama de um golpe parlamentar vergonhoso.
Essas oligarquias representam a ordem e acultura do capital, cruel e desumano, que nunca mostraram solidariedade para com as grandes maiorias sofredoras. Praticam uma economia altamente concentradora e predatória de bens e serviços naturais, produzindo externalidades que são injustiças sociais graves e ambientais altamente danosas, das quais se eximem de responsabilidade e jogando ao Estado o ônus de sua reparação. Um grupo deles pratica ainda trabalho semelhante ao escravo, levando os trabalhadores a um verdadeiro extermínio físico e psicológico.
Eles agora voltaram para realizar a sonhada reconquista só possível à revelia da constituição. Aplicam medidas neoliberais das mais deslavadas, atropelando conquistas históricas dos trabalhadores e enxovalhando a inteligência brasileira. E o fazem com furor, respaldados por um tribunal de exceção.
Esperamos a rejeição desta reconquista, pelos movimentos sociais, quiçá os únicos, nas ruas e nas praças de todo o país, capazes de inviabilizar esse retrocesso histórico infame.
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O golpe da reconquista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU