19 Setembro 2016
Na foto-símbolo: Assis, 27 de outubro de 1986. O Papa João Paulo II e representantes religiosos. A partir da esquerda: Metropolita Filaret, da Igreja Ortodoxa Russa; bispo de Palmira Gabriele, da Igreja Greco-Ortodoxa de Antioquia; Robert Runcie, arcebispo de Canterbury, chefe espiritual da Igreja Anglicana; Metódio (Fouyias) da Pisídia, arcebispo de Tiatira e Grã-Bretanha; Papa João Paulo II; Dalai Lama Tenzin Gyatso; Maha Ghosananda, monge budista cambojano; Eui-Hyun Seo (Coreia); Etai Yamada (Japão).
Nenhum contraste com João Paulo II, mas também nenhum entusiasmo pelo encontro de Assis em 1986: foi Bento XVI que revelou isso. Crítica e autocrítica em vista de Assis 2016.
A nota é de Simone M. Varisco, publicada no blog Caffè Storia, 18-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nenhum entusiasmo pelo encontro de oração de João Paulo II em Assis? "É verdade, mas não tivemos conflitos, porque eu sabia que as suas intenções eram justas, e, vice-versa, ele sabia que eu seguia outra linha." Isso foi revelado por Bento XVI nas Ultime conversazioni.
Era o dia 27 de outubro de 1986, e tinha sido convocada para Assis, por João Paulo II, uma Jornada Mundial de Oração pela Paz com os representantes das grandes religiões mundiais. Participaram 50 representantes das Igrejas cristãs e 60 representantes das outras religiões. Pela primeira vez na história, realizava-se um encontro como esse, e Bento XVI dá a entender que havia espaço para melhorias.
"Antes do segundo encontro de Assis, [João Paulo II] me disse que apreciaria a minha presença, e eu fui. Aquele foi também um encontro mais bem organizado", recorda o pontífice emérito nas Ultime conversazioni. "As objeções que eu tinha levantado tinham sido acolhidos, e a forma que a manifestação tinha assumido me permitia participar." Era 2002, e Joseph Ratzinger era então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, e a sua participação parecia longe de ser óbvia.
No seu retorno, o então prefeito escreveu para a revista 30Giorni, dirigida por Giulio Andreotti, uma profunda meditação histórico-religiosa no seu estilo, sobre a experiência vivida e sobre o significado do chamado "espírito de Assis".
"Não se tratou – observou, então, o futuro pontífice – de uma autorrepresentação de religiões que seriam intercambiáveis entre si. Não se tratou de afirmar uma igualdade das religiões, que não existe. Assis foi, ao contrário, a expressão de um caminho, de uma busca, da peregrinação pela paz que só é tal se estiver unida à justiça."
"Com o seu testemunho pela paz – continuava o então cardeal Ratzinger –, com o seu compromisso pela paz na justiça, os representantes das religiões tomaram, dentro do limite das suas possibilidades, um caminho que deve ser para todos um caminho de purificação. Isso também vale para nós, cristãos. Nós realmente só chegamos a Cristo se chegarmos à Sua paz e à Sua justiça. Assis, a cidade de São Francisco, pode ser a melhor intérprete desse pensamento."
Foi uma participação que tinha o sabor do encontro até para o próprio Ratzinger. Uma herança que lhe foi deixada por João Paulo II. "Graças a ele, eu aprendi a pensar em uma perspectiva mais ampla, particularmente na dimensão do diálogo religioso", recorda Bento XVI nas Ultime conversazioni.
Entre os dois encontros de Assis, também tinha se registrado o importante passo esclarecedor da Dominus Iesus, ou seja, da "Declaração sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja", um documento doutrinal emitido no dia 6 de agosto de 2000 pela Congregação para a Doutrina da Fé, assinado pelo próprio cardeal Ratzinger.
"Eu escolhi não escrever pessoalmente os documentos do Santo Ofício para que não se pensasse que eu queria difundir e impor a minha teologia pessoal", explica Bento XVI nas Ultime Conversazioni. "Naturalmente, eu também colaborava, aprovava modificações criticamente. Mas, pessoalmente, não escrevi nenhum documento, nem mesmo a Dominus Iesus."
Um documento incômodo, considerado por muitos – dentro e fora da Igreja – como o coveiro do "espírito de Assis", mas que teve o mérito de esclarecer as razões que levaram João Paulo II a promover aqueles encontros. Um texto que, por muito tempo, se pensou que tivesse encontrado também a oposição do próprio Wojtyla. "Mas não foi assim", explica Ratzinger.
A Declaração voltou à atualidade nestes dias que precedem o 30º aniversário de Assis, junto com a lectio magistralis proferida em 2006 por Bento XVI em Regensburg, depois que, em uma entrevista para a revista católica britânica The Tablet, o cardeal Gerhard Ludwig Müller sublinhou o seu valor "profético".
Desta última, o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé desejado por Bento XVI quis sublinhar o valor do "manifesto do diálogo entre religiões e culturas baseado na razão". "Não uma retirada, não uma crítica negativa", disse então Bento XVI, mas sim "um alargamento do nosso conceito de razão e do seu uso. Porque, com toda a alegria diante das possibilidades humanas, também vemos as ameaças que emergem dessas possibilidades e devemos nos perguntar sobre como podemos dominá-las."
"Deve ficar claro que não existem ‘as religiões’ em geral, que não existe uma ideia comum de Deus e uma fé comum n’Ele", escrevia Ratzinger em 2003, no seu "Fé, verdade, tolerância".
"Os perigos são inegáveis – continuava o então cardeal – e não se pode negar que Assis, particularmente em 1986, foi interpretado por muitos de forma errada. Mas seria igualmente equivocado rejeitar total e incondicionalmente a oração multirreligiosa."
Um evento fora do comum, mas que, justamente por isso, "não pode ser a norma da vida religiosa, mas deve continuar sendo apenas um sinal em situações extraordinárias, em que, por assim dizer, levanta-se um grito comum de angústia que deveria sacudir os corações dos homens e, ao mesmo tempo, sacudir o coração de Deus". Agora mais do que nunca.
"É correto afirmar que cada religião, para permanecer justa, ao mesmo tempo, também deve ser sempre crítica da religião", escrevia Bento XVI, hoje pontífice emérito, por ocasião da dedicação da Aula Magna da Pontifícia Universidade Urbaniana ao seu nome, no dia 21 de outubro de 2014.
"Claramente, isso vale, desde as suas origens e com base na sua natureza, para a fé cristã, que, por um lado, olha com grande respeito para a profunda expectativa e para a profunda riqueza das religiões, mas, por outro, vê de modo crítico também aquilo que é negativo. É desnecessário dizer que a fé cristã deve, sempre de novo, desenvolver tal força crítica também no que diz respeito à sua própria história religiosa. Para nós, cristãos, Jesus Cristo é o Logos de Deus, a luz que nos ajuda a distinguir entre a natureza da religião e a sua distorção."
E, como sempre, em uma época como a nossa, é muito absoluta a necessidade de purificar a religião de todas as distorções e de todas as suas trágicas instrumentalizações.
A história e a crônica tornaram evidente que as religiões não são, por si sós, realidades perfeitas: muitos são chamados a guiá-las, nas doutrinas, no papel dentro das sociedades, na vivência dos crentes. A partir da humilde capacidade de autocrítica, ao longo dos séculos, o cristianismo também soube encontrar a coragem e a força para tirar de si o seu melhor.
No mundo de hoje, ferido por uma "terceira guerra mundial em pedaços", à qual o Papa Francisco se referiu várias vezes – não uma guerra religiosa, mas, sem dúvida, também, de instrumentalização da religião – o compromisso com a paz por parte de todas as fés é cada vez mais atual.
"Matar em nome de Deus é satânico." A violência contrasta radicalmente com a natureza de Deus e com a natureza do homem. Embora continue sendo verdade que nemo dat quod non habet, em cada religião pode haver energias de paz, dominantes ou não. Sem fazer dela uma "salada de experiências religiosas", como especificou Dom Sorrentino, bispo de Assis. Mas, com o desejo de dialogar.
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Crítica e autocrítica do diálogo inter-religioso: quando Assis não entusiasmou Ratzinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU