03 Agosto 2016
Vista como um grande recurso no desafio de cuidar do planeta, a encíclica ‘Laudato Si’ do Papa Francisco, carta que trata da defesa do meio ambiente e o cuidado com a Casa Comum, foi apresentada pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam) durante seminário realizado no final de semana em Manaus. No evento, foram enfatizados os desafios, as iniciativas, os avanços, as formas de organizações existentes e o mapeamento das articulações para preservar a Amazônia.
A reportagem é de Siliane Souza, publicada por A Crítica, 01-08-2016.
O assessor da Repam, Daniel Seidel, explicou que, ao todo, serão feitos 14 seminários nos Estados da Amazônia Legal com o objetivo de refletir sobre o documento do pontífice que chama atenção especial para duas regiões geográfica do mundo: a Amazônia e a bacia do rio Congo (África). “O evento busca discutir a realidade de cada localidade e tenta renovar a presença de respostas concretas da igreja nessa perspectiva. Aqui usamos o método ver, julgar e agir”, disse.
Conforme ele, o seminário em Manaus foi o terceiro da série. O primeiro foi realizado em Cuiabá (MT), onde a questão do agronegócio e a utilização de agrotóxico nas plantações ficaram mais evidentes na degradação da floresta, o segundo, aconteceu em Porto Velho (RO), onde as hidrelétricas preocupam, pois impactaram diretamente na vida dos ribeirinhos e no meio ambiente. Na capital amazonense, o contexto vivido pelos indígenas foi um dos problemas mais preocupante.
“É preciso repensar o nosso modo de viver. O papa diz que: continuar com esse modelo de desenvolvimento e progresso pode ser muito bom para outras regiões do país, mas não para a Amazônia. Na maioria das vezes ele traz destruição da vida e contaminação do solo”, disse Seidel. “Precisamos agir e denunciar todo tipo de degradação ambiental que está ocorrendo na nossa região e combater os crimes que destroem a natureza”, completou o bispo dom Mário Antônio.
Dom Mário, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – Regional Norte I (Amazonas e Roraima), lembrou que a grande temática da encíclica ‘Laudato SI’ nos leva a refletir sobre a ecologia integral, ou seja, não apenas cuidar de flora e fauna, que é muito importante, mas também da relação do ser humano com o seu meio ambiente. “É um olhar amplo e ao mesmo tempo localizado sobre nossos desafios e necessidades juntamente com as pessoas que vivem na nossa região”, frisou.
Evento
O seminário “Rede Eclesial Pan-Amazônica e a Encíclica Laudato Si” foi realizado nos últimos dias 29, 30 e 31, no Centro de Treinamento Maromba, bairro Chapada, Zona Centro-Sul. Estiveram presente no evento dioceses e prelazias de todo o Estado, além de representações de povos indígenas, ribeirinhos, associações, organizações civis, movimentos sociais, entre outros.
Conforme dom Mário, o seminário tem muitos objetivos, um deles é verificar a realidade local, colher ideias e sugestões sobre o que queremos para a nossa região e assumirmos o compromisso naquilo que é tocante ao cuidado de todo nosso planeta, onde estamos vivendo. “Um cuidado que o papa Francisco nos alerta que não seja só para gerações futuras, mas seja para o hoje. Somos nós os responsáveis e podemos transformar para melhor ou mudar para pior. A decisão é nossa e esse seminário vem nos encorajar nessa luta comum de preservar o que é de todos”.
Carta circular
‘Laudato si’ é uma encíclica do Papa Francisco, na qual o pontífice critica o consumismo e desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à mudança e à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e as alterações climáticas. A encíclica foi publicada oficialmente em 18 de junho de 2015, mediante grande interesse das comunidades religiosas, ambientais e científicas internacionais, dos líderes empresariais e dos meios de comunicação social. Este documento é a segunda encíclica publicada pelo papa Francisco, após a publicação de Lumen fidei em 2013.
“Às vezes a gente se sente dono da natureza e não percebe que somos parte dela. Ser dono, nessa perspectiva que o papa coloca para nós, é cuidar, guardar e cultivar, não destruir e explorar até o limite da possibilidade”. Daniel Seidel – assessor da Repam (Winnetou Almeida)
“Todo mundo quer mudança, mas poucas pessoas querem mudar. Então, o primeiro desafio é tomar consciência e decidir mudar para uma vida mais simples, honesta, comprometida, de maior comunhão, com menos consumismo, exploração, corrupção, enfim e com mais amor social, humano e cristão”. Dom Mário, presidente da CNBB Norte I (Winnetou Almeida)
‘Indígenas tem muito a contribuir’
“Na encíclica ‘Laudato SI’, o papa Francisco coloca que os povos indígenas não são apenas um povo a mais, mas são quem tem muito a contribuir com o planeta por causa da forma cuidadosa com que cuida da terra mãe. Diferente do modelo capitalista atual que tem derrubado todas as nossas conquistas. Estamos vivendo ameaça terrível”, relata a integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), na tríplice fronteira, Arizete Miranda Dinelly.
A missionária Raimunda Paixão Braga, da equipe itinerante do Cimi, destacou que os indígenas estão sendo vítimas de situações muito sérias. “Em Mato Grosso do Sul, os kaiowá estão sendo exterminados por fazendeiros. No Amazonas, o município onde se dizia que não tinha índios, Coari, tem vários deles, mas não se identificam como indígenas por medo. Na região da tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia), a situação é pior ainda, especialmente na questão de obter documentação”, afirmou.
Integrante da equipe de apoio a índios isolados do Cimi, Fernando Lopez, revelou que a Pan-Amazônia concentra o maior número de grupos humanos isolados do mundo. “São em torno de 165 grupos isolados em todo o mundo, sendo que mais de 150 estão na Pan-Amazônia, e um dado sumamente importante é que na Amazônia brasileira há mais de 100 desses grupos. Isso significa que o Brasil é o país do mundo com o maior número de grupos humanos que não mantém contato”.
Conforme ele, esses grupos se mantém isolados porque a experiência que os indígenas tiveram com os brancos foi extremamente dolorosa. “Hoje esses grupos estão ameaçados devido a grandes empresas de mineração, madeireiras e hidrelétricas que penetram em seus territórios deixando-os sem alternativas. O nosso trabalho não é fazer com que entram em contato conosco é verificar quem eles são para obrigar os governos da Pan-Amazônia a demarcar o território deles e protegê-lo para que não seja invadido e deixar que façam contato quando quiserem”.
Lopez diz que se fala muito que, talvez, os únicos povos livres do mundo que não depende do sistema capitalista são os grupos isolados, mas eles são o fruto da violência histórica com esses povos. “A violência ao longo desses 500 anos. Alguns povos foram exterminados, outros fizeram contato e outros decidiram se meter nas cabeceiras dos rios fugindo de nós porque a experiência que tivemos foi tremendamente dolorosa”, salientou.
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"Carta" papal alerta para a preservação do meio ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU