Por: André | 25 Julho 2016
O homem de confiança do Papa pede a reforma fiscal da Igreja alemã. Reconhece em Francisco “um clássico jesuíta da velha escola inaciana”.
O arcebispo da cúria, Georg Gänswein, é o prefeito da Casa Pontifícia e há muitos anos secretário e confidente do Papa emérito Bento XVI. Em uma entrevista exclusiva para o Schwäbische Zeitung o “servidor dos Papas” fala sobre os pontificados de Bento XVI e de seu sucessor, Francisco.
Fonte: http://bit.ly/2abP3ZL |
Ele esclarece a visão que se tem de Roma da Igreja alemã do ponto de vista interno. Explica porque considera que o sistema fiscal da Igreja alemã chegou a uma situação insustentável. Deplora a discrepância entre dioceses ricas e igrejas vazias. Fala sobre a rejeição que ele provoca na instituição eclesiástica na Alemanha. E revela por quem bate seu coração no futebol.
A entrevista é de Hendrik Groth, publicada por Schwäbische Zeitung, traduzida para o espanhol por por Un Puente de Fe, 17-07-2016. A tradução do espanhol é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como está o Papa Bento XVI?
Ele já não é mais Papa; ele é, agora, emérito. Em abril, completou 89 anos de idade e recentemente celebrou seu 65º aniversários como sacerdote. Houve uma pequena cerimônia com Francisco, cardeais e algumas pessoas pessoalmente convidadas. A cabeça mantém-se clara, brilhante, bem. As pernas estão um pouco cansadas. Especialmente caminhar fica mais difícil. O andador lhe dá estabilidade e segurança. A psicologia é de fato tão importante quanto a fisiologia. Mas as forças simplesmente diminuíram. Também o Papa emérito é uma pessoa sujeita às leis naturais.
Como ele desenvolve o trabalho diário?
A rotina diária é simples. Inicia-se com a missa da manhã. Eu concelebro e de vez em quando há concelebrantes convidados. Segue-se a oração do Breviário e depois o café da manhã. A manhã tem o seguinte ritmo: oração, leitura, correspondência, visitas. Depois, o almoço, onde estou novamente presente. Depois do almoço damos duas ou três pequenas voltas pelo corredor. Depois vem a sesta. À tarde, dedica muito tempo para ler e responder cartas; ainda recebe uma grande quantidade de correspondência de todo o mundo. Às 19h, vamos aos jardins do Vaticano para rezar o rosário, depois jantamos e, na sequência, vemos o noticiário italiano. Em geral, depois se retira e eu faço o mesmo. O domingo tem um desenvolvimento mais relaxado, (“no domingo”) não tem trabalho, dedica-se à música e à cultura.
Você também é o intermediário entre o Papa Francisco, em exercício, e Bento. Pouco depois da eleição do novo Papa, você disse que, na teologia, não passava uma folha de papel entre Bento e Francisco. Passados alguns anos, você diria a mesma coisa?
Essa pergunta já me foi feita; e ainda apoio o que vejo, ouço e percebo. No que se refere aos princípios de sua convicção teológica, há, de qualquer forma, uma continuidade. Naturalmente, também estou consciente de que algumas vezes poderiam surgir dúvidas sobre as diferentes formas de representação e expressão. Mas quando um Papa quer mudar algum aspecto da doutrina tem que dizê-lo claramente, a fim de que seja vinculante. Os princípios doutrinais importantes não podem ser mudados através de meias frases ou com notas de rodapé formuladas de maneira ambígua. A metodologia teológica neste sentido tem um critério claro. Uma lei que não é clara em si mesma não pode obrigar. O mesmo se aplica à teologia. As declarações doutrinais devem ser claras para que sejam de cumprimento obrigatório. As declarações que permitem diferentes interpretações são algo arriscado.
Não é também uma questão de mentalidade? O Papa vem de Buenos Aires. Os argentinos têm um humor especial, com um certo brilho em seus olhos.
Evidentemente, a mentalidade exerce seu papel. Francisco está fortemente influenciado por sua experiência como Provincial dos jesuítas e, especialmente, como arcebispo de Buenos Aires, em um momento em que seu país estava economicamente muito mal. Nessa época, esta metrópole tornou-se o lugar de suas dificuldades e alegrias. E ali, nesta grande cidade e mega diocese, compreende-se que fazia o que fazia porque estava firmemente convencido disso. E isto se aplica também agora, quando é o Bispo de Roma, como Papa. Devemos aceitar o fato de que no calor dos seus discursos, às vezes, é um tanto impreciso em comparação com seus predecessores. Cada Papa tem o seu próprio estilo pessoal. É sua forma de falar, mesmo com o risco de produzir mal-entendidos que, às vezes, dão lugar a interpretações aventuradas. Ele continuará falando sem papas na língua.
Há uma brecha entre os cardeais e entre os cardeais de diferentes continentes, que veem e entendem o Papa de forma diferente?
Antes do Sínodo dos Bispos, em outubro passado, havia uma espécie de sentimento a favor ou contra o Papa Francisco. Não sei quem criou este cenário. Tenho cuidado em falar de uma distribuição geográfica dos prós e contras. É certo que em algumas questões o episcopado africano falou muito claramente. Episcopado, ou seja, as Conferências Episcopais, e não apenas bispos individualmente. Mas este não foi o caso da Europa e da Ásia. No entanto, resisto a esta teoria da ruptura. Embora, em benefício da verdade, deva que acrescentar que alguns bispos estão realmente preocupados com o fato de que a doutrina possa sofrer devido à falta de uma linguagem clara.
Às vezes, tem-se a impressão de que os católicos conservadores que exigiram dos seus irmãos e irmãs progressistas fidelidade ao Papa durante o pontificado de Bento XVI, agora têm um problema com o Papa Francisco. É assim?
A certeza de que o Papa é considerado como uma rocha sólida, como a última ancoragem, está começando a ruir. Se esta percepção da realidade reflete e se ajusta adequadamente à imagem do Papa Francisco ou se se trata mais de uma criação dos meios de comunicação, eu não posso julgar. No entanto, a incerteza e, ocasionalmente, a confusão e uma certa desordem aumentaram. O Papa Bento XVI referiu-se pouco antes de sua renúncia ao Concílio Vaticano II considerando-o como um autêntico “Concílio dos Padres” diante de um “virtual Concílio dos meios de comunicação”. O mesmo se pode dizer, talvez, agora de Francisco. Existe uma brecha entre os meios de comunicação e a realidade atual.
Por outro lado, o Papa Francisco consegue atrair as pessoas para a Igreja católica.
Francisco pode, de fato, captar a atenção do público e atrair. E isto inclusive muito além da própria Igreja. Talvez ainda mais fora da Igreja católica do que dentro. A atenção que se presta no mundo não católico, também na Alemanha, no Papa, é consideravelmente maior do que no caso dos seus predecessores. Naturalmente, isto também se deve ao seu estilo pouco convencional, e o fato de que tenha gestos simpáticos e inesperados conquista os meios de comunicação. Para a percepção das pessoas, um relato positivo desempenha um papel fundamental.
Há um ponto de inflexão na Igreja com Francisco? Há um ponto de partida para uma nova direção?
Se nos fixamos em sua vida espiritual, se escutamos o que prega, reivindica e anuncia, então é reconhecido como um clássico jesuíta inaciano da velha escola, no melhor sentido da palavra. Se este homem iniciou uma nova era, neste sentido, faz afirmações claras sem considerar se são politicamente corretas. Isto é libertador, isto pode ser bom ou não. Esta postura corajosa é acolhedora, as pessoas agradecem por isso, com simpatia, inclusive com entusiasmo.
Talvez se possa falar de um despertar, de uma nova era a este respeito. Pouco depois da eleição do Papa Francisco, um bispo falou do “efeito Francisco” e acrescentou com orgulho que agora é bonito ser católico. Começou-se a sentir e perceber publicamente um vento a favor da fé e da Igreja. Realmente é o que está acontecendo? A vida católica é mais viva, aumentou a participação nos serviços religiosos, aumentaram as vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, as pessoas que abandonaram a Igreja estão retornando? O que o chamado efeito Francisco produziu concretamente na vida religiosa dos nossos respectivos países? De fora, não se pode apreciar um ressurgimento.
Minha impressão é que o Papa Francisco goza de altos índices de aprovação como ser humano, superiores a qualquer outro líder mundial. No entanto, na questão da fé, a própria identidade da fé, tudo isto parece ter pouca influência. Os dados estatísticos, se não mentem, infelizmente me dão esta impressão.
Um tema recorrente é o sistema fiscal da Igreja alemã. Bento XVI manifestou-se criticamente em relação a este tema muitas vezes. O sistema também é incompatível com a Igreja pobre que Francisco quer. Está bem que quem não pagar o imposto à Igreja, para dizê-lo claramente, deve ser expulso?
O 'imposto da Igreja' é um tema que não tem fim. Naturalmente, a pergunta seria se o sistema que temos na Alemanha é uma maneira apropriada de apoio financeiro à Igreja. Deve-se ter em conta as razões históricas do surgimento da tributação à Igreja com a finalidade de situar corretamente a pergunta. Caso contrário, entramos em um beco sem saída. Há dois pontos de vista opostos que estão em contradição. Alguns dizem: abaixo o imposto eclesiástico! Outros querem transformá-lo em uma espécie de bem de culto. Ambos os extremos não são bons.
Na Itália, todos os trabalhadores assalariados têm que pagar um imposto cultural. Pode-se optar para destinar esta contribuição à Igreja católica, mas isso não é obrigatório. Não existe a expulsão, como na Alemanha, para o caso de alguém deixar de pagar esse imposto. Aqui vemos o seguinte: o imposto eclesiástico não é nenhum imposto de culto, mas um imposto de confissão. Se para mim o imposto é muito alto, simplesmente deixo de pagá-lo e economizo dinheiro. Evidentemente, é um exagero que – como você disse – a pessoa seja expulsa no caso de não pagar o imposto à Igreja.
O problema é que alguém está excomungado, de fato, se não pagar o imposto eclesiástico?
Sim, isto é um problema grave. Como a Igreja católica na Alemanha reage a este desafio religioso? Com a exclusão automática da comunidade eclesial, isto é, a excomunhão. Isto é excessivo, não é lógico. Pode-se questionar dogmas, ninguém se preocupa com isso, ninguém é expulso. O não pagamento do imposto à Igreja é uma ofensa maior que as violações dos princípios da fé? A impressão que se tem é: enquanto a fé está em jogo é bastante aceitável, mas tão logo o dinheiro entra na equação, então as coisas ficam sérias. A espada afiada da excomunhão da Igreja é irracional e precisa ser corrigida.
Você vive há muitos anos em Roma. Mudou o seu ponto de vista sobre a Alemanha?
Sim, evidentemente. A opinião tornou-se mais profunda e mais ampla. Simplesmente, porque aqui recolho experiências através de encontros diários com pessoas de todo o mundo, ganha-se em conhecimento, ampliam-se os horizontes e se produz um enriquecimento humano e espiritual. Uma experiência que vivi pessoalmente é que grande parte do que vemos na Alemanha enquanto realidade eclesial é desconhecida em outros países, mas a fé ainda está muito viva. E não quero neste ponto colocar as instituições católicas no pelourinho.
Mas quando se fala com irmãos que vêm de outros países e se explica a eles, por exemplo, quantas pessoas trabalham nas dioceses alemãs ou para organizações da Igreja, franzem o cenho. Não podem acreditar. O dinheiro torna possível determinadas coisas, mas também traz consigo um perigo de asfixia. Naturalmente, o patrimônio deve ser bem administrado. O dinheiro não pertence ao bispo, nem ao capítulo da catedral, nem a uma fundação; eles têm a responsabilidade de usá-lo conforme o sentido de confiança que deve produzir o anúncio da Igreja.
E, no entanto, caso se aplicar a frase do Papa Bento, a Igreja deve renunciar aos seus bens terrenos com a finalidade de preservar sua riqueza e contribuir para a sua purificação e reforma interior.
Se os bens excluem a crença – a fé –, então há apenas uma possibilidade: libertar-se deles. As arcas cheias e as igrejas vazias, este abismo é terrível, não pode continuar por muito tempo. Se a caixa registradora soa e os bancos ficam vazios, um dia haverá uma implosão. Uma Igreja vazia não pode ser levada a sério. De que serve uma diocese muito rica se a fé vai se esgotando pouco a pouco? Estamos secularizando tanto a fé que quase não exerce um papel ou é considerada inclusive um lastro? Expulsa-se o lastro quando não é mais necessário. Não somos mais capazes de pregar a fé para que as pessoas sintam que é algo grande, algo belo que enriquece e se aprofunda em nossas vidas?
Em relação à ocupação de sedes episcopais vacantes na Alemanha, seu nome surge uma e outra vez. Imagina-se executando esta tarefa?
Divulga-se um top de favoritos para queimá-los. Esta é a verdadeira razão para nomeá-los: um jogo transparente. Tenho aqui e agora duas tarefas importantes a cumprir, como prefeito da Casa Pontifícia e secretário do Papa emérito, a quem prometi lealdade no dia da sua eleição até seu último dia. E isto, evidentemente, não mudou com sua renúncia.
As sedes vacantes de bispos funcionam da seguinte maneira: na Alemanha, exceto na Baviera, onde se aplica um regime ligeiramente diferente, o capítulo da Catedral elege o bispo de uma lista de três pessoas. Você acredita que se algum capítulo incluísse meu nome, me escolheriam? Dificilmente. Isto não me machuca. É injusto, mas este jogo será analisado pelas partes interessadas. Como ex-funcionário da Congregação para a Doutrina da Fé, como secretário do cardeal Ratzinger e do Papa Bento, obviamente levo uma “marca de Caim”.
Eu sou claramente “identificável” de forma externa. Na verdade, é assim: nunca tentei esconder minhas convicções. E se isto acontece porque meu discurso não é complexo, mas claro, então devo dizer: sim, é verdade. Mantenho isso agora e também no futuro. Os capítulos também não são uma acumulação da mais alta lealdade com Roma. Não tenho ambição alguma para ocupar uma sede episcopal alemã.
Entre os leigos alemães você tem uma imagem muito mais positiva. É muito popular. Nos meios de comunicação não consegue se desfazer do rótulo de “George Clooney do Vaticano”, um top do cinema internacional que move muitas simpatias.
Provavelmente, isto não me beneficiou, pelo contrário. A situação eclesiástica tem uma imagem negativa de mim. Não estou entre os seus favoritos.
Você tem tempo para seus hobbies?
Na medida do possível, eu procuro tomar tempo para ir às montanhas. Uma vez ao mês tenho que ir. Vou com alguns irmãos ao Abruzzo. Há três anos me propus a retomar as raquetes de tênis. Até agora sem sucesso. Resta pouco tempo para as leituras e a música. Quando é possível, vou trabalhar a pé. As montanhas são uma necessidade, uma limpeza interna e externa.
É verdade que você torce para o Bayern de Munique?
Isto é verdade. Desde que tinha quatro anos. Mas, com o tempo, também o Friburgo SC aninhou-se no meu coração. Tenho grande simpatia por este time.
Por favor, olhe por um instante para a Igreja católica na Alemanha como se fosse um time de futebol. Qual é a primeira opinião crítica que lhe vem à mente?
Este time falha no ataque. O jogo acontece na maior parte do tempo no meio do campo, e há chutões de um lado para o outro do campo. Falta o fluxo do jogo, o essencial, o risco. Dessa maneira, hoje, não se ganha um jogo.
Você viu junto com o Papa Francisco a final da Copa do Mundo entre a Alemanha e a Argentina?
(Sussurro): Ele não a viu. Não quis.
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“A certeza de que o Papa é considerado como uma rocha sólida está começando a ruir”. Entrevista com dom Georg Gänswein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU