04 Julho 2016
É a primeira vez na história da Igreja que um papa faz um balanço do seu pontificado.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada no sítio Il Sismografo, 01-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Estava no ar e se falava há meses sobre isso, mas não havia a confirmação. A singular "conversa" da terça-feira, 28 de junho, entre o Papa Francisco e o papa emérito, por ocasião da comemoração dos 65 anos de vida sacerdotal de Joseph Ratzinger, deixou entrever mais um indício, e alguns perceberam uma vaga confirmação do fato de que Joseph Ratzinger tinha "posto a mão" em uma longa e estruturada reflexão sobre o seu pontificado, sobre a sua renúncia e sobre o papado de Francisco. Mas não só.
Desde as primeiras antecipações, sabe-se que, nas 240 páginas do livro, que será publicado simultaneamente em todo o mundo na sexta-feira, 9 de setembro (na Itália, será publicado pela editora Garzanti e vendido também com a edição do jornal Corriere della Sera), o pontífice emérito – sob a pressão das perguntas de Peter Seewald – refaz toda a sua vida, da infância até o dia da Declaratio (11 de fevereiro de 2013), concentrando-se nos anos do papado e nos seus momentos de crise, na decisão – meditada por muitos meses e comunicada a pouquíssimas pessoas próximas deles – de abrir a possibilidade de uma existência normal de papas eméritos na vida da Igreja, na sua relação com o Papa Francisco, além das escolhas fundamentais desse pontificado que iniciou no dia 13 de março de 2013.
Em suma, como disse o editor alemão nessa quinta-feira: "A primeira vez na história da Igreja que um papa faz um balanço do seu pontificado".
Para uma reflexão desse calibre e compromisso, era praticamente óbvio que Bento XVI escolheria o seu amigo alemão, o jornalista Peter Seewald, com o qual ele já escreveu dois livros importantes, repletos de notas autobiográficas: Deus e o mundo (2001) e Luz do mundo (2010). Em 1996, Seewald já havia entrevistado o cardeal Ratzinger e, dessa conversa, nasceu o primeiro texto a quatro mãos, O sal da terra.
Para o papa emérito, a fé é vida, e a vida sem misericórdia não expressa a fé. Foi isso que ele fez e o que ele disse na sua vasta bibliografia, nascida, acima de tudo, a partir da sua biografia. O binômio vida-livros em Joseph Ratzinger é uma herança espiritual, religiosa e humana incomparável; um momento muito alto da palavra escrita, por ser comunicação verdadeira, em que toda verdade, certeza, dúvida, recordação e esperança tem a sua localização ontológica precisa.
Ao jesuíta Jacques Servais, há muito tempo, Bento XVI, olhando para trás e sem nunca perder de vista o horizonte futuro, e refletindo sobre a sua afirmação "A fé cristã não é uma ideia, mas uma vida" (Opera omnia, GS IV), ele salientou: "Por um lado, a fé é um contato profundamente pessoal com Deus, que me toca no meu tecido mais íntimo e me coloca diante do Deus vivo em absoluta imediaticidade, isto é, de modo que eu possa falar com Ele, amá-lo e entrar em comunhão com Ele. Mas, ao mesmo tempo, essa realidade maximamente pessoal inseparavelmente tem a ver com a comunidade: faz parte da essência da fé o fato de me introduzir no 'nós' dos filhos de Deus, na comunidade peregrina dos irmãos e das irmãs. A fé deriva da escuta (fides ex auditu), nos ensina São Paulo".
Em outro momento da conversa, o papa emérito observa, a propósito da misericórdia: "Para mim, é um 'sinal dos tempos' o fato de que a ideia da misericórdia de Deus se torne cada vez mais central e dominante – começando pela Irmã Faustina, cujas visões, de muitos modos, refletem profundamente a imagem de Deus própria do homem de hoje e o seu desejo da bondade divina. O Papa João Paulo II estava profundamente impregnado por esse impulso, embora isso nem sempre emergisse de modo explícito. Mas, certamente, não é por acaso que o seu último livro, que viu a luz imediatamente antes da sua morte, fala da misericórdia de Deus. A partir das experiências nas quais, desde os primeiros anos de vida, ele constatou toda a crueldade dos homens, ele afirma que a misericórdia é a única verdadeira e última reação eficaz contra o poder do mal. Só onde há misericórdia, a crueldade acaba, o mal e a violência acabam. O Papa Francisco se encontra totalmente de acordo com essa linha. A sua prática pastoral se expressa justamente no fato de que ele nos fala continuamente da misericórdia de Deus. É a misericórdia aquilo que nos move para Deus, enquanto a justiça nos assusta em relação a Ele. Na minha opinião, isso evidencia que, sob o verniz da segurança de si e da própria justiça, o homem de hoje esconde um profundo conhecimento das suas feridas e da sua indignidade diante de Deus. Ele está à espera da misericórdia. (...) Na dureza do mundo tecnicizado no qual os sentimentos não importam mais nada, porém, aumenta a expectativa de um amor salvífico que é dado gratuitamente. Parece-me que, no tema da misericórdia divina, se expressa de um modo novo aquilo que significa a justificação pela fé. A partir da misericórdia de Deus, que todos buscam, também é possível hoje interpretar de cima a baixo o núcleo fundamental da doutrina da justificação e fazê-lo aparecer ainda em toda a sua relevância".
Papa e jornalista
Peter Seewald, o mais renomado biógrafo do papa emérito, nasceu no dia 10 de julho de 1954, em Bochum, Alemanha, em uma família católica. Como jornalista, foi diretor da revista Der Spiegel por seis anos e, depois, como repórter, trabalhou por três anos na revista Stern.
Depois um longo período de tempo em que ficou longe da sua fé, pouco a pouco, se reaproximou, até o ponto de falar de uma "conversão", na qual, confessou, "foi determinante a amizade com Joseph Ratzinger".
Além de livros frutos de conversas com o papa emérito, Peter Seewald escreveu outros em que analisa e comenta a vida e o magistério de Bento XVI. É possível dizer que Seewald, em 20 anos de relações amigáveis e pessoais com Joseph Ratzinger, amadureceu, no âmbito do mundo midiático, o mais sério, profundo e sistemático conhecimento do papa emérito.
Entre eles, como se pode ver a partir dos livros, não há só a estima e a confiança recíprocas, mas também abertura e sinceridade, e eles compartilham plenamente muitas "curiosidades", que sabem articular em perguntas e respostas profundas e consistentes.
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"Últimas conversas": o livro autobiográfico de Bento XVI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU