11 Mai 2016
“Com a transferência de recursos que é feita através dos juros, não há como reduzir a desigualdade. Aconteceram dois fenômenos: houve uma melhoria nas condições das camadas populares até 2014, porém tudo indica que a desigualdade se agravou”, afirma o economista.
Imagem: http://bit.ly/1WnPYIr |
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Quadros faz uma análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad 2014 e adverte que a “crise atinge fundamentalmente da classe média para baixo”. Para ele, entre outros fatores, a raiz da crise social pode ser explicada pela “guinada” da presidente Dilma em seu segundo mandato, o que “aprofundou a crise econômica”. Infelizmente, frisa, “as condições de vida estão piorando drasticamente, e é evidente que isso atinge com muita intensidade os jovens, que ficam sem nenhuma perspectiva”.
Waldir José de Quadros possui graduação em Economia pela Universidade de São Paulo - USP e mestrado e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, onde atualmente é professor associado do Instituto de Economia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em entrevista concedida no ano passado, o senhor nos disse que estava em curso um retrocesso social em cascata, considerando os dados da Pnad de 2013. Qual é a situação social hoje? Para onde estamos caminhando em relação ao combate às desigualdades?
Foto: Unicamp.br
Waldir Quadros – A perspectiva é exatamente a mesma: há um retrocesso em curso. Entretanto, esse retrocesso é maior a partir de 2015, porque em 2013 a PNAD mostrou um comportamento negativo, mas a PNAD de 2014 demonstra que houve uma recuperação social. A análise que fazemos é de que, tanto nos dois governos Lula quanto no primeiro governo Dilma, houve esse processo, que está sendo analisado há tempo, de melhoria da mobilidade social e de redução da miséria. Se olharmos esse período todo, de 2002 a 2014, realmente houve uma melhoria muito expressiva na estrutura da mobilidade social.
O problema é que esse processo rigoroso de mobilidade se esgotou. De 2015 para frente, o que está em curso é um retrocesso de boa parte das pessoas que melhoraram de vida. Esse retrocesso que os dados sugerem é um fenômeno grave, que mostra o tamanho de nossa crise social e dos desafios que estamos enfrentando.
IHU On-Line - O que os últimos dados da Pnad 2014 demonstram sobre a renda e as desigualdades entre os brasileiros?
Waldir Quadros – Os dados de 2014 mostram que houve uma recuperação da mobilidade social. Em termos estatísticos, é um dado “meio esquisito”, porque ou os dados de 2013 superestimaram a queda ou os dados de 2014 superestimaram a melhora. Porém, esse dado deve ser analisado tendo em vista que a PNAD tem um grande problema, visto que ela é feita em uma semana, isto é, retrata a situação social do país a partir da última semana de setembro. Assim, nesses casos, é melhor analisar os dois anos – 2013 e 2014 - em conjunto.
"Era necessário fazer um ajuste fiscal, mas poderia ter sido feito com muito mais critério e de outra forma, aumentando a tributação dos ricos" |
IHU On-Line - Já é possível vislumbrar quais serão os retrocessos sociais? Além do aumento do desemprego, o que vislumbra? Em termos de bem-estar social da população de modo geral, o que tende a mudar?
Waldir Quadros – A crise atinge fundamentalmente da classe média para baixo. Obviamente a classe média alta, os ricos, se defendem mais, basta ver o volume estratosférico de recursos que é destinado a juros. Porém, da classe média para baixo, todo mundo é prejudicado, e não só os pobres. Obviamente que os pobres são sempre os mais atingidos, mas a classe média também está vivendo uma situação muito difícil: ela também é atingida pelo desemprego com muita intensidade, e o mal-estar é geral.
Nos marcos de hoje, do que está em curso, não vejo uma solução rápida para a crise política. Não vejo que a solução seja a substituição de Dilma por Temer, essa não é a saída, porque o problema continua, uma vez que Temer não tem legitimidade, ele não foi eleito e dependerá do Congresso – provavelmente mais ainda do que Dilma dependia. E assim governará com quem? Com os ricos, colocando um banqueiro, que é o Henrique Meirelles, para tomar conta da economia, ou seja, reforçará tudo aquilo de ruim que a Dilma fez no segundo mandato. Tudo que ela fez de ruim, que foi essa guinada neoliberal, será reforçado.
A perda de popularidade acachapante se deu quando ela foi eleita para fazer uma coisa e fez outra, isto é, cumpriu exatamente o programa dos adversários, portanto não vejo solução política no curto prazo. Infelizmente, a impressão que dá é de que a crise ainda tem que avançar muito para surgir alguma proposta melhor. O ideal para este momento seriam eleições gerais para valer, ou seja, para todos os cargos. Esse Congresso não representa a sociedade, o Brasil sempre teve problemas de representatividade, mas não a esse grau, porque apenas 36 deputados entraram por voto direto e os demais ocupam o cargo de forma indireta, com votos dados à sigla, por meio da eleição proporcional.
IHU On-Line - Quais são as causas de estarmos nessa situação hoje? Todas as causas estão no segundo governo Dilma?
Waldir Quadros – Claro que há problemas que vêm de antes, mas a própria abordagem que a presidente Dilma deu para esses problemas foi desastrosa. Por exemplo, era necessário fazer um ajuste fiscal, mas poderia ter sido feito com muito mais critério e de outra forma, aumentando a tributação dos ricos. As propostas existem, mas foi feito justamente o contrário do que se esperava. O problema maior foi a guinada que ela deu no segundo mandato, o que aprofundou a crise econômica, porque uma coisa é estar em crise e outra é estar por dois anos em recessão.
Os dados da PNAD 2014 agravam ainda mais a responsabilidade da presidente Dilma, porque mostram que o retrocesso, a partir de 2015, não era uma coisa inexorável. O desastre de 2015 e 2016 não pode ser atribuído ao período anterior. Dilma não pode dizer que isso acontecia antes; é uma coisa criada no segundo governo dela. Essa crise tem “n” componentes – políticos, oposição -, mas ela criou a crise econômica, a crise social e, em grande medida, a crise política também, que só prosperou por causa dessa crise econômica.
Quando a economia estava indo bem e a popularidade da presidente era alta, ninguém falava em “pedaladas”. Aliás, pedalada tem em todo o lugar: veja o exemplo de São Paulo, onde o governo Alckmin acabou de fazer uma pedalada com o metrô. Quem está no governo pode usar artifícios de manipulação do orçamento, mas não para fins criminosos; esta é uma gestão capenga, mas é a gestão possível.
Agora, por que isso virou o motivo do impeachment? Por conta das crises econômica e social, por conta do descontentamento geral; ninguém defende o governo Dilma. Outro dia vi uma personalidade dizer: “tem duas coisas que são indefensáveis atualmente. Primeiro, é o impeachment; segundo, o governo Dilma.” O impeachment é uma mandracaria, mas o governo também é indefensável, porque Dilma afundou o país e prejudicou em grande medida quem a elegeu. Logo, não tem como sustentar um governo desses.
IHU On-Line - Qual a saída frente a um impeachment e um governo indefensáveis?
Waldir Quadros – Esse é o nosso drama e por isso não vejo solução no curto prazo. Acredito que a crise se agravará ainda mais para então surgir alguma proposta. Ou seja, no mínimo, terá que ficar claro que este governo Temer não resolverá nada e aprofundará ainda mais a crise social. Vamos ver como a sociedade reagirá.
IHU On-Line - O senhor concorda com as análises de que houve uma redução da pobreza, mas não das desigualdades? A que se deve isso?
Waldir Quadros – A desigualdade social não foi reduzida. Houve uma mobilidade social – isso é inquestionável –, redução da miséria, da pobreza, e crescimento da classe média baixa. Isso é um avanço para quem foi beneficiado. Agora, a desigualdade é outro fenômeno. Com a transferência de recursos que é feita através dos juros, não há como reduzir a desigualdade. Então, concordo com essa análise de que aconteceram dois fenômenos: houve uma melhoria nas condições das camadas populares até 2014, porém tudo indica que a desigualdade se agravou.
"Meirelles diz que, fazendo “tudo direitinho”, a economia, em 2018, pode estar em condições de começar a crescer, mas até lá, quem sobreviverá?" |
IHU On-Line - Como reduzir as desigualdades neste contexto de nova crise econômica?
Waldir Quadros – A redução da desigualdade depende da retomada do crescimento. Hoje a variável fundamental para essa questão é o desemprego e a perda de renda das famílias, justamente porque ou as pessoas ficam desempregadas ou são admitidas em outras atividades com salários menores, que é outro fenômeno do desemprego. Esses dois fenômenos, que na realidade são o mesmo – o desemprego –, decorrem da recessão. Logo, para ter alguma melhoria ou para evitar o agravamento dessa situação, o país tem que crescer o mínimo possível. O problema é que não há perspectiva, porque aquilo que o governo Temer anuncia não aponta para o crescimento. Meirelles diz que, fazendo “tudo direitinho”, a economia, em 2018, pode estar em condições de começar a crescer, mas até lá, quem sobreviverá? Nós estamos em maio de 2016 e teremos que esperar até 2018? Não é nada animador.
Infelizmente, a minha perspectiva para o momento é esta: uma crise que continuará se agravando e, obviamente, uma reação social ocorrerá, porque a situação é explosiva. As condições de vida estão piorando drasticamente, e é evidente que isso atinge com muita intensidade os jovens, que ficam sem nenhuma perspectiva.
IHU On-Line – Fazendo uma retrospectiva, poderia ter ocorrido uma redução real das desigualdades, e não só da pobreza, nos governos Lula e Dilma? Faltou implementar alguma política no combate à redução das desigualdades?
Waldir Quadros – Sim, as condições foram excelentes, era só caminhar para uma estrutura tributária mais justa, que reduziria as desigualdades. O grande problema, o que realimenta toda a desigualdade, é a estrutura tributária, que sobrecarrega a classe média e deixa os ricos de fora; assim, o Estado fica impossibilitado de “gastar com os pobres”, com saúde e educação pública. Então, a questão tributária é central.
O pano de fundo maior, em termos de crescimento econômico, que diz respeito aos rumos do desenvolvimento, é que tanto Lula quanto Dilma não se preocuparam efetivamente em reindustrializar o país, em mexer na política econômica e em tomar medidas a favor de uma política industrial; essa é a grande lacuna. Basta ver que quando vem a crise, o país fica dependente de commodities. É uma pena, porque esses governos tiveram condições, principalmente o Lula com sua popularidade, de mexer mais na política industrial. Esse é um grande problema que fica para a posteridade porque, obviamente, Temer não mexerá em nada.
Por Patricia Fachin
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"Houve mobilidade social. Mas a desigualdade social não foi reduzida. Agravou-se". Entrevista especial com Waldir Quadros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU