Por: André | 26 Fevereiro 2016
Os abusos sexuais dentro da Igreja envergonham toda a sociedade. Entrevistamos o catedrático Gregorio Delgado del Río, colaborador de Religión Digital, que acaba de publicar A santidade fingida, livro no qual denuncia que uma parte da Igreja segue ocultando estes crimes, em vez de agir em conformidade com Francisco: com transparência e tolerância zero.
A entrevista é publicada por Religión Digital, 24-02-2016. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O que, em relação ao abuso sexual contra menores, mais depõe contra a Igreja?
Sem dúvida alguma, a vontade manifestada de ocultação. Foi evidente em tempos não tão distantes. Mais, por incrível que possa parecer, ainda persiste em certos ambientes eclesiásticos e laicos, que seguem abraçando o erro de preferir que as roupas sujas sejam lavadas em casa e, além disso, sob segredo pontifício. Viva a transparência!
Diante desta realidade, não deve causar estranheza o fato de que o Papa Francisco teve que insistir novamente em que “os crimes e pecados dos abusos sexuais contra menores não podem ser mantidos em segredo por muito tempo. Comprometo-me à zelosa vigilância da Igreja para proteger os menores e prometo que todos os responsáveis prestarão contas”. Algo não vai bem. Fora vergonha!
É difícil de acreditar que ainda subsistam esses comportamentos na Igreja. Poderia ser mais explícito a este respeito?
Efetivamente, custa muito acreditar nisso. A esta altura, parecem incompreensíveis semelhantes resistências. Mas elas existem. Não se trata de relatar agora casos concretos. Todos os conhecem e assistimos, com altas doses de indignação, à sua formulação. Permanecer neste erro trará à Igreja apenas uma perda de credibilidade maior. A opinião pública não entende, nem entenderá e não verá nisso mais que tentativas vergonhosas (verdadeiros contra-testemunhos evangélicos) de ocultar o que realmente aconteceu. Ou seja, verá o que sempre viu: hipocrisia pura e dura. Já basta!
Este velho critério (lavar a roupa suja em casa) pode levar, inclusive, a outro tipo de atitude em uma tentativa de interferir no livre exercício dos direitos da vítima. Conhece alguma atuação neste sentido?
Infelizmente, conheço. Entendo que certos casos adquiram, em função das circunstâncias presentes, uma especial importância para uma determinada Igreja. Entendo que, quando estes casos vêm ao conhecimento da mídia, haja pessoas concretas que se indignem e interpretem tudo como um atentado à Igreja. Entendo também que muitos preferirão tratar tudo na sacristia. Tantas vezes se viu isso! Chegou-se inclusive a recriminar o advogado da vítima por ter procedido a exercitar seu direito: levar a correspondente denúncia também à jurisdição penal do Estado.
Quando as coisas chegam a este extremo, é compreensível que se duvide da verdadeira atitude da Igreja, pois, embora muitos eclesiásticos não o entendam dessa maneira, propicia-se qualquer interpretação por maliciosa que seja e não se pode evitar que alguém se pergunte com dor em que mãos está a Igreja. Fora a mancada!
O Papa Francisco vem se manifestando com clareza. É abertamente contrário ao acobertamento destes casos de abuso sexual. Como explicar tantas resistências?
É melhor não tentar uma possível explicação. Não existe. E aquelas que se pretendem dar, são, na minha opinião, pouco apresentáveis. Recordaria, simplesmente, a tanto santo reacionário, as palavras que o Papa Francisco disse há poucos dias, nas declarações feitas no avião de volta do México. São estas: “um bispo que transfere um padre de paróquia quando se descobre que é um pedófilo é um inconsciente, e o melhor que pode fazer é apresentar sua renúncia. Claro?” Coerência nos fatos!
Estes assuntos são submetidos, no âmbito canônico, ao chamado segredo pontifício. Qual é a sua opinião?
Com efeito, é assim. Isso se explica, na minha opinião, porque, quando este critério foi adotado, trabalhava-se no marco do princípio tradicional de lavar as roupas sujas em casa. E isso continua em vigor, para assombro de quantos, seguindo o Papa Francisco, optamos pela transparência. O que se teme? Onde fica a salvaguarda dos direitos do denunciado? Por acaso, seguem com certas manobras, que se querem ocultar e que dificilmente são harmonizáveis com a verdade e com a justiça? Se não é assim, para que tanto segredo e mistério?
Se acrescentarmos ao que foi dito até aqui que muitos casos acabam em Roma, é inegável que se estende sobre a atuação da Igreja um certo manto de obscuridade. Isso, na minha opinião, não contribui para recuperar a credibilidade perdida. Quão difícil é administrar o silêncio!
Parece que a Congregação para a Doutrina da Fé está abarrotada de casos que chegam a Roma. Que avaliação faz?
Como o próprio Papa Francisco reconheceu em sua viagem de volta do México, a congregação romana “...não consegue dar conta de tudo aquilo que tem que se feito”. Para isso, foi necessário nomear um terceiro secretário-adjunto e constituir um Tribunal de Apelação. Na minha opinião – já manifestada reiteradamente – este estado de coisas não se harmoniza com a reta administração da justiça. Esta deveria ser administrada no marco mais próximo ao lugar onde ocorreram os fatos que estão sendo julgados.
A Igreja – falando em geral – dispõe de uma organização judicial estável e seria em primeira e segunda instâncias. Por que não se potencializa estas instâncias? Por acaso, não merecem a confiança necessária? Por acaso, busca-se facilitar a ocultação e o silêncio sobre o que aconteceu? Fora o fracasso da inteligência!
Parece que na Congregação para os Bispos aconselhou-se os pastores dizendo que não têm obrigação de denunciar o seu clero à jurisdição estatal. Isso é responsabilidade das vítimas e seus familiares. Isto é verdade e, neste caso, qual é a sua opinião?
Parece ser verdade de acordo com determinadas informações. Não compartilho essa visão de modo algum. Remeto-me ao exposto em Santidade fingida (pp. 112-121, por exemplo). Pode ser que fosse desejável uma norma canônica na qual se fixe este dever do bispo – já tiveram tempo para isso – de cooperar com a autoridade estatal na perseguição e punição destes crimes. Mas, na minha opinião, o critério a seguir está claro e é indubitável já desde Bento XVI. Como dissemos em outro momento, a Igreja não pode se permitir o luxo de deixar sob suspeita sua verdadeira atitude em relação a este ‘crime nefando’. Sobram as desculpas esgrimidas por muitos.
A Igreja é muito livre para dizer, recomendar e fazer o que lhe parece. Mas, seria uma insensatez, se não está consciente de correr o risco certo de não ser entendida nem compreendida, inclusive ser acusada de estar propiciando a ocultação e de querer gozar do privilégio de não colaboração na perseguição do crime. Não devemos esquecer que os bispos também são obrigados pelas leis civis. Em suma, desculpas de mau pagador!
Estranha de modo especial o fato de que não exista na Igreja um procedimento claro, que responda a todos as questões suscitadas na opinião pública e que solucione definitivamente qualquer indício de dúvida sobre o posicionamento da Igreja católica. Qual é a sua avaliação?
É uma evidência. Desde que estourou ‘a tempestade midiática’, a Igreja teve tempo mais que suficiente para elaborar um procedimento claro e completo. Inexplicavelmente, não o fez e, por isso, está pagando a cota correspondente de perda de credibilidade. Optou, em 2011, por uma circular na qual se fixavam critérios a serem desenvolvidos pelas Conferências Episcopais para ‘instituir procedimentos adequados’. Muitas se omitiram. O próprio Papa Francisco urgiu o cumprimento deste dever em duas ocasiões.
Entretanto, ainda existem Conferências Episcopais – como a espanhola – que não tiveram tempo para elaborar e aprovar protocolos obrigatórios. Algo incompreensível e, talvez, expressão da insensatez e irresponsabilidade com que se age. Obras são amores!
Há alguns dias, a Conferência Episcopal Tarraconense emitiu um comunicado após a denúncia dos fatos supostamente ocorridos nos Maristas-les Corts. Que avaliação faz?
Nada a opor ao comunicado. Reiteram princípios claros, ‘mantras’ do conhecimento de todos, mais do mesmo. Parece-me bem. Pediria apenas que levantem a sua voz na Conferência Episcopal para que, de uma vez por todas, se elaborem os oportunos protocolos e se estabeleça um procedimento seguro de ação. Caso isso não fosse possível, por que não elaboram estes protocolos para todas as dioceses que integram a Conferência Episcopal Tarraconense? Deem um passo para frente!
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“As roupas sujas continuam a ser lavadas sob segredo pontifício”. Entrevista com Gregorio Delgado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU