25 Fevereiro 2016
''A única boa notícia a que tivemos direito nos últimos tempos foi que dois diplomatas alemães resolveram fazer amor no banheiro, durante a reunião de cúpula europeia que cedeu todos os direitos sociais dos imigrantes em troca do apoio de Cameron à manutenção do Reino Unido na União Europeia'', escreve Nuno Ramos de Almeida, pintor, ensaísta e videomaker, em artigo publicado por Outras Palavras, 24-02-2016.
Eis o artigo.
Até agora, a parte mais parecida com qualquer coisa de humano do governo alemão era a cadeira de rodas do ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, pois revela sofrimento pessoal. Toda a política alemã para a Europa é um desastre para os povos em geral, desenhada a partir de uma convicção ideológica de ferro: as crises podem perfeitamente agudizar-se e o empobrecimento de grande parte dos países do continente multiplicar-se que Schäuble repetirá, imperturbável: “A experiência deve continuar.”
Ele parece o Dr. Strangelove, o cientista louco de cadeira de rodas imortalizado por Peter Sellers no filme de Stanley Kubrick. Para além de nos parecer sempre que vai, como o personagem, esticar o braço e gritar alegremente “Heil!”, corre também convictamente para o desastre, sem pensar em fazer marcha-ré. Nesta linha de rumo, não há nada que faça pensar os decisores que alguma coisa vai mal. Enquanto houver contribuintes para esmifrar, o sistema financeiro continuará a guiar-se pelas mesmas regras catastróficas. É óbvio que um sistema que destrói o nível de vida das populações que trabalham, que não gasta um euro para promover o emprego mas está disposto a dar bilhões de euros aos bancos, tem uma lógica de poder associada a camadas minoritárias da população, mas cada vez mais poderosas, que ganham com esta deriva.
Paulatinamente, o sistema democrático tem sido privado de mecanismos democráticos de controloe sobre a economia, e as decisões são livres se cumprirem a vontade dos mercados e dos seus servidores de Berlim e Bruxelas. Os referendos sobre matéria europeia são cada vez mais desaconselhados pelas altas instâncias e, caso aconteçam, serão repetidos as vezes necessárias até darem o resultado desejado.
A ordem manda garantir a liberdade de falar, desde que essa liberdade não ponha em causa as ordens que vêm de cima. A democracia foi privatizada: do sistema de a cada homem e cada mulher um voto, passou-se a uma sociedade por ações em que manda quem tem mais capital.
Há a diretiva de reprimir qualquer dissidência, sejam países ou pessoas. A reação das instâncias europeias às eleições portuguesas e gregas é um bom exemplo disso. O nosso herói Wolfgang Schäuble bem pode ter um banco (Deutsche Bank) com um potencial buraco várias vezes superior ao PIB alemão, mas faz declarações avisando o governo português que não deve assustar os mercados.
À apropriação dos poderes do Estado-nação, e da democracia, pelas instâncias não eleitas que falam em nome dos mercados, sucede-se um outro processo complementar: a criminalização dos protestos. Por todo o lado, muitas vezes a reboque das leis antiterroristas, verifica-se a criação de normas que reprimem manifestantes, ativistas e sindicalistas. O Estado espanhol bate recordes nesse caminho, mas é seguido por muitos países em nome da segurança. A porta-voz da Câmara de Madri está no banco dos réus por ter feito um protesto numa igreja, convocar um protesto por internet pode levar à prisão dos organizadores. Mas as coisas não ficam por aqui e não são apenas apanágio de Madri.
No dia 2 de março faz três anos que mais de um milhão de pessoas saíram à rua em Portugal para contestar as políticas da troika. Nesse mesmo dia vai a tribunal a ativista Ana Nicolau. Está no banco dos réus porque protestou na Assembleia da República contra uma política de dois pesos e duas medidas: os trabalhadores precários sofrem um violento assédio fiscal e nada é perdoado, quando o antigo primeiro-ministro Passos Coelho pode andar anos sem pagar a Previdência Social. Parece que na casa da democracia se espera que o povo não chame a atenção para os desmandos dos governantes.
A única boa notícia a que tivemos direito nos últimos tempos foi que dois diplomatas alemães resolveram fazer amor no banheiro, durante a reunião de cúpula europeia que cedeu todos os direitos sociais dos imigrantes em troca do apoio de Cameron à manutenção do Reino Unido na União Europeia. Podemos confirmar que já não é só a cadeira de rodas de Schäuble que torna mais humanos os diplomatas e governantes de Berlim: façam amor e não a “austeridade”!
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Eles quase não fazem sexo no banheiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU