Por: Jonas | 03 Fevereiro 2015
Em uma semana transcorreu um século. O tempo da realidade política foi mais rápido do que o tempo dos relógios. Há exatamente sete dias, o partido grego Syriza venceu as eleições legislativas e seu líder, Alexis Tsipras (foto), traduziu em fatos o que havia prometido durante a campanha eleitoral: buscar uma renegociação da dívida grega, recusar os prazos e as formas pactuadas anteriormente pela direita, pôr fim à austeridade e estabelecer um esquema de enfrentamento frente à União Europeia. Em maior ou menor medida, tudo foi cumprido. O governo da esquerda radical de Tsipras chegou, inclusive, a desconhecer esse triângulo do ajuste que é a troika, ou seja, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Comissão Europeia. O ministro grego das finanças, Yanis Varoufakis, deixou bem claro que é Executivo não reconhecia a troika, que qualificou como “uma delegação tripartite, antieuropeia, construída sobre uma base manca”. Atenas se apoia na leitura das urnas: as eleições foram vencidas com um programa que impunha à troika seus métodos e o pagamento da dívida da mesma forma como, antes, foi estruturada através da troika. À espera que Alexis Tsipras chegue a Paris, nesta quarta-feira, para conversar com o presidente francês François Hollande, o titular da pasta das finanças se encontra na capital francesa, neste final de semana, para iniciar uma rodada de conversas com o ministro francês de Economia, Michel Sapin.
Fonte: http://goo.gl/34ORkV |
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 01-02-2015. A tradução é do Cepat.
A peleja mais forte ocorreu em Atenas durante a visita do presidente do Eurogrupo e ministro holandês de Economia, Jeroen Dijsselbloem, para quem “os problemas da economia grega não desapareceram com as eleições. Atenas deve continuar o caminho das reformas”. Isto quer dizer pagar. A segundo frente também foi aberta pelo próprio Yanis Varoufakis quando, em uma entrevista ao jornal The New York Times, rejeitou receber os 700 milhões de euros correspondentes a quinta e última entrega do plano de resgate supervisado pela troika, desde 2010, e cujo montante chega a 240 bilhões de euros. “Não queremos os 700 milhões. O que queremos é voltar a pensar todo o programa”, disse Varoufakis. No atual contexto, Atenas só aceita negociar com a União Europeia e, ao invés de empréstimos, a Grécia quer, ao contrário, consolidar a renegociação da dívida para obter vantagens e, assim, financiar o plano social apresentado em inícios de janeiro por Alexis Tsipras, por um montante de 12 bilhões de euros. Segundo o que disse ao vespertino Le Monde, Georges Stathakis, um dos arquitetos do plano econômico grego: “devemos renegociar com nossos sócios um desconto dos 23 bilhões de euros que estávamos obrigados a consagrar para o reembolso da dívida, durante o ano 2015”. A situação financeira de Atenas é grave. Segundo revelou o jornal Kathimerini, os caixas do Estado grego possui apenas uns dois bilhões de euros, longe, muito longe dos 12 bilhões necessários para financiar o plano social: aumento do salário mínimo, saúde grátis, aposentadorias.
Até o momento, não ocorreu nenhuma ruptura social. Cada parte movimenta suas peças e acompanha os movimentos de seus adversários. A Alemanha respondeu Atenas, neste sábado, por meio de duas entrevistas publicadas pelo Hamburguer Abendblatt e o Die Welt, uma com a chanceler alemã Angela Merkel e a outra com o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schäuble. Ambos rejeitaram categoricamente a ideia de um perdão de parte da dívida grega, mas também não fecharam as portas para uma possível negociação. Hoje, a Europa inteira diz estar disposta a “escutar” as ponderações gregas sem, por isso, ceder no tema principal: é preciso pagar. Angela Merkel disse à imprensa alemã: “A Europa continuará demonstrando sua solidariedade à Grécia e aos outros países afetados pela crise sempre e quando esses países aplicarem as reformas e implementarem as medidas econômicas”. Os limites retóricos da Europa aparecem, aqui, sem dissimulações, expostos ao sol como roupa suja.
A questão da dívida é também eminentemente política. Caso Alexis Tsipras consiga um respiro, isto abriria um precedente, o que seria um incentivo para outros movimentos políticos europeus semelhantes ao Syriza como, por exemplo, o Podemos na Espanha. Lisboa e Madri são hoje, paradoxalmente, os mais contundentes inimigos de concessões a Grécia. Ambos pagaram um enorme tributo pelas reformas e não estão de acordo de que sejam dados benefícios para Atenas. No caso da Espanha, com um movimento como o Podemos em plena ascensão, um tratamento especial à Grécia seria como um certificado de ampla vitória eleitoral ao mesmo. O primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, declarou que a ideia de que se abra uma exceção à Grécia não é algo que “entusiasme os países que resolveram seus problemas”. A Espanha, de sua parte, alega que as regras negociadas “são intocáveis”.
O novo Executivo grego rompeu, sem demora, com vários eixos da política europeia, e não apenas em matéria de dívida ou reformas. Também fez isso em relação à política exterior, concretamente com a Rússia. Ao invés de primeiramente se reunir, como é a tradição, com o embaixador norte-americano em Atenas, Tsipras mudou a ordem do interlocutor e recebeu, primeiramente, o embaixador russo Andrei Maslow. Antes, Alexis Tsipras havia lamentado que a Grécia fosse incluída em uma nova advertência europeia, dirigida a Moscou, para que a Rússia respeite o acordo de cessar-fogo no leste da Ucrânia. Junto a este tema se acrescenta, também, um dos gestos mais fortes de Atenas: o não reconhecimento do clube de credores composto pela troika. O primeiro round só começou. Os protagonistas encarnam identidades distintas: um clube de prestamistas que monitora as políticas nacionais em nome do dinheiro que empresta. E uma maioria que saiu eleita contra as políticas desse clube. Legitimidade popular contra ditadura financeira. A Grécia é hoje um laboratório renovado.
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A Grécia desconhece a troika - Instituto Humanitas Unisinos - IHU