Por: André | 27 Julho 2015
O ministro das Finanças da Alemanha chegou ao poder com Helmut Kohl, em 1984. Foi fundamental na reunificação alemã, sobreviveu a um atentado em 1990 que o deixou paraplégico e agora converte-se no tesoureiro da Eurozona.
A reportagem é de Fernando Krakowiak e publicada por Página/12, 24-07-2015. A tradução é de André Langer.
“Por que não me deixaram morrer?”, foi a primeira coisa que Wolfgang Schäuble disse à sua esposa Ingeborg Hensle assim que despertou do coma induzido e comprovou que havia ficado paraplégico. No dia 12 de outubro de 1990, o então ministro do Interior da Alemanha tinha acabado de fazer um discurso de campanha para cerca de 300 pessoas em Oppenau, a sudoeste de Stuttgart. Quando saía do local um esquizofrênico deu-lhe três tiros com um revólver calibre 38. Uma das balas atravessou o rosto e a outra entrou pelas costas e fraturou uma vértebra torácica, deixando-o em cadeira de rodas. “Meu marido apertou os dentes pelo resto da convalescença e proibiu a si mesmo a autocompaixão. Ele exigiu o mesmo de nós”, revela a mulher.
Essa característica de seu caráter, que o distinguiu durante a sua carreira política, voltou a ficar em evidência nas últimas semanas quando o agora ministro das Finanças da Alemanha mostrou-se inflexível com o governo de Alexis Tsipras, chegando inclusive a ameaçar a Grécia com a expulsão da Eurozona, caso não aceitasse aplicar um forte plano de ajuste fiscal e avançar com a privatização de ativos públicos para pagar parte da sua dívida externa.
“Baseando-me em meses de negociação, minha convicção é de que o ministro das Finanças alemão quer que a Grécia seja empurrada para fora da moeda única para infligir o temor a Deus nos franceses e que aceitem seu modelo de uma Zona do Euro disciplinada”, disse o ex-titular da carteira de Finanças grega, Yanis Varoufakis, logo depois que deixou o seu cargo por pressão do Eurogrupo. Em uma entrevista à revista alemã Der Spiegel, Schäuble negou a acusação na semana passada. “Nós nunca dissemos que a Grécia deve sair da zona euro. Apenas chamamos a atenção para a possibilidade de a própria Atenas poder decidir um afastamento temporário”, disse.
– Nas negociações, parecia que o senhor era um pai rigoroso tentando chamar à razão os filhos mimados – assinalou a revista Der Spiegel.
– Trata-se de equilíbrio. Em casa, nós éramos três irmãos, e quando brigávamos, meu pai sempre dizia que o mais forte devia recuar. É o que acontece com as negociações com a Grécia. O que está numa posição melhor deve tentar ajudar o mais fraco. Eu tentei fazer isso.
Nessa entrevista também lhe perguntaram se não se estava exigindo da Grécia mais do que ela podia dar. “Vejo as coisas de forma diferente. Em 2009, a Grécia teve um déficit orçamentário de 15% e um déficit em sua conta corrente da mesma magnitude. Ambos os indicadores mostram que o país estava vivendo além dos seus recursos e que havia uma significativa necessidade de reforma. (...) Minha avó costumava dizer: ‘A benevolência vem antes da devassidão’. Há um tipo de generosidade que pode produzir rapidamente o contrário daquilo que se pretende”, disse.
Schäuble nasceu no dia 18 de setembro de 1942 em Friburgo, uma localidade a sudoeste da Alemanha. Em 1961, logo depois que terminou o ensino médio, entrou no ramo juvenil da União Democrática Cristã (CDU) e em 1965 converteu-se em membro pleno do partido. Estudou direito e economia nas universidades de Friburgo e Hamburgo e fez o doutorado em 1971. Um ano depois, foi eleito deputado federal em Bonn com apenas 30 anos. Em 1984, o então chanceler Helmut Kohl nomeou-o chefe da Chancelaria e ministro federal de Tarefas Especiais. Em 1989, nomeou-o como ministro do Interior, substituindo o ultraconservador Friedrich Zimmermann. Neste lugar desempenhou um papel central na reunificação alemã. O jornalista e cineasta alemão, Dirk Laabs, recordou na semana passada no jornal inglês The Guardian que Schäuble liderou a equipe que negociou com a Alemanha comunista os termos da integração, exigindo uma política de privatização de ativos, muito similar àquela que agora impôs à Grécia.
Em 31 de agosto de 1990, Schäuble assinou, em nome da Alemanha Federal, o histórico Tratado da Reunificação com o negociador do lado comunista, Günther Krause. Doze dias depois foi atacado a tiros por Dieter Kaufmann, ficando em cadeira de rodas. Os investigadores descartam uma motivação política ao assegurar que o agressor era um esquizofrênico paranóico, segundo explicou o jornalista Hans-Peter Schütz, que esteve presente no dia do ataque e escreveu uma biografia sobre o atual ministro das Finanças alemão.
Logo depois de se recuperar, Schäuble foi protagonista do histórico debate realizado no Parlamento alemão em 20 de junho de 1991 para decidir se a capital do novo Estado unificado devia ser transferida, ou não, de Bonn para Berlim. “Hoje, não estamos diante de uma nova disputa entre duas cidades, mas diante de uma decisão sobre o futuro da nossa sociedade. Temos que enviar um sinal de solidariedade ao povo da Alemanha Oriental para deixar claro que estamos conscientes dos seus problemas”, disse Schäuble. As crônicas da época concordaram em que o seu discurso foi determinante para inclinar a balança em uma eleição fechada que, finalmente, apoiou a transferência por 338 a 320 votos.
Em dezembro de 1991, assumiu a presidência do bloco da CDU no Parlamento e desde então se começou a especular sobre a possibilidade de que fosse o substituto de Kohl como chanceler. Mas o líder alemão concorreu novamente e foi reeleito em 1994. Nos meses anteriores à eleição de 1998, Schäuble voltou a se posicionar como possível sucessor de Kohl. O então chanceler mencionou-o inclusive como seu herdeiro político em um congresso do partido. Entretanto, Kohl decidiu concorrer novamente à reeleição, mas, desta vez, acabou perdendo para Gerhard Schröder.
Depois da derrota de Kohl, Schäuble assumiu a presidência do partido e nomeou Angela Merkel como sua secretária-geral. Sua gestão à frente do partido durou pouco mais de um ano, porque no dia 17 de fevereiro de 2000 viu-se obrigado a renunciar ao cargo e à sua aspiração de ser chanceler, quando apareceu envolvido em uma investigação sobre o financiamento ilegal do partido durante o governo de Kohl. De fato, em janeiro de 2000, admitiu que tinha aceitado uma doação de 100 mil marcos alemães feita por Karlheinz Schreiber, um traficante de armas condenado por evasão de impostos.
Quando Angela Merkel foi eleita chanceler alemã, em novembro de 2005, resgatou Schäuble do ostracismo e o nomeou ministro do Interior, cargo que ocupou até outubro de 2009. Nesse ano, Merkel foi reeleita pela primeira vez e o colocou à frente do Ministério das Finanças, convertendo-o ao mesmo tempo no virtual tesoureiro da Eurozona, para infelicidade dos gregos.
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O verdugo dos gregos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU