01 Fevereiro 2016
Na semana passada, dezenas de milhares de italianos tomaram pelo menos 100 praças de cima a baixo do país para demonstrar seu apoio a uma medida atualmente em apreciação no Parlamento italiano, e apoiada pelo governante da maioria de centro-esquerda, que aprova a união civil para casais do mesmo sexo, juntamente com os direitos de adoção completos.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 27-01-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
No sábado, espera-se uma outra onda de manifestantes para inundar o Circus Maximus de Roma para se opor a essa medida, em um comício conhecido como o Dia da Família. Ele foi originalmente marcado para a praça em frente a São João de Latrão, durante séculos a sede do papado, mas os organizadores dizem que foram forçados a se mudar devido ao elevado número de pessoas que pretendem participar.
O evento é esperado para ser tão grande que a empresa ferroviária italiana está oferecendo um desconto de 30 por cento para as pessoas que viajam para Roma, utilizando o código "Family30" (Família30), que é uma prática padrão para grandes acontecimentos nacionais. Quando apoiadores do projeto de lei de uniões civis protestaram neste caso, a empresa pediu desculpas mas não retirou o desconto.
A primeira votação parlamentar sobre a proposta, conhecida como o projeto de lei Cirinnà por causa da legisladora que a escreveu, Monica Cirinnà do Partido Democrata, está marcada para quinta-feira. Os defensores acreditam que eles têm apoio suficiente para passá-la, embora desde que partidos indicaram que os membros são livres para votar com suas consciências, contas exatas são ilusórias.
Esta é a Itália, por isso a partir do início da fermentação, uma pergunta acima de tudo pairava sobre o debate: "Onde está o apoio do Papa Francisco?".
Logo de início, parece plausível que Francisco talvez apenas tenha que aguentar até o fim.
É amplamente conhecido que quando a Argentina se preparava para um debate nacional sobre o casamento gay em 2010, o então cardeal Jorge Mario Bergoglio foi publicamente crítico, mas reservadamente sinalizou que estaria disposto a viver com as uniões civis como uma medida de compromisso.
No final, isso não aconteceu, e a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a legalizar o casamento gay. No entanto, as memórias em relação ao posicionamento futuro do papa permaneceram.
Quando uma precursora manifestação para o Dia da Família de sábado foi organizada em junho passado, o homem do papa dentro da poderosa Conferência Episcopal Italiana, bispo Nunzio Galantino, foi visto como distintamente de acordo com a ideia. A suposição era que ele estava agindo com pelo menos o apoio tácito do papa, se não a sua bênção a título definitivo.
Desta vez, o Papa Francisco cancelou abruptamente uma reunião na quarta-feira com o cardeal Angelo Bagnasco de Génova, o presidente da Conferência Episcopal Italiana e um proponente vocal do Dia da Família. Muitos tomaram isso como uma afronta, sugerindo que Francisco quer manter sua distância da luta.
Dois dias mais tarde, no entanto, Francisco inverte o rumo e entra diretamente no debate.
Em um discurso anual a um tribunal do Vaticano, Francisco emitiu um alerta contundente que "não pode haver confusão entre a família projetada por Deus e qualquer outro tipo de união", que foi tomado pelos italianos como uma crítica ao projeto de lei Cirinnà e, menos indiretamente, um endosso do Dia da Família.
(Também sob o título de "apenas na Itália", a resposta de Cirinnà foi clássica. Ela restringiu-se a dizer: "O papa deve ser ouvido, não comentado". Nos Estados Unidos, o grupo católico dos direitos dos homossexuais DignityUSA foi mais franco, emitindo um comunicado de imprensa chamando o comentário do papa como uma confirmação de que "o Papa Francisco e outros oficiais católicos vão continuar a levar a carga para evitar qualquer reconhecimento civil ou sacramental de relações do mesmo sexo)".
Na segunda-feira, Bagnasco fez um discurso anual para seus irmãos bispos. Ele não mencionou o Dia da Família pelo nome, mas claramente apoiou o direito dos leigos de se mobilizar.
Os leigos católicos, disse ele, "têm o dever e o direito de participar no bem comum, com serenidade de coração e um espírito construtivo... cabe aos leigos 'escrever a lei divina na vida da cidade terrena', assumindo a sua responsabilidade à luz da sabedoria cristã e prestando atenção respeitosa à doutrina do Magistério".
Dado tudo o que aconteceu no período de preparação para o discurso, é improvável que Bagnasco teria dito aquilo se ele suspeitasse que Francisco não aprovaria, e isso foi tomado como um voto de confiança por parte dos organizadores do Dia da Família. Recentemente a Tv2000, rede patrocinada pelos bispos italianos, anunciou que irá acompanhar a manifestação ao vivo.
Já há alguma indicação de que os últimos sinais vindos de Francisco podem estar mudando a paisagem política.
Na semana passada, apoiadores do projeto de lei de uniões civis apresentaram um pacote de modificações, incluindo a linguagem que claramente distingue as relações de casamento, e também exigindo que um tribunal de família avalie todas as propostas de adoções para ter certeza de que eles estão fazendo o melhor pelos interesses da criança. Outras alterações incluem que se um casal em uma união civil separa-se, eles deixarão de ter direito a usar o mesmo sobrenome, outro esforço para torná-lo diferente do casamento.
Essas revisões, porém, não satisfizeram os críticos do projeto de lei. Enquanto isso, alguns defensores do projeto de lei estão agora ameaçando votar "não" se este enfraquecer ainda mais.
O que pode explicar os sinais contraditórios provenientes do pontífice?
1. Há uma diferença fundamental entre a Itália em 2016 e a Argentina em 2010. Na Argentina, há seis anos, a alternativa para uniões civis eram os direitos do casamento completos; na Itália, ninguém colocou o casamento gay na mesa, e pelo menos por enquanto, é uma política não iniciada.
Mesmo Cirinnà reconheceu recentemente que "hoje os números para a igualdade no casamento simplesmente não estão lá, seja na Câmara ou no Senado".
2. Há divisão na Igreja italiana. A imprensa italiana tem demonstrado a ruptura percebida entre Galantino e Bagnasco, e mais amplamente uma divisão na Igreja italiana, com algumas dioceses participando cordialmente no Dia da Família e outras efetivamente ignorando-o.
Nesse contexto, Francisco pode sentir a necessidade de demonstrar solidariedade com Bagnasco através da não sabotagem de sua posição.
3. A Igreja tem influência descomunal na Itália. Francisco foi o Bispo de Roma há quase três anos, e tem uma profundamente enraizada compreensão em sua própria experiência que a Itália é diferente do resto da Europa Ocidental em um aspecto fundamental: por todas as suas labutas, a Igreja Católica ainda tem significativo capital social e carrega soco político.
Isso não significa que a Igreja italiana ganha o tempo todo; famosamente, ela perdeu referendo em 1974 sobre o divórcio e, em 1981, sobre o aborto, e prevaleceu em 2005 sobre a pesquisa com células-tronco somente por convencer os italianos a não votar, a fim de invalidar a votação.
No entanto, os católicos em massa continuam a ser uma parte considerável da população nacional e estão bem representados em ambos os principais partidos políticos, e seus sentimentos têm que ser pelo menos considerados.
Certamente, o próprio papa ainda tem alguma força política em seu próprio quintal. Foi uma percebida repreensão de Francisco em setembro, segundo se afirma, que contribuiu para derrubar o ex-prefeito de Roma Ignazio Marino.
Talvez o cálculo sobre a proposta de uniões civis – para parafrasear um Star Trek "Borg" de referência – é que a resistência não é fútil.
Por enquanto, os manifestantes pró-família que planejam vir a Roma no sábado, podem sentir que, se eles não têm o endosso explícito do Papa, eles não estão, pelo menos, desafiando-o... e na vida política italiana, agora como sempre, isso não é pouca coisa.
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Papa Francisco envia sinais mistos sobre uniões civis para casais gays - Instituto Humanitas Unisinos - IHU