22 Janeiro 2019
A partir de hoje, deixemo-nos guiar por Lucas o evangelista deste Ano C. Para iniciar, neste domingo e no próximo, situemo-nos na sinagoga de Nazaré, a cidade em que Jesus cresceu.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 3º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências Bíblicas:
1ª leitura: «Todo o povo escutava com atenção a leitura da Lei» (Neemias 8,2-6.8-10)
Salmo: Sl 18B(19) - R/ Vossas palavras, Senhor, são espírito e vida!
2ª leitura: «Vós, todos juntos, sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo» (1 Coríntios 12,12-30 ou 12,12-14.27)
Evangelho: «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura» (Lucas 1,1-4; 4,14-21)
Coloquemos o evangelho em seu contexto. Após a pregação de João, temos a seguinte sequência: o batismo, a genealogia de Jesus e as tentações no deserto. O relato do batismo revela-nos a origem divina de Jesus, a sua identidade. A genealogia nos faz conhecer a sua origem humana e, por isso, remonta ao início dos tempos, perfazendo o caminho do conjunto da história bíblica. Temos aí, pois, o Messias - Filho de Deus e Filho do homem. A cena das tentações nos faz descobrir, logo de início, em que consiste ser o Messias, Filho de Deus; ou seja, que rosto irá ganhar o seu messianismo. Então, isto que a justo título ganhou o nome de «vida pública» de Jesus já pode começar. «Pública» quer dizer vivida em presença de testemunhas, e o prólogo que a Liturgia coloca no começo do evangelho de hoje parece aplicar-se particularmente ao que se vai seguir. Para a genealogia, nenhuma testemunha, obviamente, nem para as tentações. Já quanto ao batismo, o relato de Lucas situa-o no anonimato da multidão e o separa da revelação da identidade divina de Jesus. Esta revelação vem situada no contexto de uma oração pessoal e não se dirige a testemunhas, mas somente a Jesus. Temos aqui, agora, na sinagoga de Nazaré, o «discurso-programa» de Jesus. Não foi ele que inventou este conteúdo, pois se trata do cumprimento da profecia de Isaías e, mais ainda, de toda Escritura. No Livro, Jesus descobre tudo o que ele deve ser e fazer.
Podemos encontrar cumplicidades entre a primeira e a terceira leituras. Ambas insistem no «dia»: «Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus. Não fiqueis tristes nem choreis (...) comei carnes gordas...» (1ª leitura). Estas palavras poderiam aplicar-se ao Sabbat. E foi precisamente num sábado que Jesus tomou a palavra na sinagoga de Nazaré, terminando assim o seu discurso: «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.» O mesmo dia da descoberta da Lei é o dia da descoberta da Graça. A Lei exige ser cumprida por atos; a Graça pede para ser recebida na fé. Deus nos «dá a graça», nos perdoa, enquanto que nossa desobediência à Lei nos condena. A Lei nos revela como sermos homens e mulheres de verdade, e o que nos pode desumanizar. Sair do caminho balizado pela Lei significa escolher a morte. Cristo, o despenseiro da graça, vem restaurar em nós o que deteriora a nossa humanidade: podemos interpretar neste sentido a enumeração feita na citação de Isaías. Cristo vem assumir para si tudo o que nos é contrário. A verdade não é que ele tenha suprimido tudo isto, mas, quando estas ações se tornam inimitáveis, ele nos dá o poder de usar as nossas falhas para que amemos mais e que nos tornemos sempre mais imagens de Deus. É precisamente o que fez o Cristo, ao aceitar sofrer todo o mal decorrente da Cruz.
A segunda leitura nos propõe o célebre paralelo que Paulo estabelece entre o corpo humano e o povo crente. A primeira evidência que decorre daí é que nossa unidade não abole a nossa diversidade, mas, ao contrário, alimenta-se dela. As nossas diferenças se acham valorizadas e concorrem para a coesão deste corpo complexo que tem o nome de Igreja. Não podemos ser a uma só vez homem e mulher, pé e mão, professor e enfermeiro. Impossível estar ao mesmo tempo no forno e no moinho. Por que insistir nisso? Porque tendemos todos a nos «culpar» por causa dos outros que fazem coisas admiráveis e que nós mesmos não podemos fazer. Gostaria, no entanto, de ater-me a outro aspecto do texto de Paulo: à sua insistência nas partes do corpo que são mais frágeis e que parecem menos respeitáveis ou menos decentes. E estes são os membros que demandam mais respeito e honradez. Traduzindo: estes membros são as pessoas mais fracas, que devem ser objeto da nossa consideração e que devem mobilizar a nossa atenção. E aqui encontramos o nosso evangelho: para quem veio o Cristo? Não para os «grandes deste mundo», mas para os pobres, os prisioneiros (com ou sem razão), os cegos, de uma cegueira que pode ser física ou moral, os oprimidos... Não nos enganemos: a libertação que o Cristo lhes traz ou vai passar por nós, que somos o seu Corpo, ou permanecerá letra morta.
Coloquemos o evangelho em seu contexto. Após a pregação de João, temos a seguinte sequência: o batismo, a genealogia de Jesus e as tentações no deserto. O relato do batismo revela-nos a origem divina de Jesus, a sua identidade. A genealogia nos faz conhecer a sua origem humana e, por isso, remonta ao início dos tempos, perfazendo o caminho do conjunto da história bíblica. Temos aí, pois, o Messias - Filho de Deus e Filho do homem. A cena das tentações nos faz descobrir, logo de início, em que consiste ser o Messias, Filho de Deus; ou seja, que rosto irá ganhar o seu messianismo. Então, isto que a justo título ganhou o nome de «vida pública» de Jesus já pode começar. «Pública» quer dizer vivida em presença de testemunhas, e o prólogo que a Liturgia coloca no começo do evangelho de hoje parece aplicar-se particularmente ao que se vai seguir. Para a genealogia, nenhuma testemunha, obviamente, nem para as tentações. Já quanto ao batismo, o relato de Lucas situa-o no anonimato da multidão e o separa da revelação da identidade divina de Jesus. Esta revelação vem situada no contexto de uma oração pessoal e não se dirige a testemunhas, mas somente a Jesus. Temos aqui, agora, na sinagoga de Nazaré, o «discurso-programa» de Jesus. Não foi ele que inventou este conteúdo, pois se trata do cumprimento da profecia de Isaías e, mais ainda, de toda Escritura. No Livro, Jesus descobre tudo o que ele deve ser e fazer. A lei e a graça Podemos encontrar cumplicidades entre a primeira e a terceira leituras. Ambas insistem no «dia»: «Este é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus. Não fiqueis tristes nem choreis (...) comei carnes gordas...» (1ª leitura). Estas palavras poderiam aplicar-se ao Sabbat. E foi precisamente num sábado que Jesus tomou a palavra na sinagoga de Nazaré, terminando assim o seu discurso: «Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.» O mesmo dia da descoberta da Lei é o dia da descoberta da Graça.
A Lei exige ser cumprida por atos; a Graça pede para ser recebida na fé. Deus nos «dá a graça», nos perdoa, enquanto que nossa desobediência à Lei nos condena. A Lei nos revela como sermos homens e mulheres de verdade, e o que nos pode desumanizar. Sair do caminho balizado pela Lei significa escolher a morte. Cristo, o despenseiro da graça, vem restaurar em nós o que deteriora a nossa humanidade: podemos interpretar neste sentido a enumeração feita na citação de Isaías. Cristo vem assumir para si tudo o que nos é contrário. A verdade não é que ele tenha suprimido tudo isto, mas, quando estas ações se tornam inimitáveis, ele nos dá o poder de usar as nossas falhas para que amemos mais e que nos tornemos sempre mais imagens de Deus. É precisamente o que fez o Cristo, ao aceitar sofrer todo o mal decorrente da Cruz. O que é indecente na humanidade A segunda leitura nos propõe o célebre paralelo que Paulo estabelece entre o corpo humano e o povo crente. A primeira evidência que decorre daí é que nossa unidade não abole a nossa diversidade, mas, ao contrário, alimenta-se dela. As nossas diferenças se acham valorizadas e concorrem para a coesão deste corpo complexo que tem o nome de Igreja. Não podemos ser a uma só vez homem e mulher, pé e mão, professor e enfermeiro. Impossível estar ao mesmo tempo no forno e no moinho. Por que insistir nisso? Porque tendemos todos a nos «culpar» por causa dos outros que fazem coisas admiráveis e que nós mesmos não podemos fazer.
Gostaria, no entanto, de ater-me a outro aspecto do texto de Paulo: à sua insistência nas partes do corpo que são mais frágeis e que parecem menos respeitáveis ou menos decentes. E estes são os membros que demandam mais respeito e honradez. Traduzindo: estes membros são as pessoas mais fracas, que devem ser objeto da nossa consideração e que devem mobilizar a nossa atenção. E aqui encontramos o nosso evangelho: para quem veio o Cristo? Não para os «grandes deste mundo», mas para os pobres, os prisioneiros (com ou sem razão), os cegos, de uma cegueira que pode ser física ou moral, os oprimidos... Não nos enganemos: a libertação que o Cristo lhes traz ou vai passar por nós, que somos o seu Corpo, ou permanecerá letra morta.
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O discurso-programa de Jesus em Nazaré - Instituto Humanitas Unisinos - IHU