24 Setembro 2015
Na consciência de Paulo VI, a ONU é "a estação do mundo", quase uma assembleia simbólica e real de todas as nações, às quais a Igreja é enviada desde o início da sua longa história. Apresentando a Igreja às nações (e Montini insiste no "todas") e sendo um "mensageiro", o papa manifesta o antigo sonho de ir ao encontro de todas as gentes.
A opinião é do historiador italiano Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio e ex-ministro italiano, em artigo publicado no jornal Avvenire, 22-09-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O momento do encontro com a ONU, diante daqueles que representam "todas as nações", parece ser o ponto culminante de uma história que vem de longe.
O pathos do papa no encontro é profundo. Ele se encontra expressado em uma parte do discurso manuscrito, que caiu na redação final e, portanto, não foi relatada no texto oficial, talvez considerando-a exaltante demais para a realidade das Nações Unidas ou "humilde" demais para um papa: "Temíamos a nossa audácia de entrar aqui; mas, pensando, percebemos que, a esta estação final, a estação do mundo, estavam dirigidos desde o princípio os nossos passos. Deixem-nos respirar por um instante a consciência desse fato extremamente significativo. Deixem que lhes agradeçamos por ter aberto a porta ao apóstolo viandante, que somos nós, nunca cansado, mas sempre esforçado para chegar à meta. Deixem que lhes digamos que nós estávamos há muitíssimo tempo em busca de vocês, que lhes amamos antes de conhecê-los e de encontrá-los; e que, sim, nós temos uma mensagem, uma mensagem feliz, a ser entregue a cada um de vocês, para todos vocês".
Se esse texto não é oficial, o fato é que foi escrito diretamente por Paulo VI. Portanto, tem um valor autobiográfico, revelador dos sentimentos com que o papa aborda a assembleia das Nações Unidas.
Na consciência de Paulo VI, a ONU é "a estação do mundo", quase uma assembleia simbólica e real de todas as nações, às quais a Igreja é enviada desde o início da sua longa história. Em certa medida, o encontro do dia 4 de outubro representa (é assim que o papa parece senti-lo) uma virada histórica para o cristianismo, quase um ponto de chegada, em que a mensagem cristã chega às nações, cumprindo a missão confiada por Jesus aos apóstolos.
Apresentando a Igreja às nações (e Montini insiste no "todas") e sendo um "mensageiro", o papa manifesta o antigo sonho de ir ao encontro de todas as gentes. Em contraluz à interpretação do encontro na ONU como mensagem levada a todas as nações, pode-se ver a página evangélica de Jesus: "Ide, portanto, e fazei discípulos de todas as nações...". Não há uma referência explícita a essa expressão do Evangelho, mas se sente no texto montiniano que o seu discurso a ONU é, de algum modo, "evangelização", quase uma evangelização que atinge todas as nações, um destino final da história do cristianismo.
Mas não é só o papa que sente o momento na ONU como um solene encontro entre a Igreja e "a estação do mundo". Giovanni Spadolini, leigo mas atento observador do mundo católico, também fala de "encontro entre a Civitas Dei e a Civitas hominis". Nessa perspectiva, compreende-se como o papa sentia o compromisso do dia 4 de outubro de 1965 quase como o início de uma história nova: "Nós somos antigos", escreve ele no manuscrito com uma frase eliminada no texto definitivo. O evento é "extremamente significativo", declara.
Já nisso há uma novidade: o papa de Roma reconhece como um grande evento para a Igreja um encontro com uma cúpula composta por representantes de Estados, não se trata mais de fatos internos à própria Igreja.
Há aqui uma reviravolta na própria concepção da missão da Igreja, que traz à tona o valor do encontro e do colóquio, como se disse, com a convicção de que Igreja e mundo têm uma história comum.
A Igreja vem de longe. O papa fala de quase 20 séculos. Mas, mesmo detendo-se no século XX, não tinha sido fácil a história da Igreja com a sociedade das nações de Genebra, antes, e as Nações Unidas, depois.
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Igreja, ONU e Paulo VI: ''Há muito tempo em busca de vocês.'' Artigo de Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU