Por: André | 14 Setembro 2015
“Deveríamos considerar as numerosas situações de convivência não apenas do ponto de vista do que falta, mas também do ponto de vista do que já é promessa, do que já está presente”, porque, “sempre se pode aprender com os que vivem em situações objetivamente irregulares”. O importante é acompanhar, estar perto, como pastores. É o que afirmou o cardeal dominicano Christoph Schönborn (aluno de Joseph Ratzinger, nomeado arcebispo de Viena e criado cardeal por João Paulo II) em uma longa entrevista que será publicada no próximo número da revista La Civiltà Cattolica, assinada pelo diretor Antonio Spadaro.
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 10-09-2015. A tradução é de André Langer.
“Ainda falamos muito com uma linguagem feita de conceitos vazios”, disse o cardeal. “Muitas vezes, nós teólogos e bispos, pastores e guardiões da doutrina, nos esquecemos de que a vida humana se desenrola nas condições postas por uma sociedade: condições psicológicas, sociais, econômicas, políticas, em um marco histórico. Isto, até agora, faltou no Sínodo... Deixou-me um pouco escandalizado – acrescentou – o fato de que no Sínodo tenhamos falado com muitas abstrações sobre o matrimônio. Poucos, entre nós, falaram sobre as condições reais dos jovens que querem se casar. Queixamo-nos da realidade quase universal das uniões de fato de muitos jovens e não tão jovens que convivem sem se casar no civil e menos ainda no religioso; estamos aqui para deplorar este fenômeno, em vez de nos perguntar pelo que mudou nas condições de vida”.
Schönborn recorda que na Áustria, por exemplo, “os jovens que convivem (e eles são a grande maioria), quando se casam, são desfavorecidos pelo fisco. Além disso, sua situação de trabalho muitas vezes é precária e dificilmente podem encontrar um trabalho estável e duradouro, como acontecia com a minha geração. Como pretendemos que possam construir uma casa, fundar uma família, nestas condições? Voltamos a encontrar uma situação social que era bastante frequente no século passado, quando muitos se encontravam excluídos do bem do matrimônio simplesmente por sua situação. Não digo que o que acontecendo esteja bem, mas devemos ter um olhar atento e compassivo sobre a realidade. Corre-se o risco de apontar o dedo com muita facilidade contra o hedonismo e o individualismo da nossa sociedade. É mais difícil observar estas realidades com atenção”.
Na entrevista, o cardeal propõe novamente, com mais argumentos, a chave de leitura que na sua intervenção feita no Sínodo de outubro de 2014 o levou a indicar a subsistência de elementos da Igreja de Cristo também nas Igrejas não católicas, em relação ao matrimônio e às situações “irregulares”. “Posto que o matrimônio é uma pequena Igreja, a família como pequena Igreja, me parece legítimo estabelecer uma analogia e dizer que o sacramento do matrimônio realiza-se plenamente onde justamente há o sacramento entre um homem e uma mulher que vivem na fé, etc. Mas isto não impede que, fora desta realização plena do sacramento do matrimônio, existam elementos do matrimônio que sejam sinais de espera, elementos positivos”.
Por isso, explica o cardeal, “deveríamos considerar as numerosas situações de convivência não apenas do ponto de vista da carência, mas também do ponto de vista do que já é promessa, do que já está presente. Além disso, o Concílio acrescenta que, embora sempre haja uma real santidade na Igreja, esta é feita de pecadores e progride ao longo de um caminho de conversão. Sempre necessita de purificação. Um católico não pode querer colocar-se num degrau mais alto em relação aos outros. Há santos em todas as Igrejas cristãs, e inclusive nas outras religiões. Jesus disse duas vezes a alguns pagãos, a uma mulher e a um oficial romano: ‘Uma fé assim não encontrei em Israel’. Uma verdadeira fé, que Jesus encontrou fora do povo eleito”.
Então, mesmo diante destas situações “devemos dizer: ‘Ainda não há uma plena realidade do sacramento’. Quem somos nós para julgar e dizer que não existem nelas elementos de verdade e de santificação? A Igreja é um Povo que Deus atrai para si e para o qual todos são chamados. O papel da Igreja é o de acompanhar a cada um em um crescimento, em um caminho. Como pastor, experimento esta alegria de estar a caminho, entre fiéis, mas também entre muitos não crentes”.
“Há casos – explica Schönborn – em que só numa segunda, ou mesmo numa terceira, união, as pessoas descobrem verdadeiramente a fé. Conheço uma pessoa que viveu muito jovem um matrimônio religioso, aparentemente sem fé. Este foi um fracasso, ao qual se seguiram um segundo e depois inclusive um terceiro casamento civil. Só então, pela primeira vez, esta pessoa descobriu a fé e tornou-se crente. Então, não se trata de abandonar os critérios objetivos, mas que, pelo acompanhamento, devo estar ao lado da pessoa em seu caminho”.
Sobre a possibilidade de que os divorciados recasados tenham acesso à comunhão, o cardeal precisa: “Os critérios objetivos nos dizem claramente que uma determinada pessoa, ainda com um vínculo por um matrimônio sacramental, não pode participar plenamente da vida sacramental da Igreja. Subjetivamente, ela vive esta situação como uma conversão, como uma verdadeira descoberta na própria vida, a tal ponto que se poderia dizer, de alguma maneira (de maneira diferente, mas análoga ao privilégio paulino), que pelo bem da fé pode-se dar um passo que vai além do que objetivamente diria a regra. Creio que nos encontramos diante de um elemento que terá muita importância no próximo Sínodo. Não oculto, a este respeito, que me surpreendeu como uma forma de argumentar puramente formalista manipulou o conceito do ‘intrinsece malum’ (ato intrinsecamente mau, ndr.)”.
De acordo com o cardeal, ao concentrar-se exclusivamente no ato “intrinsecamente mau”, neste caso a segunda união, “perde-se toda a riqueza, eu diria, quase a beleza de uma articulação moral, que é inevitavelmente aniquilada. Não apenas se torna uma análise moral unívoca das situações, como também fica fora de uma visão global sobre as consequências dramáticas dos divórcios: os efeitos econômicos, pedagógicos, psicológicos, etc. Isto é verdade em tudo o que diz respeito aos temas do matrimônio e da família. A obsessão do ‘intrisece malum’ empobreceu de tal maneira o debate que nos privamos de um longo leque de argumentos a favor da unicidade, da indissolubilidade, da abertura à vida, do fundamento humano da doutrina da Igreja. Perdemos o gosto de um discurso sobre estas realidades humanas”.
Schönborn recorda uma proposta de preregrinação para as famílias, na qual os organizadores queriam convidar exclusivamente os casais que praticam o controle natural de natalidade. “Durante um encontro da Conferência Episcopal, perguntamos a eles: ‘Vocês selecionam somente aqueles que praticam 100%, x%? Como fazem?’ Destas expressões um pouco caricaturais nos damos conta de que, quando se vive a família cristã a partir desta perspectiva, nos tornamos inevitavelmente sectários. Um mundo à parte. Se buscamos seguranças, não somos cristãos, nos concentramos apenas em nós mesmos!”
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“Podemos aprender também com os que vivem em situações irregulares”, diz Schönborn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU