14 Julho 2015
O ano de 1972 é uma data histórica. Nenhuma guerra, nada de revoluções. Uma intervenção do destino levou à fortuita redescoberta na Bolívia de cerca de 5.000 manuscritos de trechos musicais provenientes das Reduções jesuíticas Reduções jesuíticas na América do Sul, permitindo a descoberta de tesouros dos quais, até então, só se tinham notícias sumárias.
A reportagem é de Marcello Filotei, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 12-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A partir daquele momento, os estudos sobre esse repertório se intensificaram, e vários musicistas se dedicaram à recuperação de trabalhos que, entre os séculos XVII e XVIII, levavam as linguagens da música barroca europeia a se fundirem com a tradição local.
Entre os estudiosos mais ativos, figura Luis Szarán, que, no dia 10 de julho, em Assunção, dirigiu a Orquestra Philomusica de Asunción e o Coro Espíritu Santo, em um programa intitulado "La voz de Dios en la Selvas del Paraguay". No Palácio Presidencial, na presença do Papa Francisco, foram propostos trechos daquela herança cultural, inscrita na lista do Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Uma degustação de uma época que Szarán conhece bem, tendo estado desde 1985 empenhado em um projeto re recuperação e de reavaliação da produção das Reduções da América do Sul através de pesquisas de documentos, transcrições e reconstruções, propondo também edições críticas.
Como diretor artístico do Domenico Zipoli Ensemble, além disso, Szarán teve a possibilidade de investigar a fundo a produção daquele que é considerado por muitos como o compositor mais representativo do período. Mas, para muitos musicólogos, como explicava nestas páginas Gianpaolo Romanato ainda em 2011, "tanto a figura quanto o percurso musical do célebre compositor italiano Domenico Zipoli continuam sendo um mistério, não só pela sua estranha decisão de abandonar o cobiçado posto de maestro de capela na Igreja do Gesù, em Roma, e de partir para a América do Sul rumo a um destino incerto, mas também por causa de tudo aquilo que diz respeito aos seus primeiros passos na vida musical europeia".
Mas Zipoli não é o único "grande nome" ativo nas Reduções. Entre os missionários, de fato, emergem figuras de artistas famosos na Europa como Rodrigo de Melgarejo, Juan Vaisseau, Antón Sepp, Martin Schmid e Luis Berger.
Grande parte dos missionários chegava com uma sólida base acadêmica, outros com conhecimentos básicos para a construção de instrumentos, alguns já eram famosos nos círculos musicais europeus. Atraídos pela utopia de uma nova vida, abandonavam posições de privilégio e suportavam o desconforto de uma sofrida travessia que os levava a um mundo ainda bastante desconhecido.
E, nas Reduções, encontravam índios aos quais eram concedidos proteção, respeito pelo idioma de origem e atenção às necessidades vitais. Coisas que parecem óbvias hoje, mas que certamente não eram na época. Os jesuítas também davam importância especial à prática musical, e esse fator se tornou determinante, um dos principais motivos de atração e de permanência dos índios nas Reduções.
Os resultados obtidos foram muito publicizados na Europa, tanto que o Papa Bento XIV, no dia 19 de fevereiro de 1749, salientava em uma carta aos bispos: "O canto harmônico e figurado se difundiu tanto, que até mesmo nas missões do Paraguai se estabeleceu, porque os fiéis da América têm índole excelente e dotes naturais, tanto para a música vocal, quanto para a instrumental e aprendem facilmente tudo o que pertence à arte da música. Fizeram uso disso os missionários que levaram esses indígenas à fé em Cristo, valendo-se de cantos devotos e de piedade, alcançando um nível de habilidade tal que hoje não existe nenhuma diferença entre as missas e as vésperas dos nossos países e aquelas que lá são executadas".
Segundo os testemunhos da época, os guarani cantavam todos os dias durante a missa, acompanhados pelo órgão e por outros instrumentos. A necessidade de novos trechos, portanto, era contínua, e o repertório se ampliou notavelmente ao longo das décadas. Depois, quando tudo parecia quase completamente perdido, o destino interveio. E também graças à sorte, unida ao trabalho dos especialistas, o Papa Francisco pôde provar o sabor antigo da música das Reduções.
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Papa Francisco ouve música das Reduções no Paraguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU