Por: André | 24 Março 2015
Trinta e cinco anos após o assassinato de dom Óscar Arnulfo Romero, o Vaticano reconheceu que houve uma campanha de difamação do religioso centro-americano, cuja beatificação esteve bloqueada na época de João Paulo II e que é reivindicada na nova era de Francisco, que o considera um modelo para toda a América Latina.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 23-03-2015. A tradução é de André Langer.
Assassinado em El Salvador – enquanto presidia a missa, no dia 24 de março de 1980 – por um francoatirador contratado pela ultradireita, dom Romero foi taxado tanto nos últimos anos de sua vida como após sua morte de ser “um desequilibrado”, “um marxista”, um “títere manipulado por padres da Teologia da Libertação que escreviam para ele os inflamados sermões” contra a oligarquia, as injustiças sociais e a repressão em seu país.
Estátua de Romero no pórtico dos mártires na Abadia de Westminster. | |
Fonte: http://bit.ly/1xeiWi5 |
Acusações, denúncias e críticas lançadas por diplomatas, políticos, religiosos e até cardeais.
Intrigas e pressões que frearam o processo de canonização de dom Romero, que, finalmente, será beatificado no próximo dia 23 de maio em sua cidade, 19 anos depois que o processo fora aberto oficialmente pelo Vaticano, em 1997.
O arcebispo italiano Vincenzo Paglia, atual presidente do Pontifício Conselho para a Família e postulador da causa de beatificação de dom Romero, reconheceu em fevereiro passado os numerosos empecilhos que o processo sofreu.
“Se não fosse pelo papa latino-americano Francisco, Romero não teria sido beatificado”, confessou.
Entre os inimigos de Romero dentro do Vaticano figuravam dois influentes cardeais: os colombianos Alfonso López Trujillo, já falecido e conhecido por suas posições ultraconservadoras, e Darío Castrillón Hoyos, aposentado, que ocupavam, na década de 1990, importantes cargos na cúria romana.
“López Trujillo temia que a beatificação de Romero se transformasse na canonização da Teologia da Libertação”, recordou Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, o movimento católico que apoiou e financiou a causa de Romero.
Os inimigos da canonização do prelado centro-americano arremeteram ainda antes que a causa fosse aberta formalmente e o criticavam por sua proximidade com o teólogo jesuíta Jon Sobrino, censurado durante anos pelo Vaticano como um dos grandes expoentes da Teologia da Libertação, que sobreviveu à chacina perpetrada em 1989 por militares salvadorenhos contra seis companheiros jesuítas.
Os problemas doutrinais, a extenuante análise de suas homilias, o temor de uma instrumentalização ideológica por parte da esquerda de sua beatificação foram alguns dos argumentos para obstruir a causa.
“Durante 15 anos a causa se encontrava em um estado de paralisia burocrática”, explicaram fontes religiosas que acusam a Congregação para a Doutrina da Fé, liderada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, hoje papa emérito Bento XVI, de frear o processo.
“João Paulo II estava convencido de que Romero era um mártir; não sei o que pensava Bento XVI. Creio que para ele era mais um assunto de ocasião. Nenhum dos dois conhecia a situação na região como a conhece o Papa Francisco”, comentou em Roma dom Jesús Delgado, seu ex-secretário pessoal.
Delgado acaba de lançar um livro, em italiano, com as cartas inéditas de Romero escritas entre 1977 e 1980 com o título A Igreja não pode calar.
Após ter sido um bispo conservador muito próximo do poder, Romero assumiu a Arquidiocese de San Salvador em fevereiro de 1977, mas sua conversão e proximidade com a Teologia da Libertação começaram 15 dias após a sua posse, horrorizado com a repressão e a pobreza.
Embora o papa polonês tenha incluído pessoalmente o nome de Romero na lista das “testemunhas de fé” do século XX durante o Jubileu de 2000 e tenha rezado diante da sua sepultura quando visitou El Salvador, alguns não esquecem “a humilhação” à qual o submeteu em vida quando o recebeu após muitas dificuldades em 1979 no Vaticano.
“Buscava apoio e acabou se sentindo sozinho, decepcionado, frustrado, humilhado”, escreveu em um testemunho María López, que conversou com Romero poucos dias depois desse encontro.
O anúncio, poucos dias após a sua eleição, em março de 2013, de Jorge Mario Bergoglio de que queria “uma Igreja pobre para os pobres”, desbloqueava de fato o processo.
Francisco empregava quase as mesmas palavras que há mais de três décadas dom Romero usou: “A missão da Igreja é identificar-se com os pobres”.
Quando, em agosto passado, Francisco reconheceu que “não há mais impedimentos” para a sua beatificação, queria dizer que se havia encontrado o caminho para elevá-lo aos altares.
Com efeito, a beatificação, sem necessidade de provar um milagre após ser proclamado mártir da fé, é coerente com seu papado e respalda a luta pela justiça social na América Latina.
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O Vaticano reconhece que houve uma campanha de difamação de dom Romero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU