06 Janeiro 2015
Se qualquer outro papa tivesse produzido uma lista de cardeais similar a dos recém-designados pelo Papa Francisco no domingo, a reação teria sido de choque e descrença. Em vez disso, só houve uma surpresa momentânea.
A reportagem é de Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse. Desde 1986, vive em Roma, onde estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, antes de trabalhar na Rádio Vaticano por 11 anos e, em seguida, como correspondente do jornal The Tablet de Londres. O texto foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 5-01-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Cardeais, pela primeira vez, em remansos eclesiásticos como Tonga, Myanmar, Panamá e Cabo Verde? Apenas um empregado da Cúria Romana na lista? Nenhum norte-americano nomeado por Francisco? E duas das tradicionais "sedes cardinalícias" da Itália, Turim e Veneza, esnobadas por Ancona e Agrigento, lugares que não eram liderados por um prelado de chapéu vermelho há mais de 100 anos?
Bem-vindo à era Francisco. O papa jesuíta de 78 anos anunciou os nomes dos 15 novos cardeais eleitores e outros cinco não eleitores com idade superior a 80 anos que se tornarão cardeais no dia 14 de fevereiro, no Vaticano.
Suas escolhas expressam uma preferência por aqueles que estão nas periferias e pelos homens que os pastoreiam, aqueles que estão à margem da Igreja e da sociedade.
Entre os eleitores, cinco vêm da Europa, três da Ásia e da América Latina e dois da Oceania e África. Quatro são de ordens religiosas. Nove deles são ou foram eleitos presidentes das respectivas Conferências Episcopais nacionais. Apenas seis foram nomeados para seus cargos atuais pelo Papa Bento XVI, enquanto outros seis foram colocados lá por João Paulo II e os três restantes por Francisco.
Prelados no comando de uma série de grandes arquidioceses e de alguns escritórios do Vaticano, todos geralmente liderados por cardeais, não receberam os chapéus vermelhos. Em vez disso, Francisco irá colocá-los sobre a cabeça dos bispos aos quais os oficiais romanos não costumam se submeter. Agora, eles vão.
Aqui estão eles e por que foram escolhidos.
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Cinco europeus
Dominique Mamberti, 63 anos, prefeito da Signatura Apostólica
Natural da Córsega francesa e diplomata papal de carreira, Mamberti foi nomeado bispo por João Paulo II. Mas o Papa Francisco nomeou-o para o seu posto atual, tradicionalmente dirigido por um cardeal, em novembro, após ter atuado como "ministro das Relações Exteriores" do Vaticano durante o pontificado de Bento XVI. Pela primeira vez na história recente, Mamberti é única autoridade curial a se tornar cardeal no consistório.
Manuel Macário do Nascimento Clemente, 66 anos, patriarca de Lisboa, Portugal
João Paulo II nomeou esse teólogo e ex-reitor de seminário como bispo auxiliar de Lisboa em 1999, mas o Papa Francisco nomeou-o Patriarca em maio de 2013. Ele é um dos poucos dos novos eleitores em uma diocese tradicionalmente dirigida por um cardeal. Seguindo o protocolo tradicional, a indução de Clemente para o Colégio Cardinalício era esperada. Como atual presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, ele participou do Sínodo extraordinário dos Bispos sobre a família em outubro.
Edoardo Menichelli, 75 anos, arcebispo de Ancona-Osimo, Itália
Desde o século XVI, inúmeros cardeais lideraram essa antiga diocese na costa adriática da Itália, mas nenhum nos últimos cem anos. De 1968 a 1994, o recém-anunciado cardeal trabalhou no Vaticano, onde se tornou um protegido e ex-secretário pessoal do lendário cardeal Achille Silvestrini, um dos melhores diplomatas da Igreja da era pós-Vaticano II (proveniente da "escola Casaroli"). João Paulo II nomeou Menichelli bispo em 1994 e o colocou em seu cargo atual em 2004, estacionando-o naquela que era, naquele tempo, uma sé decididamente não cardinalícia. Ele participou do Sínodo extraordinário como uma das 26 pessoas nomeadas pelo Papa Francisco.
Francesco Montenegro, de 68 anos, arcebispo de Agrigento, Itália
Primeiro cardeal-arcebispo desta antiga diocese da Sicília desde 1786, Montenegro é ex-presidente da Caritas Italiana e atualmente atua como chefe da comissão dos bispos italianos para os migrantes. Bento XVI nomeou-o arcebispo de Agrigento, em 2008. Dentro de sua diocese localiza-se a ilha de Lampedusa, ponto de chegada para muitos refugiados ("boat people") do norte da África e local onde o Papa Francisco fez sua primeira visita pastoral fora de Roma.
Ricardo Blázquez Pérez, 72 anos, arcebispo de Vallodolid, Espanha
Um contrapeso teológico moderado e perene aos prelados mais doutrinariamente conservadores e socialmente combativos da Espanha, o novo cardeal está cumprindo seu segundo mandato não consecutivo como presidente da conferência episcopal nacional. Nomeado bispo por João Paulo II e escolhido para o seu cargo atual, em 2010, por Bento XVI, ele é outra escolha surpreendente a receber o chapéu vermelho. Blázquez é apenas o terceiro arcebispo de Vallodolid (fundada no século XVI) a se tornar cardeal e o primeiro desde 1919.
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Três asiáticos
Pierre Nguyên Van Nhon, 76 anos, arcebispo de Hanói, no Vietnã
Esta é a sexta vez que a Igreja do Vietnã vê um de seus tornar-se cardeal desde o primeiro chapéu vermelho do país em 1976. Mas é a primeira vez em uma década que um cardeal vai dirigir a arquidiocese de Hanói. Curiosamente, Van Nhon já ultrapassou em um ano a idade normal de aposentadoria e reterá o direito a voto no conclave por apenas mais quatro anos. Nomeado bispo em 1991 por João Paulo II, ele foi promovido a Hanói em 2010 por Bento XVI. Ele atuou como presidente da Conferência Episcopal Vietnamita de 2007 a 2013.
Charles Maung Bo, 66 anos, arcebispo de Yangon, Myanmar
Ex-presidente da conferência episcopal nacional birmaneza, esse salesiano é o primeiro cardeal na história dessa nação do Sudeste Asiático, uma ex-colônia britânica marcada por conflitos étnicos e onde se encontra uma das maiores diferenças de renda entre ricos e pobres do mundo. João Paulo II elevou o designado cardeal para o episcopado em 1990 e promoveu-o a seu cargo atual na maior cidade de Myanmar, em 2003. Dos 51 milhões de cidadãos do país, apenas um pouco mais de 1% são católicos, fazendo desse lugar uma das "periferias" menos habitadas da Igreja.
Francis Xavier Kriengsak Kovithavanij, 65 anos, arcebispo de Bangkok
O ex-reitor de seminário e ex-pároco, formado em Roma, é apenas o segundo cardeal da história da pequena Igreja na Tailândia, onde nem mesmo metade de 1% da população de 64 milhões é católica. Bento XVI elevou-o bispo em 2007 e, em seguida, nomeou-o chefe de sua nativa arquidiocese de Bangkok dois anos depois. Seu antecessor, o cardeal aposentado Michael Kitbunchu, completará em breve 86 anos de idade, dando à Tailândia dois cardeais vivos.
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Três latino-americanos
Alberto Suárez Inda, 75 anos, arcebispo de Morelia, do México
O México, que tem a segunda maior população católica do mundo, surpreendentemente teve apenas 10 cardeais que datam de 1958. Esta é a primeira vez um cardeal irá liderar a arquidiocese de Morelia, que nem sequer classifica-se entre as 15 mais populosas das quase 90 dioceses desse país da América do Norte. Mas ela está localizado no estado central de Michoacán, onde os cartéis, milícias de cidadãos, a polícia federal do México e o exército, cada vez mais travam guerras relacionadas às drogas. A escolha do Papa Francisco desse clérigo, formado em Roma, que completará 76 anos em algumas semanas, é claramente destinada a reconhecer e apoiar os esforços da Igreja na cura do conflito. Suarez chefia a arquidiocese desde que João Paulo II o nomeou em 1995.
Daniel Fernando Sturla Berhouet, 55 anos, arcebispo de Montevidéu, Uruguai
Até agora, este país sul-americano, situado entre a Argentina e o Brasil, teve apenas um dos seus no Colégio dos Cardeais, um franciscano capuchinho que deteve o título de cardeal de 1958 a 1979. Agora, ele terá um salesiano com uma vasta experiência de governo em sua própria comunidade e como presidente da Conferência dos Religiosos do Uruguai. Bento XVI nomeou-o bispo auxiliar de sua arquidiocese nativa de Montevidéu em 2011, e o Papa Francisco fez dele arcebispo, em fevereiro de 2014.
José Luis Lacunza Maestrojuan, 70, bispo de David, no Panamá
Lacunza, o primeiro cardeal neste pequeno país da América Central de 3,6 milhões de habitantes, é realmente natural de Pamplona, na Espanha. Ele foi para o Panamá quando era um jovem sacerdote na década de 1970 para ser reitor de uma universidade dirigida por sua comunidade religiosa, a Ordem dos Agostinianos Recoletos. João Paulo II o fez bispo auxiliar da arquidiocese da Cidade do Panamá, em 1985, bispo de Chitré em 1994, e então, cinco anos depois, bispo de David. Ele é um dos três novos cardeais que não são arcebispos; sua diocese é a segunda maior do Panamá, localizada no oeste do país. Lacunza serviu dois mandatos não consecutivos como presidente da Conferência Episcopal do Panamá.
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Dois africanos
Berhaneyesus Demerew Souraphiel, 66 anos, arcebispo de Addis Abeba, Etiópia
Nomeado para o cargo atual em 1999 por João Paulo II, ele segue seu antecessor mais recente como sendo o segundo bispo a ser nomeado cardeal na Etiópia. Os católicos representam menos de 1% da população total, onde a maioria é cristã ortodoxa e mais de 30% são muçulmanos. O cardeal designado é vicentino (membro da Congregação da Missão) e fez pós-graduação em sociologia na Universidade Gregoriana, em Roma. João Paulo II nomeou-o a uma série de posições episcopais começando em 1992, antes de nomeá-lo ordinário de Addis Ababa sete anos depois. Ele é o presidente da Conferência Episcopal da Etiópia e da Eritreia desde 1999 e também é chefe de duas outras conferências episcopais regionais. Ele participou do último Sínodo sobre a família no outono.
Arlindo Gomes Furtado, 65 anos, bispo de Santiago de Cabo Verde, Cabo Verde
Esta é a primeira vez que a ex-colônia portuguesa de Cabo Verde vai ter um cardeal. O destinatário do chapéu vermelho é um filho da terra que possui uma licenciatura em Escritura pelo Instituto Pontifício Bíblico de Roma (Biblicum). Ele foi professor, pároco e vigário-geral da diocese até 2003, quando João Paulo II o nomeou bispo da recém criada diocese de Mindelo. Bento XVI nomeou-o para seu posto atual em 2009. Cabo Verde tem apenas meio milhão de habitantes, mas mais do que 90% deles são católicos.
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Dois da Oceania
Arcebispo John Atcherley Dew, 66 anos, arcebispo de Wellington, Nova Zelândia
Uma série de três cardeais-arcebispos dirigiram Wellington praticamente ininterruptamente de 1969 a 2005. Depois de um hiato de 10 anos, o mesmo número de anos que foi arcebispo, Dew será o quarto cardeal. Um pastor prático, de pés no chão, formado na mentalidade do Concílio Vaticano II, Dew tem vasta experiência paroquial e uma educação recebida na Nova Zelândia e Inglaterra. João Paulo II o fez bispo auxiliar de Wellington em 1995 e, em seguida, arcebispo coadjutor nove anos depois. Ele tomou as rédeas da arquidiocese em 2005, quando o cardeal Thomas Stafford Williams, agora com 84 anos, aposentou-se. Ele é o presidente da conferência episcopal do seu país e será visto como uma voz moderada a progressiva no Colégio dos Cardeais. Ele participou do Sínodo sobre a família.
Soane Patita Paini Mafi, 53 anos, bispo de Tonga
O primeiro cardeal da história do pequeno reino de Tonga será o mais jovem membro da elite dos homens de chapéu vermelho, cujo principal objetivo é selecionar o próximo papa. Isso é um voto desproporcionalmente enorme para um lugar que possui um pouco mais de 15.000 católicos, tamanho de uma grande paróquia nos Estados Unidos (que não receberam quaisquer novos cardeais nos dois últimos consistórios). Mafi, de Tonga, na verdade, passou dois anos em Baltimore, quando ele estudou psicologia antes de retornar para casa para atribuições paroquiais e no seminário. Bento XVI nomeou-o bispo coadjutor da diocese no final de 2007, e ele tornou-se o ordinário, vários meses depois.
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Com mais de 80 anos
O Papa Francisco também anunciou que vai dar o chapéu vermelho para seguintes cinco homens, que têm 80 anos ou mais:
José de Jesús Pimiento Rodriguez, 95 anos, arcebispo emérito de Manizales, Colômbia
Pio XII nomeou-o para o episcopado em 1955, e ele participou de todas as quatro sessões do Concílio Vaticano II. Por duas vezes foi presidente da Conferência Episcopal da Colômbia, em seus anos de aposentadoria, tornou-se um padre missionário paroquial, em 1996, após 21 anos à frente da Arquidiocese de Manizales.
Arcebispo Luigi De Magistris, 88 anos, Penitenciário-Mor emérito
De Magistris é oficial do Vaticano que remonta ao final dos anos de 1950, quando ele trabalhava para o Cardeal Alfredo Ottaviani no antigo Santo Ofício (atualmente a Congregação para a Doutrina da Fé). Ele passou a maior parte de sua vida na Penitenciaria Apostólica, a partir de 1979, como regente e, finalmente, como chefe do escritório, de 2001 a 2003. João Paulo II nunca deu-lhe o chapéu vermelho que sempre costumava ir com esse escritório. Seu sucessor também não lhe deu. Evidentemente, era porque De Magistris opunha-se à canonização do fundador do Opus Dei, José Maria Escrivá. De Magistris é bem conhecido em Roma por apoiar a missa em latim e outras causas tradicionalistas.
Arcebispo Karl-Josef Rauber, ex-núncio apostólico
Rauber é uma das chamadas "viúvas de Benelli", diplomatas do Vaticano cujas carreiras eclesiásticas foram moldadas por sua fidelidade ao cardeal Giovanni Benelli, o ex-vice-secretário de Estado do Papa Paulo VI. Rauber foi uma das poucas e próximas "viúvas" (outros sendo os cardeais Justin Rigali, Agostino Cacciavillan e Giovanni Battista Re) que nunca tinham recebido um chapéu vermelho - até agora. O cardeal designado recentemente foi núncio papal por muitos anos e em uma entrevista de 2010, depois de sua última mensagem na Bélgica, criticou Bento XVI pela escolha de André Léonard para substituir o cardeal Godfried Danneels como arcebispo de Maline-Bruxelas. Rauber disse que Léonard não estava na terna (lista de três candidatos) que ele havia enviado a Roma. O Papa Francisco, que é próximo de Danneels, de 81 anos, não fez Léonard um cardeal, e espera-se que ele aceite a renúncia do arcebispo belga quando ele completar 75 anos em maio.
Luis Héctor Villaba, 80 anos, arcebispo emérito de Tucumán, Argentina
O cardeal designado serviu como bispo auxiliar de sua terra natal, Buenos Aires, imediatamente antes do padre jesuíta Jorge Mario Bergolio ser nomeado para a mesma posição. Ele serviu como vice-presidente da Conferência Episcopal da Argentina quando o jesuíta e futuro papa era o presidente.
Júlio Duarte Langa, 87 anos, bispo emérito de Xai-Xai, Moçambique
Paulo VI nomeou o cardeal designado como chefe da diocese de Xai-Xai, em 1976, onde permaneceu até sua aposentadoria cerca de 28 anos mais tarde. Atuou como padre de paróquia por muitos anos, e ele supervisionou a tradução dos documentos do Vaticano II para o vernáculo.
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Papa Francisco escolhe novos cardeais que vêm da periferia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU