Por: Jonas | 14 Agosto 2014
Raúl Sendic (foto), filho do histórico líder guerrilheiro e ex-deputado, acompanha Tabaré Vázquez na busca por um terceiro governo de coalizão de centro-esquerda. Em uma conversa com o jornal Página/12, explica a razão de se sentir confiante em um triunfo, fala sobre a relação com a Argentina, especialmente no tema das papeleiras, e adverte sobre as consequências para outros países da sentença de Griesa sobre os fundos abutres.
Fonte: http://goo.gl/ehNtoR |
A pouco mais de dois meses das eleições, a dupla Tabaré Vázquez e Raúl Sendic desembarcou em Buenos Aires para seduzir os 400.000 uruguaios residentes na Argentina. Um ritual inexorável dos políticos do país vizinho, conscientes da importância de se captar esse importante voto do exterior. Sendic, filho do histórico líder guerrilheiro, ex-deputado e ex-presidente da petroleira Ancap, acompanha o ex-mandatário Tabaré Vázquez na busca por um terceiro governo da coalizão de centro-esquerda Frente Ampla. Vázquez deixou a cadeira presidencial com uma popularidade de 80% e iniciou a campanha como favorito. No entanto, esse capital político não está refletindo nas pesquisas, que destacam um possível cenário de segundo turno. O médico oncologista conta com uma intenção de voto de 42%, frente a 29% de Luis Lacalle Pou, candidato do Partido Nacional, e 14% de Pedro Bordaberry, do Partido Colorado. Sendic, Vázquez, Lacalle e Bordaberry são sobrenomes que marcam a história política das últimas cinco décadas do Uruguai.
Raúl Sendic acredita que o vento sopra em favor de sua coalizão. “Temos um programa de governo que há tempo foi aprovado e nossa fórmula gera uma enorme empatia, diferente dos demais. Desde o dia 1º de junho, após a disputa interna, começamos a fazer uma campanha de proximidade, percorrendo o país e falando de mão a mão com todos os uruguaios. Estou convencido de que não se vence as eleições em atos, nem nas caravanas, mas, sim, nos cumprimentos, nas reuniões familiares e no trabalho; é aí que tem um forte papel este entusiasmo que provocamos”.
Sendic afirma que avançarão sobre as conquistas econômicas e sociais alcançadas pela Frente Ampla, que o diálogo será prioritário com a Argentina, e que apostam na integração regional, deixando para trás a paquera de um Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos.
A entrevista é de Mercedes López San Miguel, publicada por Página/12, 10-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Tabaré Vázquez chegou a imaginar uma guerra com a Argentina em uma conversa com George W. Bush, segundo revelaram os WikiLeaks. Qual será a postura de um novo governo da Frente Ampla em relação às disputas pelas papeleiras?
Acreditamos que o desenvolvimento econômico e industrial deve ser sustentável do ponto de vista ambiental. É a nossa preocupação e também do governo argentino. Portanto, tudo o que fizermos para fortalecer os controles que permitam dar garantias ao controle do meio ambiente é positivo. A grande aposta será o diálogo. Não podemos continuar perdendo oportunidades para a integração. Temos nossa responsabilidade muito forte de nos unir, eu acredito que o mundo obriga os países do Mercosul a fortalecer sua integração. Sabemos que pode haver dificuldades e incompreensão de um lado e do outro, mas a aposta tem que ser o diálogo, sentados ao redor de uma mesa.
Quais seriam os planos para uma maior integração?
Qualquer integração deve passar pelo fortalecimento do Mercosul; é nossa posição bem clara. É preciso dirimir as assimetrias e sustentar mais o diálogo para um melhor entendimento. Quanto mais sócios houver, como aconteceu com a incorporação da Venezuela, melhor. É uma falsa contradição a que se enfatiza entre o Atlântico e o Pacífico.
Você sente preocupação pela briga do governo argentino com os fundos abutres?
Sim, é claro. Fomos solidários com a posição argentina, porque o Uruguai também negociou sua dívida. Que um juiz (Griesa) possa derrubar um acordo conquistado com os credores majoritários, para proteger um pequeno grupo, gera uma incerteza muito grande sobre qualquer negociação futura. O que a Argentina fez, nós todos fizemos: negociamos a dívida com os credores majoritários e os minoritários acolheram o combinado. Neste caso, um pequeno grupo derruba um pacote de negociação enorme. Isto não acontece apenas com a negociação da dívida. Quando se negocia com qualquer empresa, negocia-se com os grupos acionistas majoritários, e os menores acatam.
Quais seriam as três medidas que, sem dúvida, são urgentes ou prioritárias?
Uma prioridade é fazer um choque forte em infraestrutura. O Uruguai tem uma posição geográfica privilegiada no continente, e deve aproveitá-la com um investimento em infraestrutura que o permita se tornar em uma porta de entrada e saída do continente. Refiro-me a três elementos que necessitamos para conseguir este objetivo: o porto de águas profundas, o plano ferroviário e a dragagem dos rios. Segundo: uma aposta muito forte na educação. Nossas dificuldades estão concentradas na educação secundária; avançamos muito na primária e na universidade – na descentralização universitária, hoje a matrícula é cinco vezes maior do que há 14 anos -. Na educação secundária existem níveis altos de evasão estudantil, que são inadmissíveis. Temos que garantir que ao menos 75% dos garotos terminem o ensino secundário e que tenham garantido uma formação básica. Em terceiro lugar, uma forte aposta na inovação e na tecnologia para se chegar a um processo maior de industrialização. O Uruguai cresceu em sua economia, quase se quadruplicou nos últimos nove anos (50 bilhões de dólares de PIB), e nos especializamos na exportação de matérias-primas. É preciso agregar valor a isso. O próximo governo tem que gerar mecanismos de incentivo para uma maior industrialização e uma agregação maior de tecnologia e inovação para estas cadeias produtivas.
Há analistas que afirmam que com Danilo Astori, como ministro da Economia, a Frente Ampla dará um giro para o liberalismo. O que você responde?
Astori teve um papel importante na atual política econômica. A definição de rumo é totalmente da Frente Ampla, acordada nos congressos partidários. A política econômica será de continuidade, não haverá mudanças importantes, porque foi exitosa, porque permitiu que o Uruguai tenha certeza, que haja um fluxo permanente de investimentos, algumas reservas históricas, um nível de desemprego de 6%. Temos o melhor índice de igualdade do continente; crescemos com distribuição e equidade. Seguiremos na senda da estabilidade macroeconômica, com o controle da inflação – no momento, está em sete pontos, mas esperamos que esteja entre três e sete pontos -. Buscaremos os incentivos fiscais para o investimento estrangeiro; também estimularemos o investimento, para que traga mais tecnologia e emprego qualificado. Antes, o objetivo era a geração de mão de obra, agora é que essa mão de obra seja mais qualificada.
No Uruguai, é costume dizer que as papeleiras chegaram para ficar, é assim?
Sim. E é muito provável que tenhamos mais papeleiras. Prevê-se a instalação de uma ou duas a mais nos próximos anos, como investimentos importantíssimos. Estamos prevendo um investimento de três bilhões no setor das papeleiras. No Uruguai, nos próximos anos, temos desafios muito importantes: a mineração, as reservas de ferro e a exploração petroleira. Iniciamos um caminho que não tem volta, que é o da exploração petroleira costa afora e em terra firme. Há poucos dias, parados na fronteira, tínhamos um grupo de caminhões que estavam indo da Argentina para o Uruguai, para fazer trabalho sísmico em terra firme. E há dez empresas internacionais de primeira linha fazendo exploração petroleira. Esta última, assim como as papeleiras e a mineração, abrem novos setores na economia, que gerarão ao seu redor cadeias de tecnologia e formação de capacidades humanas.
Em todas essas atividades, o questionamento é que não se contamine o meio ambiente...
Sim. O programa da Frente Ampla estabelece um compromisso muito forte com a sustentabilidade destes processos, para garantir a preservação do meio ambiente. Temos um compromisso em fortalecer as agências do estado que se encarregam da proteção do meio ambiente, que devem estar à altura da demanda, porque estiveram saturadas diante da demanda de novos projetos. E, muitas vezes, há uma lentidão nas respostas. Se caminhamos contra os recursos naturais, precisamos assegurar que a utilização dos mesmos gere a utilidade de novas cadeias de valor, para deixarmos para as futuras gerações. Que possamos converter a utilização dos recursos naturais em educação, em políticas sociais; que possamos garantir uma maior equidade; que sejam geradas novas cadeias tecnológicas, como o software.
Você não é a favor da despenalização da maconha. Haverá mudanças na legislação?
Não haverá mudanças, porque já é algo que aprovado e acordado. Minha única dúvida sobre o tema é o risco de se ultrapassar a fronteira do proibido. Se a maconha não é proibida, pode surgir nos jovens uma necessidade de consumir o que não é permitido, então, essa fronteira do proibido pode ser ultrapassada, o que pode levá-los a situações mais perigosas. A posição tomada pelo governo é fundamentada pelos técnicos e profissionais que trabalharam nisto há muito tempo. Além disso, a lei é visualizada no mundo como uma referência, por isso não passa de uma dúvida pessoal e espero não ter razão.
Há três tipos de políticos nesta campanha. Você, filho de Raúl Sendic, Luis Lacalle, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle, e Pedro Bordaberry, filho do ditador Juan María Bordaberry. Ao que você atribui esse fato?
A política no Uruguai é vivida intensamente e a família se compromete muitíssimo. Nós, querendo ou não, tivemos nossa casa invadida, com os milicos levando minha mãe, indo visitar meu pai na prisão. Meus irmãos e eu não tivemos escolha, estávamos envolvidos nessa circunstância. Com os demais ocorreu o mesmo. Eu tenho uma admiração por meu velho e eles também devem ter com os seus, ainda que não os entenda.
Com a maioria da Frente Ampla, o Congresso aprovou, em 2011, uma lei que deixou sem efeito a Lei de Caducidade ou anistia, que ficou vigente durante 25 anos. No entanto, a Corte Suprema considerou artigos fundamentais inconstitucionais. Como se acaba com a impunidade?
No Uruguai não há impunidade. Um grupo de militares está morrendo na prisão, como Goyo Alvarez. Vários dos desaparecidos foram encontrados, desde que se começou a desarquivar informação e investigar nos quartéis. O artigo quarto da lei, que buscou evitar a caducidade, permitiu ir adiante com a investigação e o conhecimento da verdade. A equipe de antropólogos vem trabalhando na busca dos desaparecidos, e é esse o caminho que continuaremos transitando. O que aconteceu com Estela de Carlotto é uma demonstração de que essa luta nunca pode ser abandonada. E que independente do tempo, a verdade às vezes demora, mas chega.
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“Fomos solidários com a posição argentina, porque o Uruguai também negociou sua dívida”. Entrevista com o candidato à vice-presidência uruguaia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU