Por: André | 14 Julho 2014
Sebastián Soler (foto) é um advogado de prestígio especializado em direito financeiro que analisa com rigor e precisão as implicações da sentença do juiz Thomas Griesa, assim como possíveis cenários, evitando as afirmações aventuradas. “A sentença de Griesa é juridicamente extravagante e tecnicamente defeituosa. Sua sentença desbarata 35 anos de incentivos virtuosos para os processos de reestruturação da dívida e coloca a balança a favor dos credores”, afirma Soler em uma entrevista ao Página/12.
Fonte: http://bit.ly/1mN0BRy |
Soler obteve o mestrado em Direito na Universidade de Harvard, onde teve como colega de turma o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, embora, esclarece, não tenham sido amigos. “Solicitar uma medida cautelar que suspenda transitoriamente a execução da sentença para negociar sem afetar o pagamento dos vencimentos é o caminho correto”, explica referindo-se ao pedido do Ministério da Economia ao mediador designado pelo magistrado, Daniel Pollack. Soler foi sócio de um dos maiores escritórios de advocacia do país, o Marval, O’Farrell & Mairal.
Questiona o exíguo prazo de negociação existente e adverte que “o jogo de consequências é complexo e não é automático”, já que depende das decisões que deverão tomar, não apenas a Argentina, os abutres e o juiz, mas também os terceiros envolvidos e os bonistas que entraram na troca. “A situação não está isenta de riscos”, reconhece Soler, que trabalhou no Banco Central entre 2011 e 2013, primeiro como assessor da presidência, na gestão de Mercedes Marcó del Pont, e depois da Subgerência Geral de Supervisão de Entidades Financeiras e Cambiárias.
A entrevista é de Tomás Lukin e publicada no jornal argentino Página/12, 10-07-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Que avaliação se pode fazer da decisão do juiz Griesa?
A sentença é juridicamente extravagante e tecnicamente defeituosa. Quem diz que é extravagante não sou eu, mas o governo dos Estados Unidos. No texto em que apoiou a postura argentina diante da Câmara de Apelações, expressou literalmente: “A interpretação inédita que o juiz faz da cláusula contratual padrão é contrária ao interesse público dos Estados Unidos porque altera as expectativas dos bônus soberanos”. E é tecnicamente defeituosa, porque em apenas 10 dias, desde que a sentença foi estipulada, acumularam-se demandas, intimações e pedidos de esclarecimentos de inumeráveis terceiros afetados que não só a questionam, mas que nem sequer a entendem.
A quem está se referindo?
Desde a fiduciária, o Bank of New York (BoNY), até a principal câmara compensadora europeia, a Euroclear. Desde o Citibank da Argentina até os bonistas radicados na Bélgica. Supõe-se que se escolhe a jurisdição de Nova York para emitir bônus porque proporciona às partes previsibilidade e segurança jurídica. Mas de que tipo de segurança jurídica falamos se um juiz de Nova York pode, com sua sentença, impedir o pagamento de bônus emitidos pela Argentina, nominados em euro, governados pela lei inglesa, pagos por um banco de Luxemburgo a bonistas com domicílio na Bélgica.
O governo argentino considera que é impossível cumprir a sentença, mas está disposto a desenhar uma solução em condições “justas, legais e equitativas”.
Diante do fato ineludível de uma sentença destas características, a Argentina agiu corretamente. Desde o começo expressou que está disposta a dialogar para alcançar condições que lhe ofereçam uma solução para 100% dos seus credores, ou seja, os abutres, os outros holdouts e os bonistas da troca. Em segundo lugar, o País explicou que é impossível cumprir a sentença, pelo menos com o alcance e os tempos que Griesa pretende aplicar. Não apenas porque ao aplicá-la dessa forma promoveria o descumprimento de obrigações legais e contratuais da Argentina e outros terceiros que intervêm no processo de pagamento, mas também porque explodiria a dívida de forma que a tornaria não sustentável. Isso derrotaria inclusive o próprio objetivo da sentença, que é o pagamento aos fundos abutres porque, no pior cenário, a Argentina não estaria em condições de fazê-lo. Consciente dessas características da sentença, o país buscou a solidariedade de quantos fóruns internacionais estão disponíveis e conseguiu os apoios, porque efetivamente boa parte da comunidade internacional compartilha esta análise das implicações. E, finalmente, enquanto tudo isto está acotecendo, cumpriu com suas obrigações depositando os fundos nas contas do BoNY no Banco Central para que os distribua entre os bonistas. Além disso, o Governo mantém todas as ferramentas na mesa, inclusive a possibilidade do default. A situação não está isenta de riscos.
A sentença é “extravagante e tecnicamente defeituosa”, ma se os 832 milhões de dólares pagos pelo país não chegarem às contas dos bonistas, a dívida Argentina seria considerada em default.
Os termos dos títulos e direitos das partes estão contempladas em um contrato de fideicomisso entre a Argentina e o BoNY, como fiduciário em benefício dos bonistas que aderiram à troca. Por esse contrato, a obrigação da Argentina é pagar os juros e o capital dos bônus. No dia 30 de junho passado, devia ter pagado os juros dos Discount. O país cumpriu depositando os fundos no banco como prevê o contrato. O BoNY tem a obrigação de transferir os fundos aos bonistas, coisa que não fez porque o juiz lhe disse que se o fizesse violava sua ordem. Diante dessa situação, a posição da Argentina é razoável: cumpriu e intimou que cumpra; inclusive há bonistas que pediram ao banco que os pagasse.
O que pode acontecer se o BoNY não avançar e transcorrerem os 30 dias do período de carência entre o dia da cobrança e a data que pode ser considerada pelos bonistas como evento de descumprimento ou default?
O jogo de consequências é complexo e não é automático. Do ponto de vista do argumento jurídico, a dívida será considerada em default, mas quando chegar o dia 30 de julho os bonistas terão que tomar uma decisão. Não está prescrito que algo deve acontecer, mas que pelo contrato eles têm direitos. Nesse momento, não um bonista, mas 25% do capital dessa série de bônus deve reunir-se e considerar que ocorreu um evento de default. Em consequência dessa decisão, que não necessariamente deve acontecer nem será imediata, se aceleraria o pagamento de toda a dívida desses bonistas Discount. Isso quer dizer que, em vez de esperar o vencimento em 2033, o capital e os juros são endividados nesse momento. Pois bem, isso é discutível. A Argentina diria que os bonistas não cobraram porque o BoNY não lhes transferiu o dinheiro. E seguramente o banco argumentaria em sua defesa que não o fez porque há uma ordem judicial. Entraríamos em uma discussão jurídica. Mas mesmo uma vez iniciada a aceleração, esse processo pode ser revogado, segundo contrato, com o voto de 50% dos proprietários desses bônus se a Argentina entregou ao fiduciário os fundos descontados.
Então, no curto prazo, o impacto da sentença de Griesa e do default seria apenas sobre uma reduzida parte da dívida?
O resto dos bonistas poderia invocar, com uma maioria similar dos 25%, uma cláusula conhecida como cross-default. Poderiam alegar que também existe um evento de default de seus bônus. Se nos seguintes 60 dias depois de 30 de julho não se cura o descumprimento original poderiam reclamar a aceleração de todos os seus outros títulos argentinos. A partir da situação colocada pela sentença, abre-se uma série de possíveis caminhos que dependem de decisões que deverão tomar, não apenas a Argentina, os abutres e o juiz, mas todos os demais afetados: bonistas e terceiros.
Pode prosperar um novo pedido de stay feito pelo Axel Kicillof ao Daniel Pollack?
Essa é a saída técnica razoável. Mas, para isso, é preciso colocar-se de acordo com os abutres, e a Argentina está dialogando através do mediador. O que imagino que se está promovendo é a possibilidade de que ambas as partes solicitem ao juiz, no marco de uma solução, a suspensão de suas ordens até o fim do ano.
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Fundos Abutre. “A sentença de Griesa é extravagante”. Entrevista com Sebastián Soler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU