15 Julho 2014
O sonho da casa própria não frequenta o imaginário de Michael Persley. Aos 31 anos, ele é um dos 39 milhões de americanos que contraíram empréstimos para bancar a universidade, o tipo de financiamento que mais cresceu nos Estados Unidos na última década. Hoje, o débito estudantil supera o de cartões de créditos e os gastos com a compra de carros e é apontado como um dos fatores que seguram o ritmo de crescimento do mundo. Endividados, muitos jovens adiam o momento de criar uma família ou abandonar repúblicas para mergulhar na vida adulta, com impacto negativo sobre o mercado imobiliário.
A reportagem é de Cláudia Trevisan, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 13-07-2014.
O índice de criação de novos lares despencou depois da crise de 2008 e se mantém abaixo da média histórica, refletindo a fraca recuperação da renda, o desemprego persistente e a dívida recorde dos que concluem o ensino superior. Com o aumento das anuidades e do número de pessoas que frequentam universidades, os empréstimos a estudantes mais do que quadruplicaram entre 2004 e 2013, atingindo US$ 1,11 trilhão no primeiro trimestre de 2014. O valor só é inferior aos US$ 8,69 trilhões para o pagamento de hipotecas.
No mesmo período, o endividamento total das famílias teve expansão de 40%, para US$ 11,65 trilhões. Há dez anos, os americanos tinham US$ 690 bilhões pendurados no cartão de crédito, quase três vezes mais que os US$ 260 bilhões que possuíam em empréstimos estudantis.
Durante a crise, o único tipo de débito que cresceu foi o contraído para pagamento de universidades, que atualmente equivale a quase o dobro da dívida com cartões e a quase quatro vezes o valor devido pela aquisição de veículos. Dados oficiais indicam que 71% dos estudantes americanos saem da universidade endividados.
Persley terminará sua pós-graduação em dezembro com um débito próximo de US$ 100 mil (R$ 222 mil), dos quais US$ 35 mil custearam seu curso de Ciência Política na Universidade de Illinois, em Chicago. Quando entrou na faculdade, em 2007, a anuidade era de US$ 20 mil, valor que sua família não tinha como pagar.
"A menos que você tenha pais com muito dinheiro, não há como evitar os empréstimos estudantis", disse o estudante ao Estado. Seu pai é leiteiro e sua mãe trabalha em uma livraria. Juntos, eles ganham cerca de US$ 40 mil (R$ 89 mil) por ano, com os quais tiveram de sustentar seis filhos.
A meio ano de concluir seus estudos, Persley não consegue vislumbrar uma existência sem dívida. "Parece que é parte da vida, como amor, amigos e família. Se tiver sorte e encontrar um bom emprego, talvez consiga pagar o débito em 10 ou 20 anos." Só depois disso é que ele poderá pensar na possibilidade de comprar um casa, afirmou.
O impacto negativo do endividamento dos jovens sobre o mercado imobiliário está entre as preocupações do governo e do Federal Reserve (Fed, o banco central) em relação ao futuro da economia do país. A venda de imóveis residenciais cresceu abaixo do esperado em meses recentes, apesar de as estatísticas mostrarem redução do desemprego e reação da atividade econômica. No quarto trimestre de 2013, o índice de propriedade de casas atingiu o nível mais baixo em 18 anos, com 65,1%.
Além de não contraírem hipotecas, muitos dos estudantes ou ex-estudantes endividados continuam a viver em repúblicas, o que deprime o número de formação de novas residências, com impacto negativo para outros setores da economia. Persley divide um apartamento com quatro pessoas em Washington e não sabe quando será capaz de morar sozinho.
Pendurado
Lex Sonne, de 32 anos, também mora com amigos. Com graduação em Inglês e pós em Escrita Criativa, ele contraiu uma dívida de US$ 70 mil em empréstimos estudantis, cujo pagamento vem adiando desde 2008, quando saiu da universidade. Pelos seus cálculos, o débito está próximo de US$ 80 mil e ele não tem a menor ideia de como vai pagá-lo.
Tanto Persley quanto Sonne têm dívidas superiores às da maioria das 39 milhões de pessoas que obtiveram créditos para o ensino superior. Segundo dados oficiais, o valor médio dos débitos é de US$ 29,4 mil.
A maioria dos financiamentos é garantida pelo governo federal. Nesses casos, os estudantes só começam a pagar o débito depois de se formarem. Em tese, a primeira parcela deve ser desembolsada em até um ano do fim da universidade.
Mas, se o devedor não tem bens nem um salário pago de maneira formal por um empregador, as opções do credor para recuperar o dinheiro são limitadas. Esse é o caso de Sonne, que não é dono de imóveis e trabalha como freelancer.
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Dívida com faculdade é pesadelo nos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU