O “terrível” ano de Hollande

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Por: André | 04 Mai 2013

“Quem votou em 2012 com a esperança de uma mudança real não sabe se foi enganado, anestesiado ou se tudo isto é culpa de uma crise mal analisada pela oposição. Hollande caiu a níveis de impopularidade tão rápidos quanto profundos”. A análise é de Eduardo Febbro em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 02-05-2013. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

A manchete de uma das últimas edições do jornal francês Le Monde resume em sua dimensão mais negativa o cenário que se instalou no país exatamente um ano depois de o socialista François Hollande chegar à presidência da França: “Hollande, o ano terrível”, escreve o jornal e com isso resume a mistura de decepção, tibieza, crise, mau humor, sensação de indecisão, retrocesso e promessas não cumpridas que acompanharam este primeiro ano da presidência.

Ainda que em proporções maiores, François Hollande teve o mesmo destino de seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy: no primeiro ano de seu mandato, Sarkozy caiu para níveis de impopularidade tão rápidos quanto profundos: Sarkozy passou de 64% para 40%. François Hollande o superou: o presidente socialista chegou ao poder com uma popularidade de 53% para cair agora para 27%.

Quem votou nele em 2012 com a esperança de uma mudança real não sabe se foi enganado, anestesiado ou se tudo isto é culpa de uma crise mal analisada pela oposição. As realidades internacionais, nacionais e até as pessoas barraram com todos os sonhos que nasceram com a campanha eleitoral de 2011 e 2012. Em maio, o desemprego chegou aos seus níveis mais altos desde 1997 e, além disso, o socialismo teve que administrar um desses escândalos que o imaginário popular e um bom trabalho de comunicação dos socialdemocratas atribuem unicamente à direita: o caso de um ministro que, entre outras coisas, era responsável pela luta contra a fraude fiscal, e que, como acabou se descobrindo, possuía uma conta bancária na Suíça, para onde evadia dinheiro do fisco. O mencionado ministro, Jérôme Cahuzac, foi ao mesmo tempo o juiz e o golpista.

À sua maneira contraditória, Sarkozy e Hollande atravessaram o mesmo inferno: Sarkozy pagou o tributo de uma presidência “anormal” atravessada pelos excessos, pela velocidade, pela hiper presença, pelo ego sem medida e uma forma de manejar o poder em que ele aparecia, em vez dos ministros. François Hollande ganhou de Sarkozy com o argumento contrário: propôs-se a ser um presidente “normal” e plasmar uma presidência “normal”. O argumento foi útil como narrativa de campanha, mas uma vez no poder essa normalidade se voltou contra ele.

No início do seu mandato Hollande ainda andava pelas ruas, a pé, saudando as pessoas. Mas desnudar-se do protocolo de um chefe de Estado foi um erro. Acentuou-se ainda mais a imagem de um homem sem ascendência, indeciso, incapaz de assumir a função com todo o aparato que se requer. A estratégia durou um trimestre e essa mudança também o prejudicou. Realidades muito mais concretas se somaram ao desencanto: o não cumprimento ou o cumprimento parcial, maquilado, de suas 60 promessas de campanha, o desemprego que cresce e a impossibilidade, até agora, de reorientar a política europeia numa direção que não sejam as políticas de rigor, dos ajustes e do controle dos déficits o que desenhe o presente e o futuro de milhões de pessoas e coloque uma camisa de força ao crescimento.

François Hollande ganhou em maio passado não só porque se apresentou como o “anti-Sarkozy”, mas também como o antídoto contra as receitas restritivas da chanceler alemã Angela Merkel. Nada mudou: Merkel segue no trono da austeridade e Hollande se instalou no da impopularidade. A crise não se atenuou e o chefe de Estado não pode mais do que constatar que, desde que chegou ao poder, 900 pessoas por dia entraram na lista do desemprego.

A socialdemocracia francesa havia prometido um mundo melhor, um país apaziguado, uma gestão mais humana, uma dimensão profundamente social da ação política. O liberalismo parlamentar tem dentes bem sólidos para ser vencido apenas com palavras. A frase com que, em janeiro de 2012, Hollande lançou sua campanha soa hoje como uma canção de infância que se canta para não esquecer que, alguma vez, a realidade foi melhor: “meu inimigo não tem nome, não tem rosto nem partido, nunca apresentará sua candidatura e jamais será eleito: contudo, esse inimigo governa. Esse adversário é o mundo das finanças”.

E esse adversário segue governando com um eixo diretor que vem da Europa e de cuja disciplina os socialistas nunca se afastaram. Os eleitores da esquerda veem o socialismo governante como uma equipe sem os atributos necessários para enfrentar os impérios das finanças, os mercados sem regulação, a especulação financeira e os governos de direita liberal que pululam na Europa.

Aí está, para muitos analistas da França, a possível tábua de salvação capaz de tirar François Hollande do buraco em que se meteu. Desviar o rumo das políticas orçamentárias restritivas levadas a cabo na Europa. Esse havia sido um dos grandes argumentos da sua campanha: acabar com a austeridade e o sacrifício para implementar políticas de crescimento na Europa. Até os teimosos economistas do Fundo Monetário Internacional lhe deram razão: essas políticas restritivas vigentes no Velho Continente sufocam o crescimento. A França fechará 2013 com um crescimento nulo pelo segundo ano consecutivo. Hoje se entrevê uma tímida alternativa.

O PS francês fez circular um texto de 21 páginas que será debatido em meados de junho em um congresso sobre a Europa no qual interpela Hollande a “enfrentar” a direita europeia e a chanceler alemã. Ângela Merkel é qualificada nesse texto como “egoísta” e “intransigente”. Alguns observadores veem nesse texto a premissa de uma ruptura com as atuais políticas. O PS precisa de mudanças urgentes: as eleições municipais e europeias de 2014 podem traduzir em derrotas eleitorais o descontentamento e a decepção. Contudo, as próximas medidas que se esperam vão contra essas ilusões. O Executivo socialista se prepara para cortar os subsídios familiares, para reformar outra vez o sistema de pensões para economizar dinheiro e mudar, também, o seguro do desemprego.

François Hollande permanece imperturbável, fiel ao seu lema: “um mandato se julga no começo e se sanciona no final”. Contudo, mesmo com medidas defensáveis e novas, François não consegue impor ao país a imagem de um homem que governa, de um homem que sabe para onde vai com seu projeto. O presidente acredita na pedagogia e nas etapas progressistas. O desencanto de seus eleitores e a crise lançam uma grande sombra sobre o seu método. “As coisas não se acalmarão”, disse Hollande a seus assessores mais próximos. O pior ainda está por vir. A sanção foi antecipada em vários anos a um homem convencido de que, sem mudar grande coisa do sistema, tudo irá melhorar com o correr do tempo.