20 Fevereiro 2012
O investidor George Soros considera desastrosas as políticas econômicas do governo alemão para a crise do euro. Em entrevista concedida ao Spiegel Online, ele alerta para um ciclo vicioso detonado pelas rigorosas medidas de austeridade da chanceler Angela Merkel e pede a injeção de mais dinheiro nos países mais afetados pela crise de endividamento.
A reportagem é de Georg Mascolo, Gregor Peter Schmitz e Martin Hesse, publicada pela revista Der Spiegel e reproduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, 20-02-2012.
Eis a entrevista.
Angela Merkel é elogiada em todo o mundo como "sra. Europa" e, em seu país, a popularidade dela está no seu ponto mais alto - em parte graças à recusa em destinar cada vez mais recursos alemães aos esforços de salvação do euro. Por que o sr. considera equivocadas as políticas dela?
Admiro as qualidades de líder de Merkel, mas ela está conduzindo a Europa na direção errada. Para solucionar a crise do euro, defendo uma política de dois estágios - o primeiro é a austeridade e as reformas estruturais no modelo daquelas apresentadas pela Alemanha em 2005. A seguir, viria um programa de estímulo. Se não oferecermos mais estímulo na Europa, muitos países serão empurrados para uma espiral deflacionária de endividamento. Seria extremamente perigoso.
O sr. considera rigorosos demais os novos parâmetros de austeridade para países como Espanha, Itália e Grécia?
Os países deficitários precisam melhorar sua posição competitiva em relação à Alemanha. Terão de cortar seus déficits orçamentários e reduzir os salários. Numa economia enfraquecida, as margens de lucro também se veem sob pressão. Isto reduzirá a arrecadação fiscal e levará a novas medidas de austeridade, criando um círculo vicioso. Os mercados não corrigem seus próprios excessos. A demanda é excessiva ou é insuficiente. Foi isto que John Maynard Keynes explicou ao mundo, mas parece que há gente na Alemanha que não lhe dá ouvidos.
Trata-se de uma posição moralmente elevada assumida por Berlim. Mas não é exatamente correta, porque a Alemanha foi um dos primeiros países a quebrar as regras da zona do euro.
A Alemanha violou o limite de 3% para o déficit orçamentário algumas vezes, enquanto a Grécia mentiu sistematicamente a respeito do seu balanço patrimonial. O sr. está mesmo comparando as duas situações?
Os alemães não são exatamente inocentes. Todos quebraram as regras do Pacto de Estabilidade, o que significa que não havia mecanismos de policiamento suficientes em vigor.
O mais certo seria injetar ainda mais dinheiro nos países em crise?
É preciso fazer uma distinção entre a Grécia e os outros países da zona do euro. A Grécia é um caso especial - no qual tudo aquilo que poderia dar errado, de fato deu errado. Os gregos cometeram um abuso atroz das vantagens de fazerem parte da União Europeia. Quando o (ex-)primeiro-ministro Georgios Papandreou foi eleito com um programa de reformas e revelou os abusos do governo anterior, ele teve de pagar juros punitivos para que a Grécia fosse resgatada. Ele se esforçou ao máximo, mas não foi o bastante, e a dinâmica política vem se deteriorando desde então. Poderosos grupos empresariais querem pagar os impostos devidos em dracmas, e não em euros. O restante da Europa se comportou muito melhor. A Espanha chegou ao fim do boom imobiliário com uma proporção de endividamento menor, e conta agora com um sistema bancário mais bem supervisionado do que o alemão.
O governo alemão disse que somente por meio de altos juros os países em crise podem ser convencidos a adotar reformas difíceis. Se os países do euro oferecerem mais auxílio, os juros cairão e a pressão pelas reformas será atenuada. Que problema há nisto?
Atualmente, o maior problema não está nos fracassos dos políticos gregos e italianos, e sim nos punitivos juros. O exemplo da Grécia demonstrou isto. A Alemanha administrou mal a operação de salvamento ao oferecer um resgate associado a juros punitivos, o que levou a um aprofundamento no endividamento grego. É por isso que hoje a Grécia está além de qualquer resgate.
Mas foi a abundância de dinheiro barato que esteve no núcleo da última crise financeira. Não estaríamos repetindo o mesmo erro se entregássemos mais dinheiro fresco a países em crise?
Sei que isto soa como repetição do mesmo erro. Mas é preciso comparar a situação dos mercados financeiros a um carro que derrapa. Quando um carro derrapa, precisamos primeiro virar a roda na mesma direção da derrapagem. Só depois de recuperar o controle podemos corrigir a direção. Passamos por um período de 25 anos de prosperidade global. Então, tivemos a quebra de 2008. Os mercados financeiros ruíram e foi preciso mantê-los vivos por meio de uma imensa intervenção estatal. A crise do euro é uma continuação direta ou consequência da quebra de 2008. A crise ainda não chegou ao fim e precisamos gastar mais dinheiro do governo para deter a derrapagem. Só depois poderemos mudar a direção. Caso contrário, repetiremos os erros que mergulharam os Estados Unidos na Grande Depressão em 1929. Parece que Angela Merkel simplesmente não compreende isto.
O sr. investiu muitos bilhões nos mercados financeiros. É possível pensar que seus conselhos para a crise do euro possam ter como base seus interesses individuais...
Compreendo as suspeitas e acho a indagação legítima. Entretanto, tenho por princípio oferecer conselhos voltados para o interesse comum, e não para meus objetivos individuais. Acho que isto já se tornou bastante claro.
Mas o sr. pressiona por juros mais baixos ou acesso ao dinheiro barato, por exemplo. Estas duas medidas o beneficiariam enquanto investidor.
É verdade. Mas os demais investidores também seriam beneficiados, e isto ajudaria a preservar o sistema financeiro global. Neste sentido, estou preocupado com meus próprios interesses. Mas já me aposentei, e não administro mais o fundo. Independentemente disto, acho que talvez eu compreenda o sistema financeiro melhor do que algumas das pessoas que estão no comando. Assim, enquanto cidadão, acredito que meus conselhos são justificados. Não estou defendendo determinadas políticas para lucrar com elas.
Como muitos americanos - e também como o governo dos EUA -, o sr. crê que o euro possa ser resgatado por meio da injeção de mais dinheiro para combater o problema. Por que os EUA não aumentam sua contribuição ao fundo de resgate valendo-se do Fundo Monetário Internacional?
Não existe necessidade de uma intervenção do FMI. Trata-se simplesmente de um fracasso administrativo europeu e, particularmente, alemão, pois é a Alemanha que está no comando. Tomada em seu conjunto, a Europa se encontra num equilíbrio externo, e deveria ser capaz de solucionar os próprios problemas.
O sr. defendeu repetidas vezes a criação de eurobonds. O ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaueble, respondeu dizendo que os eurobonds representariam o tipo errado de incentivo, pois "gasta-se um dinheiro que não se tem para quitar as dívidas dos outros".
Pessoas como Schaueble parecem não compreender que os países mais endividados estão agora numa desvantagem considerável, pois basicamente se tornaram extremamente endividados numa moeda estrangeira, o euro. Eles não a controlam e, assim, veem-se na posição em que se encontravam os países latino-americanos no início dos anos 80, quando estes se endividaram em dólares. Foi uma situação que levou a uma década perdida naquela região. A Europa se vê hoje diante da possibilidade de uma década perdida. É por isso que precisamos dos eurobonds e de um novo pacto fiscal na UE (União Europeia).
A UE já teve um pacto fiscal antes, e as regras simplesmente não foram seguidas. Por que um novo pacto fiscal seria diferente?
No passado, não havia mecanismo de policiamento. Se os eurobonds fossem introduzidos, a maior parte do financiamento seria oferecida em termos igualitários à Espanha e à Alemanha. Mas, se os espanhóis quisessem emprestar quantias adicionais, estes teriam de ser solicitados pela Espanha por meio do crédito do próprio país, algo que seria extremamente caro porque estaria associado a uma penalidade rigorosa. Na prática, a criação dos eurobonds seria a criação de um mecanismo para controlar o quanto cada país poderia tomar de empréstimo individualmente.
Mas os políticos alemães se mostram irredutíveis na sua recusa dos eurobonds.
Isto não é mais verdadeiro. É fato que o ex-ministro alemão das finanças, Peer Steinbrück, costumava dizer: "Obrigações em euros? Nem pensar". Hoje, o peso pesado do Partido Social Democrata, Frank-Walter Steinmeier, diz, como eu, que a proposta da chanceler Merkel em resposta à crise do euro é necessária, mas insuficiente.
Qual deve ser o destino da Grécia?
A Europa logo terá de injetar novos bilhões de dólares na Grécia para evitar um calote imediato. Espero que este dinheiro se materialize, pois a Europa ainda não está devidamente preparada para um calote grego. Uma moratória desorganizada poderia provocar tamanho estrago que talvez seja melhor injetar o dinheiro agora e permitir que a moratória ocorra no futuro.
No caso de um calote grego imediato, o contágio do restante da zona do euro seria inevitável?
Os governos da Itália e da Espanha podem ser protegidos por causa da operação de financiamento de longo prazo que lhes foi oferecida pelo Banco Central Europeu. Mas estou preocupado com os bancos e com os depósitos neles contidos. Se os correntistas gregos perderem dinheiro, talvez seja impossível evitar uma fuga dos bancos italianos e espanhóis - algo que poderia provocar um esfacelamento do euro.
Os EUA, sempre dispostos a dar conselhos aos europeus, não se encontram em boa situação. O movimento Ocupe Wall Street trouxe à pauta a imensa desigualdade social que existe no país. Sendo dono de uma fortuna estimada em US$ 22 bilhões, qual é a sua opinião sobre o governo?
Compreendo a raiva sentida por eles, afinal, são eles as vítimas. Os investidores financeiros nos bancos de investimento de Wall Street eram beneficiados quando os bancos lucravam. Mas, quando estes perdiam muito dinheiro, o governo era obrigado a assumir os prejuízos. Isto era muito injusto, e as pessoas que arcaram com o prejuízo - ao perderem seus empregos ou serem obrigados a pagar impostos mais altos - estão fazendo uma queixa legítima.
O sr. concorda com a proposta do Ocupe Wall Street, entre outros, de que pessoas ricas como o sr. deveriam pagar impostos mais altos?
Sim. Além disso, não defendo os republicanos que querem me poupar do pagamento de impostos.
Qual é a proporção de sua renda que o sr. paga em impostos?
Pago impostos relativamente baixos, mas somente porque, todos os anos, faço uma contribuição no valor de 50% de minha renda à minha fundação.
Se apoia a cobrança de impostos mais altos, por que não paga mais impostos em vez de destinar o dinheiro à sua fundação?
O motivo é o fato de eu acreditar que minha fundação administra o dinheiro melhor do que o governo. Seja como for, eu pago meus impostos.
Basicamente, o sr. está dizendo que é mais esperto que o governo.
Bem, eu gozo de mais liberdade de ação do que uma burocracia. Além disso, eu me importo mais com as causas para as quais contribuo.
Então, como pode o sr. se voltar para outras pessoas ricas e dizer que elas deveriam pagar mais impostos?
Se cada pessoa rica doasse 50% de sua renda para a caridade, eu não lhes pediria que pagassem mais impostos.
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'Angela Merkel está conduzindo a Europa na direção errada' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU