Por: Jonas | 30 Mai 2012
Ele não dorme mais do que quatro horas. Qual é o segredo? Seus pequenos cochilos no avião que o transporta para todos os lugares da Bolívia. “Durmo um pouco e já estou pronto”. É difícil aguentar o ritmo intenso de Evo Morales Ayma, de 52 anos, o primeiro presidente indígena do novo Estado plurinacional da Bolívia, que se propôs a transformar o país andino contra ventos e marés. Depois de várias mudanças na sua agenda, recebeu o jornal El País, na cidade de Cochabamba.
A entrevista é de Francesc Relea, publicada no jornal El País, 28-05-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Depois de seis anos da sua chegada ao Governo, qual é o maior êxito e o maior fracasso de sua gestão como presidente?
O problema que mais me dói é o violento enfrentamento em Huanuni, entre mineiros cooperativistas e o Estado, em 2006, que resultou em mais dez mortos e feridos. Não era uma luta contra o Estado e o Governo, mas entre irmãos mineiros enfrentados com dinamites. Existem três assuntos que tivemos que revisar em nossos decretos. O primeiro, a liberação do preço dos combustíveis.
O famoso “gasolinazo”.
Não é “gasolinazo”, isto é o que a direita disse. Não quero pensar que você... É um decreto que vem dos governos neoliberais. A questão é: quanto perde o Estado? Este ano teremos, pelo menos, 800 milhões de dólares de subsídios para o combustível. E, além disso, entre 30% e 40% vão de contrabando.
A construção de uma estrada através do Parque Nacional Isiboro Securé, na Amazônia, provocou um grande protesto de organizações indígenas e de seus antigos colaboradores.
Não é um projeto novo. Eu acredito que estou cumprindo um mandato para integrar e criar três portas de entrada e saída da área amazônica ao altiplano e do altiplano à área amazônica: por Santa Cruz, La Paz e Cochabamba. Isto é integração. Porém, um grupo de irmãos indígenas se juntou com a direita para desencadear uma grande ação política de oposição ao Governo, com o pretexto de defender o meio ambiente. Estou convencido de que na consulta que faremos, as pessoas dirão para construir essa estrada.
Há vozes que dizem que existem razões escondidas por trás deste projeto.
Quais?
Interesse dos cocaleiros para ampliar os cultivos de folha de coca, interesses econômicos do Brasil...
Os cocaleiros são os maiores interessados em evitar novos assentamentos. Tem um pequeno grupo que quis ampliar os cultivos, mas a grande maioria defende o Parque Nacional Isiboro Securé. A acusação vem justamente do império, para satanizar o cocaleiro. Em seu estado natural, a folha de coca é um produto com muitas qualidades nutritivas e medicinais. O produtor de coca não é narcotraficante, nem o consumidor de folha de coca é narcotraficante. Em relação aos supostos interesses brasileiros, nós acabamos de expulsar a empresa construtora OAS, porque ela não estava cumprindo as condições do contrato.
Relatórios da ONU indicam que existem milhares de hectares do cultivo de folha de coca, que excedem a área autorizada para o consumo local e legal desta planta. Para onde vai o excedente?
No Trópico de Cochabamba existe a consciência em se reduzir os cultivos de folha de coca, porque eles sabem que uma parte vai para ilegalidade e, por isso, tomaram essa decisão voluntariamente, sem a erradicação forçosa e nem com camponeses mortos. Não existe o livre cultivo da coca, mas também não se pode zerar a produção. Há uma permanente redução no cultivo de coca.
Poderia dar exemplos?
Em Los Yungas, em La Paz, nunca tinha acontecido uma redução no cultivo. O nosso Governo chegou e, no ano passado, foram reduzidos mais de 1.000 hectares. Algo histórico e inédito. Porém, sejamos francos, enquanto tiver um mercado ilegal, para onde vai a cocaína, sempre existirá o desvio de folha de coca. A origem do narcotráfico é o mercado ilegal.
Como é possível acabar com o mercado ilegal?
Pergunte aos países capitalistas, aos Estados Unidos. Quanta redução, desse mercado, aconteceu nos Estados Unidos? Não aponte para mim, dirija a sua mira para Obama.
Atualmente, como estão as relações entre Bolívia e Estados Unidos?
Ruins. Porém, também não queremos ter boas relações. Não nos interessa. Começamos a nos libertar economicamente e, portanto, não necessitamos dos Estados Unidos. O que foi a Bolívia durante tantos anos de aliança com os Estados Unidos? Era o penúltimo país da América. Num curto tempo, nos levantamos, expulsamos o embaixador, acabamos com a base militar estadunidense, expulsamos a DEA [agência antidrogas dos EUA]. Quando estamos sem os Estados Unidos, estamos melhor.
Você não enxerga a possibilidade de uma relação normal com os Estados Unidos?
Seria desejável.
A Bolívia vive um processo de transformação profunda. Qual é a meta?
Igualdade, dignidade, comunidade. Em 2006, encontrei um Estado colonial mendigo. Os dados dos organismos internacionais demonstram que reduzimos fortemente a pobreza e a mortalidade materno-infantil. Economicamente, não somos tão dependentes. Apresento três dados: em 2006, as reservas internacionais eram de 1, 7 bilhão de dólares, agora estamos acima dos 3 bilhões. Nossa maior empresa, a Yacimientos Petrolíferos Fiscais Bolivianos (YPFB) rendeu 300 milhões de dólares em 2005; este ano ultrapassará os 3 bilhões. O investimento público era de 600 milhões de dólares, quando cheguei ao Governo, agora está estimado em mais de 5 bilhões.
Você está prevendo fazer novas nacionalizações depois da filial da Rede Elétrica Espanhola? Até que ponto está garantido o investimento estrangeiro na Bolívia?
Toda empresa que tenha investido na Bolívia e que cumpra com as condições acordadas será respeitada. Porém, existem empresas que não investem, como a empresa elétrica espanhola, que tinha investido apenas 5 milhões de dólares. Com a nossa gestão, nós já estamos nos 30 milhões. Temos excelentes relações com a Repsol, que é uma boa sócia e prestadora de serviços.
Com tem melhorado a situação dos marginalizados de sempre?
O setor mais marginalizado é o movimento campesino indígena originário. É a primeira vez na história, desde a fundação da Bolívia, que o setor mais abandonado das áreas amazônicas tem representação nacional e departamental nas Assembleias Legislativas. Em 10 anos, os governos anteriores só entregaram os títulos de propriedades de 9 milhões de hectares. Nós, em seis anos e meio, entregamos os títulos de 52 milhões de hectares.
Porém, aumentam os conflitos e cresce o desencanto com seu Governo, inclusive na cidade de El Alto, um de seus bastiões.
De toda a Bolívia, 60% das moradias com gás encanado ficam em El Alto. Qual Governo fez isso? El Alto é complexo, é uma cidade que continua crescendo. Sempre existem vozes críticas: da direita, da imprensa, de alguns grupinhos. Quem são os desencantados? Dizem-me que não é da classe média, mas da metade da classe. E de alguns profissionais que se perguntam sobre como é possível que um índio seja presidente.
Alguns que eram seus íntimos colaboradores, hoje criticam você.
São ressentidos. Alguns falam na imprensa contra, e depois me enviam mensagens dizendo “presidente, eu quero continuar colaborando com o processo”.
Em resumo, você não admite que existam pessoas descontentes, além daqueles que são da direita.
Eu digo que existem os ressentidos. Existe muita ambição dentro dos movimentos sociais. Eles querem mais, só pensam neles e não no povo.
Como nota a Justiça na Bolívia?
Não me fale de Justiça, por favor, não me fale.
Aconteceram algumas eleições para os órgãos máximos da Justiça, que foram muito questionadas, porque os votos nulos e inválidos superaram os válidos. Esta votação irregular diminuiu a credibilidade dos resultados.
A direita pediu para as pessoas que não fossem votar. A verdade é que a direita tem prejudicado a classe média. É a primeira vez que advogadas de saia e de poncho estão nos mais altos tribunais. É uma mudança profunda e total.
A Bolívia possui uma Justiça imparcial?
Não me meto nisso, não tive nada a ver com esta eleição. Eu disse a meu grupo parlamentar para que resolvessem o problema.
Não é certo que seu grupo parlamentar impediu que candidatos opositores ao Governo pudessem ser apresentados?
Isto é discutível porque antes só podiam se apresentar aqueles que tinham carreira. O que é a meritocracia? É um grupo da classe dominante que manobravam a Justiça. Temos eliminado isto. Disto sim, podem nos acusar. Quero acreditar na Justiça porque até pouco tempo não acreditava.
A Polícia é outra fonte de conflitos.
Já mudamos alguma coisa. Antes o comandante chefe da Polícia tinha que receber o sinal verde da Embaixada dos Estados Unidos. Isto acabou.
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“Quando estamos sem os Estados Unidos, estamos melhor”, afirma Evo Morales - Instituto Humanitas Unisinos - IHU