04 Mai 2018
O Deus imparcial e acolhedor que Pedro apresenta a Cornélio é o mesmo Deus de que fala João em seu evangelho e em suas cartas. É o Deus Amor que acolhe «quem O teme e pratica a justiça». É Ele o Deus revelado em Cristo Jesus, que poucas horas antes de se separar dos discípulos e oferecer a sua maior prova de amor, lhes dá uma única recomendação: «Amai-vos uns aos outros». E, na sequência, mostra-lhes como é preciso amar, dando a própria vida. Cada Eucaristia faz-nos beneficiários deste dom.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 6º Domingo da Páscoa, do Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: «O dom do Espírito Santo foi derramado também sobre os pagãos» (Atos 10,25-26.34-35.44-48).
Salmo: Sl. 97(98) - R/ O Senhor fez conhecer a salvação e revelou sua justiça às nações.
2ª leitura: «Deus é amor» (1 João 4,7-10).
Evangelho: «Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos» (João 15,9-17).
No momento em que Jesus se separa dos discípulos, deixa-lhes de alguma forma o seu testamento, um resumo de tudo o que lhes havia transmitido em palavras e atos. E a última palavra de sua herança, de seu «testamento», o que pode nos surpreender, é uma recomendação, um «mandamento». Daí que o resultado de nossa adesão a Cristo, e a figura, portanto, que a fé cristã deve apresentar ao mundo, seja uma ética, isto é, um modo de nos comportarmos. O texto fala em «mandamento»: primeiro, no plural, e, em seguida, no singular. Este mandamento, que recapitula todas as recomendações feitas por Jesus, é que nos amemos uns aos outros. Mas uma questão se põe: amor é algo que se possa mandar? Então, por que Jesus usou esta palavra? Ora, sem dúvida, para fazer-nos compreender que, dali em diante, toda a Lei estava sendo superada pelo que secretamente já era o seu espírito. Daí os mandamentos negativos do Decálogo atravessarem esta espécie de muda, para virem a tomar a forma deste único mandamento positivo, de amar. Como diz Jesus em João 13,34, «Dou-vos um mandamento novo» e esta mesma palavra ganha então um novo sentido. De qualquer modo, o amor de que aqui se trata não é um sentimento qualquer que se experimenta ou não, mas é uma atitude que se escolhe, é um ato de liberdade. Só num segundo tempo é que o sentimento pode vir a se acrescentar. A conclusão é de que os cristãos se fazem reconhecer pelo amor que são capazes de manifestar. E como quase sempre estamos longe desta marca!
Os modos de agir em conformidade ao amor são de qualquer forma um resultado, são a parte exterior e visível de uma realidade que nos habita. Refiro-me à Seiva de que falamos no domingo passado, ou seja, o Espírito. Espírito que, em nós, é a presença do Pai e do Filho, presença, portanto, da relação de dom e de acolhimento que funda tudo o que vive. Ora, se pelo amor Deus permanece em nós, nós permanecemos n’Ele na medida em que incorporamos este amor que nos habita. E nada disto acontece sem a nossa liberdade, pela qual somos imagens de Deus. O verbo «permanecer» aparece três vezes nesta passagem do evangelho: trata-se de fazer nossa morada neste mesmo Amor pelo qual somos amados. Trata-se de não sair deste Amor, porque fora dele só existe o nada. O que O faz nascer em nós e aí permanecer é a fé. Qual fé? A fé neste Amor que nos faz ser. O nosso amor é, com efeito, sempre segundo: é uma resposta, porque Deus é quem ama primeiro. Assim, os discípulos de Cristo se fazem reconhecer pelo amor que manifestam uns para com os outros. Não por seus "exercícios de piedade", nem pela eventual delicadeza e exatidão da sua vida espiritual, nem mesmo pela prática de virtudes refinadas, se bem que tudo isso possa servir à manutenção de uma fé inicial no amor que se inicia. O intercâmbio de amor com os outros funde-se no intercâmbio com Deus, o que significa que temos de manter contato com Aquele que quer que existamos. Iremos ouvir sem cessar o «Quero que você exista e que seja você mesmo» que é uma expressão maior do Amor e que justifica a nossa existência e a nossa alegria de viver.
A palavra amor é mais do que ambígua. Por isso o Cristo pede que nos amemos, não de qualquer forma, não importando como, mas assim como ele mesmo nos amou. E para que não confundíssemos este amor com qualquer sentimento mais ardente, faz questão de precisar: este amor consiste em dar a própria vida por quem se ama. Obviamente não seremos todos crucificados, nem abatidos como Dom Romero ou como os monges de Tibhirine. Nem todos seremos chamados a dar nossa vida a Deus e aos outros, em alguma ordem religiosa. Mas há outras maneiras muito mais comuns de dar a nossa vida, renunciando por exemplo a algumas de nossas ideias, de nossos projetos, de nossas exigências. Exemplos? Tomemos um casal: é grande o perigo, para um ou para o outro, de querer a todo preço que seu cônjuge se conforme com a ideia que cada um se faz de sua maneira de viver, de pensar e de ocupar-se. Renunciar a esta imagem para que o outro permaneça ou se torne ele mesmo é aceitar «perder-se» a si mesmo. Com relação aos filhos, temos a mesma exigência. Não esqueçamos que o «Quero que você exista» se estende até ao «Quero que você seja você mesmo». Amar alguém assim como o Cristo nos ama consiste muitas vezes em ajudá-lo a libertar-se de nós mesmos. Morte a si mesmo e, às vezes, sofrimento que se tem de atravessar, mas na fé, na fé que faz nascer a alegria. Então, alguém, talvez, virá nos pedir a razão da nossa esperança. E nós, com «mansidão e respeito», iremos poder falar-lhe do Amor pelo qual somos amados (1 Pedro 3,15-16).
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Um amor sem fronteiras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU