17 Mai 2018
"Nós, Paulo VI ... declaramos, no caso de enfermidade que se presuma incurável, ou de longa duração ... ou seja, no caso que outro grave e prolongado impedimento... de renunciar" ao "nosso ofício". A carta ultrassecreta sobre a qual foram feitas muitas especulações, mas que ninguém jamais tinha tido nas mãos, foi escrita com a clara caligrafia do Papa Montini. Traz a data de 02 de maio de 1965, e, portanto, foi redigida pela mão do Pontífice não quando ele estava velho e doente, mas apenas dois anos depois da eleição, com o Concílio ainda aberto.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por La Stampa, 16-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Representa um gesto clarividente de um Papa que quer proteger a igreja de uma possível inabilitação de longo prazo: uma carta de renúncia antecipada, a ser entregue ao cardeal decano, para que a divulgasse aos outros cardeais podendo declarar afastado o Papa. É a novidade mais significativa do livro "La barca di Paolo” (O barco de Paulo, San Paolo, p. 240, 16 €), editado pelo Regente da Casa Pontifícia, padre Leonardo Sapienza, autor de numerosos ensaios com textos inéditos do Papa Paulo VI. O livro, que estará nas livrarias nos próximos dias, é uma mina de documentos, cartas e bilhetes de Paulo VI até hoje desconhecidos.
A carta de demissão - ou melhor, as cartas, porque junto com aquela da renúncia havia outra que a acompanhava, endereçada ao Secretário de Estado - certamente representa a informação inédita mais surpreendente.
Sabe-se que vários papas do século passado tinham pensado em renunciar: Pio XII, pelo risco de ser sequestrado por Hitler, João XXIII por doença, e depois Paulo VI. Mas com Montini finalmente temos um documento escrito.
Um documento que certamente foi lido por João Paulo II, que, embora afetado por Parkinson, decidiu não se afastar. Seria seu sucessor, Bento XVI, o primeiro em dois mil anos de história da Igreja a renunciar porque já não era mais capaz de suportar o peso do pontificado.
O texto de Montini no livro do Padre Sapienza também é comentado por Francisco. "Eu li com surpresa as cartas de Paulo VI - escreve Bergoglio - que me parecem um humilde e profético testemunho de amor a Cristo e à sua Igreja; e mais uma prova da santidade desse grande Papa ... O que importa para ele são as necessidades da Igreja e do mundo. E um papa impedido por uma grave doença, não poderia exercer com eficácia suficiente o ministério apostólico".
O texto da missiva principal, 'confidencial' e endereçada ao decano do Sacro Colégio, em papel timbrado com o brasão papal, inicia com um parágrafo digno de um Padre da Igreja: "Nós, Paulo Sexto, pela Divina Providência Bispo de Roma e Pontífice da Igreja universal, na presença da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo - invocado o nome de Jesus Cristo, nosso Mestre, nosso Senhor e nosso Salvador ...”. Segue-se uma declaração em que se coloca sob a guarda de Maria e São José.
E depois a formulação da própria renúncia, com os detalhes. "Nós declaramos: no caso de enfermidade que se presuma incurável, ou de longa duração, e que nos impeça de exercer suficientemente as funções do nosso ministério apostólico; ou seja, no caso em que outro grave e prolongado impedimento a isso seja igualmente obstáculo, de renunciar ao nosso sagrado e canônico ofício, seja como Bispo de Roma, seja como Chefe da mesma Santa Igreja Católica, nas mãos do Cardeal Decano... deixando a ele e conjuntamente aos Senhores Cardeais dos Dicastérios da Cúria Romana e ao Cardeal nosso Vigário para a cidade de Roma ... a faculdade de aceitar e de tornar operantes essas nossas demissões, que só o bem superior da santa Igreja nos sugere. "
No final, a assinatura manuscrita e a data "junto a São Pedro, no domingo do Bom Pastor, II depois da Páscoa, em 02 de maio de 1965, II do nosso Pontificado."
É interessante notar que Paulo VI não só se refira a uma doença, mas também à possibilidade de outro impedimento grave e prolongado.
"Don Pasquale Macchi, secretário do Papa - explica ao La Stampa – o monsenhor Ettore Malnati – relatou-me que Paulo VI tinha pensado no que havia estabelecido o Papa Pio XII em caso de deportação durante a guerra: quem o tivesse sequestrado, não teria como prisioneiro o Papa, mas apenas o Cardeal Pacelli. "
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A carta secreta de Paulo VI. Assim ele sugeriu a sua demissão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU