18 Dezembro 2017
“Não basta encontrar uma linguagem nova para dizer a fé de sempre, é necessário e urgente que, diante dos novos desafios e perspectivas que se abrem para a humanidade, a Igreja possa expressar as novidades do Evangelho de Cristo que, embora contidas na Palavra de Deus, ainda não vieram à tona.”
A análise é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado por Il Gallo, de dezembro de 2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Suscitou um certo clamor a notícia, retomada com evidência pela mídia, sobre a posição tomada pelo Papa Francisco no dia 11 de outubro passado, por ocasião da audiência concedida aos participantes do encontro promovido pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, em relação à pena de morte.
Referindo-se ao Catecismo da Igreja Católica e não renunciando a expressar, embora com garbo, as suas reservas – o tema deveria ter encontrado, de acordo com o pontífice, um espaço mais adequado e coerente com algumas indicações de método por ele mesmo enunciadas – ele assume as críticas que, desde o início, foram levantadas por diversos ambientes eclesiais.
A posição assumida pelo Catecismo é conhecida. Ele não repudia, em termos absolutos, a pena de morte; mas observando que o ensino tradicional da Igreja não exclui o recurso a ele “se for esta a única solução possível para defender eficazmente vidas humanas de um injusto agressor”, ele afirma que os métodos não sangrentos de repressão e de punição são preferíveis “porquanto correspondem melhor às condições concretas do bem comum e são mais consentâneos com a dignidade da pessoa humana” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2.267).
A preferência não significa exclusão radical, como também fica confirmado por uma intervenção posterior de João Paulo II, que, reconhecendo que aumenta o número dos países que aboliram a pena de morte ou que suspenderam a sua aplicação, observa que isso constitui uma prova do fato de que os casos em que é absolutamente necessário suprimir o réu “já são muito raros, senão até praticamente inexistentes” (encíclica Evangelium vitae, 25 de março de 1995, n. 56).
Também nesse caso não se trata de uma recusa incondicional, mas sim da admissão da sua escassa (ou nula) praticabilidade de fato, embora permanecendo de direito a possibilidade da sua aplicação.
O não do Papa Francisco é radical; ele não admite nenhuma exceção. Ele lamenta que o Catecismo se limite a uma mera recordação do ensinamento histórico sem fazer vir à tona não só o progresso na doutrina por obra dos últimos pontífices, mas também a mudança de consciência do povo cristão, que rejeita uma atitude de consentimento em relação a uma pena que fere fortemente a dignidade humana.
A referência à questão da dignidade humana – que também é posta em causa pelos seus antecessores mais imediatos e que (talvez com um excesso de otimismo) ele debita à nova sensibilidade do povo cristão – assume aqui ênfases particularmente fortes, que vão do reconhecimento de que se trata de uma “medida desumana que humilha, de qualquer modo que seja perseguida, a dignidade pessoal”, considerando-se que se trata de “um remédio extremo e desumano” ou de uma ação “em si mesma contrária ao Evangelho”.
A partir dessas afirmações, decorre, acima de tudo, a inviolabilidade da vida de cada pessoa humana – “nem mesmo o homicida perde a sua dignidade pessoal” – e a constatação de que de ninguém pode ser tirada “a possibilidade de uma redenção moral e existencial que volte em favor da comunidade”, porque “Deus é um Pai que sempre espera o retorno do filho”. Daí a necessidade de reiterar – observa o papa – que, “por mais grave que possa ter sido o crime cometido, a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa”.
Mas também (e acima de tudo) decorre – esta é a segunda consequência – o repúdio aberto à ausência de maturidade social do passado, da qual a Igreja deve assumir a responsabilidade – o papa não deixa de denunciar, a esse respeito, que o próprio Estado Pontifício manteve por muito tempo essa instituição na própria legislação – admitindo que “esses meios eram ditados por uma mentalidade mais legalista do que cristã”, pelo fato de se ter superestimado o valor da lei em vez de assumir a novidade evangélica.
Esse claro posicionamento não contradiz em si mesmo – ressalta o Papa Francisco – o ensinamento do passado, se considerarmos que a doutrina da Igreja sempre defendeu fortemente o caráter sagrado da vida humana, afirmando e defendendo a sua dignidade em todas as fases da sua evolução, desde o seu surgimento até a sua fase terminal.
A fidelidade à substância da mensagem evangélica, que é o fio dourado que liga a interpretação de hoje ao passado, não impede, no entanto, a manifestação de uma nova compreensão da verdade cristã, com a necessidade de abandonar os argumentos que entram em conflito com ela.
A esse respeito, abre-se no discurso papal uma importante reflexão metodológica, que vai além da aplicação feita, a título de exemplo, à questão da pena de morte. Citando as palavras da Dei verbum, a constituição dogmática sobre a revelação do Concílio Vaticano II, que afirma que a Tradição cristã “progride... cresce... tende incessantemente à verdade até que as palavras de Deus cheguem a cumprimento” (8), o papa assume como próprio o pensamento de Vicente de Lérins (santo e escritor eclesiástico francês que viveu no século V, citado nada menos do que duas vezes), que afirma ser desejado o “progresso na religião”.
Tal hipótese evolutiva é desenvolvida com a indicação de uma verdadeira criteriologia hermenêutica, cujos pilares são constituídos pelos dois verbos, “guardar” e “prosseguir”, tomados de empréstimo do discurso de abertura do Vaticano II do Papa João XXIII, pilares que põem ênfase, de um lado, na necessidade da salvaguarda do patrimônio precioso que a Igreja herdou e que deve transmitir com fidelidade; e sublinham, de outro, a importância do esforço constante da sua atualização “para anunciar de modo novo e mais completo o evangelho de sempre aos nossos contemporâneos”.
O Papa Francisco observa que essa é a tarefa e a missão das quais a Igreja, pela sua própria natureza, tem responsabilidade direta e não hesita em evidenciar – este é o aspecto mais surpreendente do seu discurso, que justifica plenamente a ótica com a qual é abordado o tema da pena de morte – que o exercício dessa tarefa não pode se limitar a uma mudança de linguagem, mas deve abrir espaço, mais profundamente, às novidades contidas na mensagem evangélica, mas que ainda não vieram à tona plenamente, cujo surgimento é solicitado pelos desafios da sociedade atual.
Não basta, portanto – escreve o pontífice –, encontrar uma linguagem nova para dizer a fé de sempre, é necessário e urgente que, diante dos novos desafios e perspectivas que se abrem para a humanidade, a Igreja possa expressar as novidades do Evangelho de Cristo que, embora contidas na Palavra de Deus, ainda não vieram à tona.
A intervenção do Papa Francisco, portanto, não representa apenas um claro posicionamento em relação à questão da pena de morte – uma questão cuja abordagem na doutrina anterior da Igreja, não excluindo o Catecismo da Igreja Católica, nunca foi desprovida de equívocos –, mas que também (e sobretudo) forneceu, referindo-se às indicações oferecidas pelo Concílio, preciosas indicações para uma aproximação ao sentido da verdade cristã, que nunca pode ser adquirido de uma vez por todas, mas que encontra a própria expressão progressiva através de um processo de interpretação em que as perguntam que provêm das mudanças socioculturais que se sucedem ao longo do tempo se revestem de um papel determinante.
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A pena de morte e a verdade cristã. Artigo de Giannino Piana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU