Por: Ricardo Machado | 31 Mai 2017
O crescimento da violência urbana, econômica e social é de tal modo impactante que, diante da complexidade, deixamos de percebê-la em seu sentido histórico. “A questão da violência não é um problema recente”, enfatizou e repetiu várias vezes Luís Flávio Sapori, professor e pesquisador da PUC Minas, durante sua conferência A escalada da violência diante dos avanços econômico-sociais, que integra o evento 5º Ciclo de Estudos Metrópoles. Políticas Públicas e Tecnologias de Governo - A centralidade das Periferias. Para o professor, os processos de violência precisam ser entendidos em um sentido mais amplo, sobretudo levando em conta a impunidade que vem de um desejo de "justiça pelas próprias mãos" e de recrudescimento das leis. "Mais importante que mudar a lei é preciso mudar os mecanismos de poder para colocá-las em prática para que possamos reconstruir uma cultura de paz. As pessoas precisam compreender que não é por meio da violência que devemos defender nossos interesses. Isso vale para o jovem da periferia e vale para o empresário que agride sua mulher em casa", frisa.
“A recessão atual da economia nada tem a ver com o crescimento da violência. Em números absolutos, as vítimas de homicídio no Brasil saltaram de 20 mil no ano de 1980 para 60 mil em 2014. Triplicou o número de mortos”, sublinha o conferencista. “Ainda que tenha havido crescimento populacional, esse número de 60 mil não encontra nenhum par no mundo inteiro, nem na Síria, que vive uma guerra civil”, compara. O evento em que o professor trouxe os dados da violência nacional ocorreu na noite da quinta-feira, 1-6-2017, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
Um dos principais indicadores da violência no Brasil é o número de pessoas assassinadas. Ao analisar os dados da Região Metropolitana de Porto Alegre – RMPA, o professor chama atenção para o aumento do percentual entre 1997 e 2014, saltando de 25 para 40 homicídios a cada 100 mil habitantes. “No Rio Grande do Sul, em 2002 foram registrados 1500 vítimas de homicídio e em 2016 os dados indicavam 2500 pessoas assassinadas”, aponta. Além disso, o crime contra o patrimônio, os assaltos, que é um crime grave por envolver arma de fogo em mais de 80% dos casos registrados, alcançou a cifra de aproximadamente 1,2 milhão por ano na média nacional.
De acordo com a perspectiva de Sapori, o que há de mais revelador nesses dados é o fato de a violência ter crescido no Brasil durante um período de ascendência social, apesar dos limites das políticas públicas, das classes mais desfavorecidas da população brasileira. “A recessão atual não explica o que está acontecendo. O recrudescimento da violência vem sendo acompanhado da nítida melhoria dos indicadores sociais”, pontua.
“Esse é o paradoxo brasileiro. O Brasil vê a redução da pobreza, da miséria e a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH. A exclusão social não aumentou, o país, em 2017, é menos injusto do que há 20 anos e a antes da recessão a taxa de desemprego estava em queda. Mesmo assim a violência cresceu vertiginosamente”, complexifica Sapori.
Luis Flavio Sapori estuda as dinâmicas da violência no Brasil (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Para o pesquisador um dos fatores fundamentais para entender esta dinâmica está na mudança do olhar científico sobre o problema. “Se eu consigo entender porque os jovens da periferia estão se matando, eu consigo entender o global. Temos que tentar compreender o papel decisivo do tráfico de drogas”, sugere. De acordo com o seu levantamento, os dados comprovam que a maioria absoluta dos assassinatos estão relacionados direta ou indiretamente à dinâmica de drogas. Isso se dá desde os pequenos ou médios traficantes até chegar aos usuários, que cada vez mais têm sido vítimas por dívidas não pagas.
“A partir da década de 1980 com o tráfico de cocaína ele cresceu e ficou mais lucrativo. A demanda aumentou e o Brasil se tornou um grande consumidor, nas faixas mais ricas e nas mais pobres. A lucratividade do tráfico depende da riqueza, não da pobreza, por isso fica fácil de entender porque um país que cresce economicamente cresce a violência”, argumenta.
Um dos fatores em disputa na questão da crescimento da violência no Brasil é o capital simbólico que está em jogo, sobretudo nas populações marginalizadas. "O tráfico oferece dinheiro fácil e rápido e cria um capital simbólico importante junto aos outros membros da comunidade, assim como a arma de fogo", propõe. "O jovem entra no tráfico não é para ajudar no sustento da casa, mas sua motivação está relacionada a uma sociedade que se tornou mais consumista, mas materialista. Ele deseja a mesma coisa que um garoto da classe média, mas as chances dele ter uma vida de classe média são menores, então as desigualdades estruturais históricas se tornam pano de fundo para compreender o que ocorre", complementa.
Há que se levar em conta, também, a pouca sintonia entre certos valores morais compartilhados coletivamente e as oportunidades para a os jovens de periferia. "O tráfico se torna, então, uma opção de vida. Alguns deles vão dizer 'por que estudar e trabalhar se eu posso ter por meio do tráfico', acesso a esses bens. Há um descompasso entre os valores morais que a sociedade dissemina e as oportunidade reais dos jovens se inserirem nesses espaços", ressalta. Por outro lado, analisa o palestrante, "a maioria dos jovens das zonas marginalizadas seguem o caminho tradicional de ascensão social, por meio do estudo e do trabalho".
Na avaliação de Sapori, o aumento no número de assassinatos no Brasil se dá por uma espécie de "economia de mercado" do mundo do tráfico e pela absoluta incompetência do Estado. "O poder público mantém-se ineficiente. Essa violência não é produto da violência de Estado, ela é anterior a isso. A violência é gerada na dinâmica do tráfico e o poder público apenas permaneceu absolutamente ineficiente", critica. "O problema da impunidade não é de direito penal, mas de aplicação da lei, em que o aparato estatal tornou-se incapaz de fazer frente a uma sociedade cada vez mais violenta", avalia.
No meio do fogo cruzado, onde de um lado há a força bélica do narcotráfico e de outro um Estado negligente, vivem as principais vítimas desse processo, que não é a classe média, a despeito dela ter maior visibilidade midiática. "As principais vítimas da violência é a classe trabalhadora. O pobre residente da periferia é quem é a vítima do domínio do tráfico. É ele quem mata e morre", dispara Sapori. "O processo civilizador na sociedade brasileira ainda está por acontecer. E a persistente impunidade é um dos obstáculos nesse sentido. Uma sociedade em que, cada vez mais, os indivíduos por meio da força física e da arma de fogo impõem seus interesses pessoais", ressalta.
Frente um cenário tão amplo e tão cheio de questões a serem analisadas, o professor afirma que ações isoladas são insuficientes e precárias e aponta Cinco diretrizes para o Plano Nacional de Segurança Pública:
Professor Sapori no IHU
Luís Flávio Sapori é doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ e foi secretário adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro de 2003 a junho de 2007. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública - CEPESP da PUC Minas.
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A marcha cega diante o fascínio da violência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU