23 Setembro 2016
Mais de 65 milhões de pessoas no mundo foram obrigadas a abandonar suas casas; se estivessem em um mesmo país, este seria o 21º entre os mais povoados.
A reportagem é de Tharanga Yakupitiyage, publicada Envolverde/IPS, 21-09-2016.
Diante do número sem precedentes de pessoas que tiveram que abandonar suas casas em todo o mundo, muitos atores humanitários ficaram profundamente decepcionados com o resultado da reunião de alto nível da Organização das Nações Unidas (ONU), que deveria apresentar uma resposta justa aos grandes deslocamentos de refugiados e migrantes. Ao fim da primeira cúpula desse tipo, os governantes aprovaram uma declaração que procurará implantar uma estratégia mais coordenada, integral e humana para a situação dos refugiados.
“A cúpula representa um avanço em nossos esforços coletivos para enfrentar os desafios da mobilidade humana”, disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, no dia 19, por ocasião da abertura da reunião de alto nível, em Nova York. Quando o documento se traduzir em ação, mais meninos e meninas terão educação, mais trabalhadores poderão buscar trabalho e mais pessoas contarão com opções de mobilidade, acrescentou Ban.
“Quando milhões de pessoas veem um convite à liberdade apenas através da barraca de campanha, quando com seus filhos e pertences às costas caminham centenas e até milhares de quilômetros, quando suas famílias correm o risco de se afogar e ficam em deploráveis centros de detenção, e uma vez livres podem sofrer agressões racistas e xenófobas, não há razões para nos sentirmos cômodos”, destacou o comissário de direitos humanos Zeid Ra’ad Al Hussein, alertando contra o otimismo pelo resultado da reunião.
“A amarga verdade é que essa cúpula foi convocada porque fracassamos. É uma vergonha que as vítimas de crimes tão abomináveis tenham que continuar sofrendo porque não conseguimos protegê-las”, lamentou Al Hussein.
Mais de 65 milhões de pessoas no mundo foram obrigadas a abandonar suas casas; se estivessem em um mesmo país, este seria o 21º entre os mais povoados. Um informe da organização Save the Children diz que esse país imaginário teria o maior crescimento populacional, ficaria nos últimos lugares quanto à matrícula escolar e teria uma alarmante proporção de casamentos infantis.
Numerosos refugiados participaram da reunião em Nova York e pediram urgência aos membros da ONU para agirem diante das difíceis circunstâncias que sofrem. Na cúpula também falou a ativista Nadia Murad Basee Taha, uma das cinco mil mulheres yazidíes escravizadas pelo Estado Islâmico (EI) que, quando conseguiu escapar, conseguiu chegar à Alemanha como refugiada.
“Devem saber que, como líderes, o que fizerem terá um impacto positivo ou negativo na vida das pessoas simples. São vocês que decidem se outra menina em outra parte do mundo terá uma vida simples ou de sofrimento e servidão”, advertiu Taha aos presentes. “Vocês e suas famílias não são os únicos a merecerem uma vida, nós também merecemos uma vida”, ressaltou.
Por sua vez, o refugiado sírio Mohammed Badran, coordenador da equipe de Voluntários Sírios na Holanda, falou da necessidade de melhorar o acesso a educação e a outras oportunidades para que as pessoas deslocadas possam reconstruir suas vidas e contribuir para a sociedade. “Se hoje os governantes são incapazes de encontrar uma solução para a crise síria e a dos refugiados, então esta cúpula não é diferente de outras”, destacou.
Muitas organizações avaliam que a reunião de Nova York foi mais do mesmo, consideram-na uma “oportunidade perdida” e se mostraram especialmente decepcionados com o documento final. O rascunho inicial da declaração propunha um pacto mundial com compromissos claros, como reassentar 10% dos refugiados a cada ano e oferecer às crianças acesso a educação dentro dos primeiros 30 dias. Mas, ao fim das negociações, o texto foi eliminado do documento final, liberando os países de toda obrigação de receber os refugiados e lhes fornecer educação.
Além disso, a comunidade internacional adiou todo tipo de acordo sobre um pacto mundial até 2018.“Em lugar de demonstrar sua liderança e dar um passo à frente e assumir sua responsabilidade, os governos jogaram o problema para frente e adiaram sua decisão e seu compromisso, uma vergonha trágica, em particular para os 21 milhões de refugiados que esperam medidas da comunidade internacional”, lamentou a diretora executiva interina do capítulo norte-americano da Anistia Internacional, Margaret Huang.
A diretora executiva da Oxfam Internacional, Winnie Byanyima, concordou e disse à IPS que “o que temos aqui são compromissos nada concretos, o que temos é apenas um linguajar florido”. Em particular, ela criticou as nações ricas por não compartilharem a responsabilidade global. Uma análise da Oxfam indica que os seis países mais ricos receberam apenas 9% dos refugiados. Entre eles se destaca o Japão, que só aceitou 27 pessoas em 2015.
Isso deixa os países do Sul Global com todo o peso dessa situação.Por exemplo, o Líbano recebeu mais de um milhão de refugiados sírios, cerca de um quarto de sua população total. O primeiro-ministro, Tammam Salam, se mostrou consternado com esses dados, e disse que nascem mais sírios no Líbano do que os que se instalam em outros países. “É impensável que o Líbano sozinho possa enfrentar um desafio existencial dessas proporções. Quando se fará algo no mundo pelo Líbano?”, perguntou aos delegados.
Além disso, o primeiro-ministro do Paquistão, Nawaz Sharif, cujo país abriga quase dois milhões de refugiados afegãos, também destacou a desproporcional carga dos deslocamentos globais que sofrem as nações em desenvolvimento. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou seus planos de elevar o número de refugiados reassentados para 110 mil, mas Huang afirmou à IPS que isso é apenas uma “gota de água em um balde”. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estima que, para este ano, será preciso reassentar mais de 1,1 milhão de refugiados.
Byanyima também lamentou a falta de compromisso para apoiar economicamente as nações que recebem solicitantes de asilo. Segundo o Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), apenas 39% dos pedidos de fundos das Nações Unidas conseguem os recursos solicitados. Entre eles, um pedido do Sudão do Sul, que só conseguiu 19% da quantia solicitada, enquanto os planos de resposta para a crise de refugiados no Iêmen e na Síria reuniram 22% e 49% do total, respectivamente.
O diretor do programa de refugiados da organização Human Rights Watch, Bill Frelick, apontou à IPS que a falta de apoio internacional supõe uma grande exigência para alguns países, que se veem obrigados a rejeitar solicitantes de asilo. Ele se referiu ao Quênia, que anunciou em maio o fechamento do acampamento de refugiados de Dadaab, o maior do mundo, em parte por uma significativa redução de fundos.
Por sua vez, o governo da Jordânia fechou sua fronteira com a Síria, deixando cerca de 75 mil pessoas perdidas e sem assistência humanitária. “Os Quênia e Tailândia e Paquistão e Jordânia e Líbano do mundo não devem carregar sozinhos esse peso. A responsabilidade não deve recair nos países fronteiriços, é preciso compartilhá-la”, opinou.
Mas em Nova York não se conseguiu nenhum compromisso tangível em matéria de responsabilidade compartilhada, pois governos, como o da Austrália, defenderam suas restritivas políticas migratórias. No seu caso, se trata de deixar por tempo indefinido os solicitantes de asilo em centros de detenção em Nauru e Papua-Nova Guiné. A Grã-Bretanha afirma que os refugiados só devem solicitar asilo ao primeiro país em que chegam, o que eleva a carga sobre o Sul Global.
Apesar da falta de avanços concretos, há organizações que mantêm seu otimismo. A diretora de políticas públicas humanitárias da Save the Children, Bernice Romero, pontuou à IPS que a reunião da ONU conseguiu ao menos atrair a atenção mundial para a difícil situação das pessoas refugiadas e deslocadas. E acrescentou que o desenvolvimento de um pacto mundial para uma divisão mais igual até 2018 é o primeiro passo do que poderá chegar a ser um significativo processo e plano de ação.
Entretanto, outras pessoas, como Frelick e Huang, têm as esperanças postas na cúpula de chefes de Estado e de governo organizada para hoje por Obama. O objetivo do encontro é garantir mais fundos para a ajuda humanitária, lugares para reassentar os refugiados e alternativas legais, bem como acesso a educação e autorização de trabalho. “Não podemos fechar os olhos. Não cumprem os princípios de direitos humanos e não deixaremos de falar disso, vamos continuar nos mobilizando”, enfatizou Byanyima.
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