17 Outubro 2012
"Constatamos uma vez mais, que a Catequese Libertadora ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo se destina", afirma Antonio Cechin, irmão marista e miltante dos movimentos sociais, autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
E pergunta: "Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à Catequese Libertadora? Medo da ditadura já não mais pode ser a causa, porque temos no país uma democracia bem consolidada. O que poderia mesmo ser então?"
Eis o artigo.
Ouvimos falar o nome de Hélder Câmara pela primeira vez, quando tínhamos em torno de 20 anos de idade, depois acompanhamo-lo pelas notícias, principalmente pela imprensa católica. Naquele tempo, uns 60 anos atrás,ele era Padre Hélder, um sacerdote da arquidiocese do Rio de Janeiro que se dedicava a jovens operários da Juventude Operária Católica (JOC). Pouco tempo depois, ficou nomeado bispo auxiliar do cardeal Dom Jaime de Barros Câmara. Foi então escolhido para ser o coordenador geral de todos os ramos da Ação Católica do Brasil: homens, mulheres e jovens.
Tão logo fora nomeado bispo, Dom Hélder Câmara inaugurou na Igreja do Brasil um discurso inteiramente novo no início da década de 1950. Face à imensa maioria da população do país ser pobre e subdesenvolvida, começou a apelar para a opção pelos pobres como sendo a opção fundamental do Homem Jesus de Nazaré e nessa trilha dos pobres deveria se engajar a Igreja. “Deus tem um lado” dizia Dom Hélder, nos primeiros tempos de bispo. A Missão dos cristãos no Brasil é de “Libertar os oprimidos!”
Para coisas novas, palavras novas. Na falta de vocábulos novos para um discurso novo, repleto de ideias-forças novas, como sói acontecer com inventores de novas descobertas que até ontem eram inimagináveis. “Não se coloca remendo velho em pano novo” já dizia nosso Mestre”. Na falta de uma Teologia da Libertação, ainda por inventar, Dom Hélder citava frases antigas de algum alfarrábio, que haviam passado desapercebidas ao tempo em que foram ditas, entremeando tudo com muito Evangelho, retratando sempre a vida e a obra de Jesus o Homem- Deus dos Pobres. Assim, um pensamento do filósofo e teólogo maior da Igreja de todos os tempos, santo Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica, em plena idade média que pode ser traduzido mais ou menos assim:
Quando uma pessoa ou um grupo de pessoas se encontram em situação de carência extrema, sem possibilidade de satisfazer as necessidades básicas e fundamentais como alimentação, saúde, moradia, etc. então o mundo inteiro passa a ser comum. Aquele que não tem o que comer, para sobreviver, tem direito a ir a qualquer lugar: supermercado, geladeira dentro de residência, armazém, restaurante, pegar comida aonde estiver e comer, porque tem o supremo direito de continuar vivendo segundo a lei do Criador. Se não tiver aonde repousar e descansar tem o supremo direito de ocupar qualquer abrigo que existir em seu entorno: abrigo, casa de moradia, hotel, etc. etc.
Na verdade, foi Dom Hélder que nos iniciou, no Brasil, à opção pelos pobres. Com seus discursos tonitruantes, apesar de sua figura pequena e franzina, tirou muitas pessoas de pouca fé, do sono letárgico em que jaziam dentro de um cristianismo de pura rotina.
Logo que Dom Helder recebeu a incumbência do Papa João XXIII de criar a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na função de secretário executivo da entidade que exercia, sugeriu aos bispos do país a troca da Ação Católica de linha italiana, criada pelo papa Pio XI, pela Ação Católica Especializada, de linha francesa. O que mais interessava a Dom Hélder nessa troca da Itália pela França era o método VER-JULGAR-AGIR que fora criado por Monsenhor Cardijn, sacerdote belga com seus jovens operários, no movimento que fundaram: a chamada JOC ou Juventude Operária Católica. Esse método Ver, Julgar e Agir também foi adotado mais tarde, para o ato de fazer Teologia da Libertação.
O Papa Pio XI, fundador da ação católica , por isso mesmo de linha italiana, tinha tido um encontro pessoal com Monsenhor Cardijn da JOC. Terminada a reunião, em entrevista coletiva Pio XI disse aos jornalistas referindo-se ao Monsenhor: “Pela primeira vez alguém me falou que temos de evangelizar as massas humanas.” A ação católica italiana visava mais o afervoramento na fé dos cristãos, focada numa prática religiosa mais intensa da vida sacramental, ao passo que a de linha francesa visava um Movimento Popular Católico para servir de fermento nas massas.
Na mesma arquidiocese de Recife, para a qual Dom Hélder foi removido, momentos antes de terminar o Concílio Vaticano II, outra grande figura surgiu com um método de educação original. Tinha como finalidade precípua, ensinar a ler e a escrever aos numerosíssimos analfabetos do Brasil. Paulo Freire nasceu com alma de educador. Tornou-se o maior pedagogo de todos os tempos na América Latina como criador do método psico-social, que também é conhecido como Pedagogia do Oprimido ou Educação como Prática da Liberdade.
Quem primeiro aproveitou desse excelente método libertador, foi a Igreja Católica na pessoa do mesmo Dom Hélder Câmara, que foi também o primeiro secretário executivo da entidade que ele próprio acabara de fundar, atendendo a um apelo pessoal que o Papa João XXIII lhe fizera: a Conferência Nacional dos Bispos (CNBB).
Os militantes da Igreja, dos Movimentos da Ação Católica Especializada, de modo especial o mundo jovem da Igreja da JAC, JEC, JIC, JOC, JUC subiam os morros das periferias das cidades e ao mesmo tempo se enfiavam pelos grotões interioranos do Brasil onde houvesse Vilas ou povoados de gente pobre e analfabeta, em busca das Palavras Geradoras que serviriam de ponto de partida para reuniões com 20 a 30 pessoas analfabetas, homens e mulheres.
Em 20 dias de reuniões eram alfabetizados. A esses grupos de alfabetizandos, Paulo Freire deu o nome de Círculos de Cultura. O nome já diz: não existe no mundo gente totalmente inculta. Toda e qualquer pessoa, pelo simples fato de ter experiência de vida, é naturalmente uma pessoa culta. Já é possuidora de uma cultura. Conhece e faz muitas coisas. Se sabe plantar um pé de mandioca, é um agricultor. O próprio vocábulo composto agri + cultor, traduzido etimológicamente significa ter cultura agrícola.
Lembro quando Paulo Freire, que de início havia se dedicado de corpo e alma à alfabetização dos pobres do Brasil, ao trocar idéias com Dom Hélder, ficou convencido a ampliar o aprendizado do alfabeto ao lado de um leque de conhecimentos básicos, referentes às necessidades fundamentais da vida, como alimentação sadia, higiene e saúde, direitos humanos etc. Para além das Palavras Geradoras, ponto de partida para a alfabetização, partiu-se para a pesquisa dos Temas Geradores que fossem apropriados também como ponto de partida dos diversos tipos de conhecimentos de um Bem Viver.
Os Centros de Cultura passaram a administrar uma Educação de Base. Pelo fato de serem Centros de Educação organizados pela Igreja, se tornaram as primeiras Comunidades Eclesiais de Base, cuja finalidade é servirem de base para uma nova sociedade e base de uma nova Igreja. Pouco tempo antes dos militares darem o golpe ditatorial de 1964, a CNBB havia lançado, no Brasil, a primeira cartilha denominada Educação de Base.
À Caminhada desencadeada por Hélder Câmara e Paulo Freire foi se constituindo num autêntico Processo Histórico de Libertação e de Salvação. Libertação tanto das estruturas opressoras de nossos povos, quanto de Evangelização e Salvação de todos em Cristo.
Coube ao Brasil a criação e o lançamento para todo o continente e também para o mundo da Catequese Libertadora. O cuidado com o aprimoramento em passos sucessivos do Conteúdo desse modelo novo de Catequese, coube à figura ímpar do Bispo Pastor Dom Hélder em seu profetismo permanente, e o método dessa Catequese libertária foi obra e graça de Paulo Freire com sua Pedagogia do Oprimido ou Educação para a Prática da Liberdade.
Em nome de todo o Brasil e muito bem coadjuvados por todos os membros da Equipe Nacional de Catequese da CNBB, bem assessorados pelos bispos Dom José da Costa Campos, da cidade de Valença (Rio de Janeiro) titular da Pastoral de mesmo nome junto á CNBB, e de Dom Fragoso da cidade de Crateús (Ceará), num total de quase 10 pessoas, fomos como representação brasileira, lançar os resultados de nossos avanços em relação a uma autêntica Catequese Libertadora para nossa América, participar de uma assembleia internacional que reunia os grandes especialistas em Catequese do mundo inteiro, na denominada 5ª Semana Internacional de Catequese, na cidade de Medellin (Colômbia). Realizou-se esse conclave de catequistas, um mês antes da grande Assembleia episcopal latino-americana, acontecida nessa mesma cidade colombiana e no mesmo prédio. no mesmo local.
Na 5ª Semana Internacional, perante os maiores especialistas em Catequese do mundo inteiro, a Catequese Libertadora pediu passagem. Coube a nós ler o texto fundamental, resultado de nossos avanços no Brasil.
Não foi fácil. Os debates foram acalorados diante da revolucionária novidade da Libertação que anunciava uma Nova Evangelização e totalmente diferente do que no mundo inteiro circulava sob o rótulo de Renovação Catequética. Para a conjuntura social, política e econômica da América Latina, uma Catequese verdadeiramente Nova tanto no conteúdo quanto na forma ou método, que considerávamos coerente com a situação de pobreza e miséria de nossa América.
Como catequistas do Brasil com missão cumprida perante os especialistas do mundo ali reunidos, com maioria de Catequistas europeus um tanto contrariados e insatisfeitos, por termos privilegiado a situação do nosso continente, retornamos ao Brasil que fervilhava por causa dos golpistas militares em caça às bruxas.
Não houve nem tempo de continuar no exercício de experiências-piloto com a Catequese Libertadora recém lançada e cujas linhas mestras foram adotadas pelos documentos oficiais da Igreja hierárquica depois reunida também em Medellin, no mesmo ano de 1968.
Algumas Fichas Catequéticas lançadas em Porto Alegre, ainda numa espécie de transição entre o modelo catequético europeu que herdáramos desde a colonização européia e o nosso atual de libertação para a América, foram caracterizadas pela ditadura de plantão no Brasil, como altamente subversivas e imediatamente recolhidas pelos esbirros militares em todas as escolas de catequistas em fase de experiência. Houve até prisão de catequista por causa da subversividade das tais Fichas, utilizadas como material de atividades dos Catequizandos.
Resultado: Agora, na Semana que passou, diante de um pequeno público de umas 10 pessoas, facilmente compreensível em seu pequeno número de participantes, tendo presente que o Congresso era de teologia e não de Catequese, constatamos uma vez mais, que a Catequese Libertadora ainda não entrou no Brasil e talvez também não tenha entrado ainda em todo o continente latino-americano em cujo solo nasceu e para cujo solo se destina. A Catequese como leitura dos Sinais dos Tempos ainda não é uma ridente realidade como já acontece com a Teologia de Libertação que acaba de dar a demonstração mais cabal neste Congresso Internacional que acaba de se realizar na cidade de São Leopoldo, na UNISINOS.
Já tivéramos um susto, alguns anos atrás, quando da realização do Encontro Nacional de Comunidades Eclesiais de Base do Brasil, na cidade de Ipatinga (Minas Gerais). Uma das oficinas do programa era sobre a situação da Catequese nas Comunidades Eclesiais de Base. Foi assessorada, a oficina, pela Equipe Nacional de Catequese da CNBB. Reuniu mais de 300 pessoas. Achamos completamente estranha a constatação de que a maioria das pessoas das CEBs do Brasil inteiro, anualmente tem uma dificuldade extrema em arranjar Catequista para suas Comunidades.
Afinal de contas, que dificuldade é essa em relação à Catequese Libertadora? Medo da ditadura já não mais pode ser a causa, porque temos no país uma democracia bem consolidada. O que poderia mesmo ser então?
De qualquer maneira, deixamos aqui consignado nosso testemunho global sobre a Catequese da Libertação como uma catequese por excelência dos Sinais dos Tempos. Como uma ferramenta apta a ler o Processo Histórico de Salvação de Deus, na transparência do Processo Histórico da Libertação total dos povos de nossa América, ambos tendo o Emanuel, (o Deus conosco) puxando a frente.
Resumindo: O processo histórico da CAMINHADA desencadeada pelos Profetas Dom Hélder Câmara e Paulo Freire, em seus passos sucessivos é a demonstração cabal do que significa, em sua globalidade de Processo a própria Catequese da Libertação em sua dupla dimensão: Divina e Humana.
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Catequese Libertadora, a prima-pobre da Teologia da Libertação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU