16 Junho 2012
“É sempre muito bom falar para a juventude”, disse a ministra do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e Corregedora Nacional de Justiça Eliana Calmon Alves, ao dar início a palestra: “O papel do Conselho Nacional de Justiça e a Democratização do Poder Judiciário”, realizada na Unisinos, no último dia 14 de junho.
Entre esclarecimentos e explicações, a ministra ainda questionou: “Como está o poder judiciário? Por que nós temos tantos questionamentos, hoje, sobre este Poder?”
A reportagem é de Thamiris Magalhães do IHU.
Em meio a um auditório lotado de estudantes, profissionais e professores de Direito, a ministra não abriu mão do didatismo para falar de um tema complexo, que acabou se tornando de fácil entendimento até para os que não são da área, que lá estiveram presentes. A Corregedora explicou, então, o funcionamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e fez uma retrospectiva, para um melhor entendimento do poder judiciário. Detalhou, por exemplo, que o grande marco para a área jurídica começou com a Revolução Francesa, “quando foi possível a separação dos poderes, criando-se um órgão de controle, e este órgão de controle é o poder judiciário”.
Segundo ela, este poder limitava, dizendo como deveria se comportar a sociedade, inclusive o próprio monarca, diante das leis que eram feitas pelo poder legislativo. “E como órgão de controle, ele passou para a França do século seguinte, com Napoleão Bonaparte, onde se transformou em um órgão de controle, mas a serviço do imperador. Então, o poder judiciário sempre foi um órgão de controle, que seguia as regras de quem mandava, que era primeiro o Rei e depois o Imperador. Este modelo de poder judiciário bonapartista foi absorvido pelo modelo dos séculos XIX e XX. E em todos os países civilizados era assim”, esclareceu.
Eliana Calmon Alves analisou que, a partir da Segunda Guerra Mundial, foi realizado um movimento de revisão crítica, onde todos os países civilizados que começaram a se democratizar, repensaram a divisão dos poderes. “E chegaram à conclusão de que, na realidade, o legislativo representava muito mais à classe dominante do ponto de vista político e econômico do que propriamente a vontade popular”, ponderou.
Com a revisão crítica, continua, foi estabelecido que ao Poder Judiciário é dado fazer com que a democracia se concretize, a partir da aplicação dos postulados e princípios inseridos na Constituição, porque esta representa a vontade popular de uma forma muito mais significativa. “É a partir deste momento que o mundo começa a valorizar o Poder Judiciário, que foi transformado de um órgão que era controlador, a serviço do Imperador, para ser um órgão com independência, a partir de sua competência, porque não mais ficou a reboque do Poder Legislativo.”
Em relação ao Brasil, a ministra afirmou que o nosso país demorou a realizar a revisão crítica. “Quando ele estava se preparando para isto, aconteceu a Revolução de 64.” E continuou: “o governo militar pouco mexeu no Poder Judiciário, pouca coisa fez e consertou, isso porque, naturalmente, eles tinham um compromisso de manter a aparência de democracia e mexer com o Poder Judiciário seria desmoronar o edifício democrático”.
A Corregedora afirmou ainda que a Constituição de 1988 modernizou todo o sistema jurídico brasileiro, trazendo direitos nunca antes pensados, que são os de terceira geração, como ambiental e direito do consumidor. “Pela primeira vez, falamos em direitos difusos coletivos e começamos a ter instrumentos para chegar ao judiciário na defesa desses direitos.”
A ministra abordou ainda a Reforma do Judiciário, ocorrida em 2004. “Nesta Reforma, dois pontos podem ser destacados: a criação do Conselho Nacional de Justiça e a criação da Escola de Formação de Magistrados.” E disse: “se nós não mostrarmos resultados em nossas atividades, a sociedade não nos respeitará”.
O trabalho do Conselho Nacional de Justiça é de importância fundamental. Calmon explicou o seu funcionamento: “São 15 membros. Dos 15, nove são do poder judiciário em todas as instâncias. Então, existem dois ministros, um do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem a função de corregedor. Além deles, tem três desembargadores, um federal, um estadual e um da Justiça do Trabalho. Ademais, existem dois juízes, dois representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dois representantes do Ministério Público, um federal e um estadual, e um representante da Câmara e outro do Senado. Esses membros do CNJ são chamados de Conselheiros e fazem as políticas públicas necessárias à condução da administração do Poder Judiciário, através de todas as políticas ligadas a este Poder, elaborando as resoluções e fazendo audiências públicas para saber o que a sociedade realmente pensa”.
E completou: “Nós não temos nenhuma função de natureza judicial. Tudo o que for judicial está fora da competência do CNJ. Nós somos um Tribunal administrativo, daí porque só tomamos conta dos atos judiciais administrativos, os atos jurisdicionais estão fora do alcance. Ao lado dessas comissões formadas pelos Conselheiros, nós temos outro órgão que é a Corregedoria Nacional, que abarca, hoje, quase 80% dos processos que tramitam pelo CNJ. Cuidamos da parte disciplinar”.
Segundo a Corregedora, há uma insistência por parte do corporativismo de haver a fragilização do Conselho Nacional de Justiça. “Mas como a cidadania já se apossou do CNJ, como se fosse uma instituição absolutamente sua, e onde se deposita confiança, não há possibilidade de retrocesso. Por isso, digo o seguinte: eu, mais do que Corregedora, como cidadã brasileira, sou uma admiradora do CNJ, pelo papel que ele desempenha para o poder judiciário; pelo fato de ser a única porta possível de nós termos um judiciário aliado ao que o Brasil precisa ser, que é um país que está se desenvolvendo economicamente. E um país como o nosso, que precisa se desenvolver, de investimentos, não pode ter um judiciário que esteja dissociado deste movimento de desenvolvimento.”
E finalizou com a expressão: “Orai e Vigiai! A batalha foi ganha, mas a guerra não. E todos vocês fazem parte desta guerra, são soldados. São soldados que estão vigiando a cidadania”.
Para ler mais:
O Judiciário precisa assumir seus próprios erros. Entrevista com Eliana Calmon Alves, publicada na Revista IHU On-Line, edição 383, de 05-12-2011.
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"A batalha foi ganha, mas a guerra não", diz a ministra Eliana Calmon Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU