07 Junho 2013
O anúncio das temíveis gangues juvenis hondurenhas, pedindo trégua ao governo, seguindo o exemplo de seus colegas, as ‘maras’ salvadorenhas, iniciado há um ano, requer uma reflexão e uma análise, para entender o que acontece nesses países, onde, após mais de 190 anos de independência, não se alcança a paz.
A reportagem é de Vicky Peláez e foi publicada por Adital, 05-06-2013.
O tempo das guerrilhas, revoluções, contrarrevoluções e invasões norte-americanas, aparentemente, perdeu impulso e esgotou possibilidades. O neoliberalismo conseguiu impor sua ideologia do mercado livre com punho oculto para reforçar sua velha estratégia do "desenvolvimento do subdesenvolvimento” em "seu quintal”, com a finalidade de perpetuar o domínio dos globalizadores a serviço das transnacionais.
O novo modelo socioeconômico pode eliminar a violência revolucionária e a contrarrevolucionária; porém, ao mesmo tempo, criou condições para a violência criminosa e para o narcotráfico. Segundo a ONU, Honduras, com 8.5 milhões de habitantes, atualmente, é o país mais violento do mundo, onde se registra uma média de 20 homicídios por dia e, calcula-se, que pelo menos umas 600.000 pessoas estariam envolvidas direta e indiretamente nas gangues, caso se leve em consideração os familiares e as comunidades onde os membros das gangues residem. As autoridades atribuem 90% dos homicídios aos membros do MS-13, ou à Mara Salvatrucha, e ao M-18, ou Mara del Barrio 18.
Os membros dessas gangues são contratados pelos carteis do narcotráfico, que deve contribuir significativamente ao orçamento de Honduras, caso levemos em consideração a existência de mais de 300 pistas clandestinas e que, de acordo com o Comando Sul norte-americano, que tem quatro bases militares no país, em 2011, mais de 100 aviões descarregaram droga e 275 narcolanchas entraram em Honduras para exportá-la para os Estados Unidos. O escritório de Assuntos Internacionais de Narcóticos e da Aplicação da Lei dos Estados Unidos estimou que 79% de aviões que saem da Colômbia com cocaína aterrizam em Honduras. No entanto, em agosto de 2011, o exército norte-americano retirou de surpresa o radar de vigilância e alerta prévio NA-TPS-78, instalado em Puerto Lempira, deixando o céu de Honduras vulnerável para os narcovoos.
Até março de 2012, El Salvador, com seis milhões de habitantes, era o segundo país mais violento do mundo, perdendo somente para Honduras. As ‘maras’ eram responsáveis também por 90% de assassinatos, que se incrementaram quando o governo aplicou "mão dura”, em 2004. Diariamente, acontecia uma média de 17 assassinatos e, segundo o ex-Ministro de Segurança e um dos promotores da trégua com as ‘maras’, David Munguía Payés, aproximadamente meio milhão de pessoas estariam envolvidas tácita ou implicitamente em gangues em El Salvador. Um ano depois das conversações entre o goveno e os líderes das ‘maras’ mais violentas do país, os assassinatos diminuíram, passando de 17/dia para 5/dia; porém, continuam as extorsões.
Certamente, tanto em El Salvador quanto Honduras, já nos anos 50 e 60, existiram agrupações de jovens que se enfrentavam entre si a "punho limpo”, tal como em outras partes da América Central e da América Latina. No entanto, as ‘maras’ é um fenômeno dos anos 80, quando mais de 25% da população salvadorenha tentou sair do país para escapar da guerra civil que durou de 1980 até 1992. Naqueles anos, mais de 75.000 habitantes perderam sua vida ou converteram-se em ‘desaparecidos’. O fim da guerra civil não reduziu a pressão para emigrar, devido à crise econômica. Calcula-se que, atualmente, uns dois milhões de salvadorenhos vivem no exterior, dos quais 1.6 milhão, ou seja, 26% da população nacional, reside nos Estados Unidos, cujas remessas ao país superam uns 4 bilhões de dólares anuais, o que constitui uns 10% do produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador.
Os imigrantes salvadorenhos, ao encontrar alojamento nos bairros pobres de Los Angeles, Nova York, e em outras cidades norte-americanas, sofreram o maltrato, o abuso e o desprezo dos mexicanos, afroamericanos e estadunidenses brancos. Então, um grupo dos mais aguerridos jovens salvadorenhos da Calle 13 de Los Angeles, que sobreviveram à violência da guerra civil, da qual aprenderam que o mais forte e o mais violento ganha as disputas tanto individuais quanto coletivas, decidiram organizar-se, formando a ‘Mara 13’, ou Salvatrucha, para por fim ao abuso. Primeiro, enfrentaram a ‘Mara 18, da Calle 18, composta principalmente pelos imigrantes mexicanos. Depois, tiveram encontros violentos com as gangues afroamericanas, os "Crips” e os "Bloods”.
A MS-13 começou a crescer e adquirir força, fazendo atos de violência, como assassinatos encomendados, ações tipo comando de assalto, sequestros, roubos, extorsões, venda de armas, contrabando e comercialização de drogas etc. O denominador comum de seus membros tem sido sua procedência de famílias pobres atingidas pela violência intrafamiliar, pelo abandono, maltrato, abuso, pela exclusão e pela marginalização social. A maioria dos jovens, cuja idade oscila entre 12 e 21 anos, sem educação, nem oportunidades de trabalho, excluídos em El Salvador, praticamente não foram aceitos pela sociedade norte-americana. Assim, instintivamente, tentaram juntar-se em uma gangue para garantir sua própria sobrevivência.
Pouco a pouco, porém sempre usando a extrema violência, a MS-13 conseguir posicionar-se no mundo do delito norte-americano e deixou de ser exclusivamente salvadorenha, pois aceitaram em suas filas a hondurenhos, guatemaltecos e, posteriormente, alguns mexicanos. Os ‘mareros’ chamados "salvatruchos”, ou seja, "salvadorenhos espertos” atraíram a atenção do FBI e da DEA, que tentaram, em vão, destruir a MS-13, cuja estrutura na época expandiu-se tanto que as instituições repressivas norte-americanas sentiam-se impotentes para colocar um ponto final nessa organização ‘mara’.
O que restou foi deportar aos ‘mareros’ detidos para seus países de origem (em sua maioria eram de El Salvador, Honduras, Guatemala e México).
Com essas medidas, as autoridades norte-americanas abriram possibilidades para a internacionalização das ‘maras’, tanto da MS-13 quanto da M-18. Ao ser deportados aos seus países de origem, onde não existiam oportunidades para a reeducação e a inserção dos ‘mareros’ à vida produtiva, não lhes restou outra saída que recorrer ao crime e à violência em seus países e no de seus pais, já que a grande amioria havia nascido nos Estados Unidos. Continuaram lá, com suas próprias leis, costumes, gestos, sinais, linguagem e tatuagem adotados na América do Norte e captando milhares de jovens, jogaram seus países nas garras do crime, do sequestro, do narcotráfico etc.
A maioria de seus antigos líderes estava presa tanto em El Salvador quanto em Honduras, os líderes rivais presos da MS-13 e da M-18, em El Salvador, há um ano, fizeram um pacto de trégua promovido pelo bispo castrense Fabio Colindres e Raúl Mijango, ex-guerrilheiro da Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí (Fmln). Em troca, pediram melhorias nas condições das prisões e um relaxamento da política de "mão dura” do governo. Aparentemente, o governo resolveu atender à petição dos ‘mareros’, apesar de que o presidente Mauricio Funes insistiu em suas declarações à imprensa que sua administração não estava participando nas negociações com os criminosos. A pesar da retórica governamental, as condições penitenciárias melhoraram para os líderes da MS-13 e M-18. Como consequência, a violência diminuiu; porém, aumentaram as extorsões.
No dia 28 de maio passado, em Honduras, os dirigentes de ambas ‘maras’ anunciaram, desde a prisão de San Pedro Sula, uma trégua, pedindo perdão a Deus, à sociedade e às autoridades; implorando uma oportunidade para deter tanto derramamento de sangue. Chamaram também as autoridades a abrir um diálogo para a pacificação do país em troca de um espaço para reabilitação e trabalho para seus membros. Como um primeiro passo, ofereceram "violência zero nas ruas; crimes zero”.
No entanto, o porta voz da MS-13, chamado Marcos, ao ser consultado sobre as extorsões, respondeu que "não falemos ainda das extorsões; vamos passo a passo; em primeiro lugar, violência zero e crime zero, pois prejudica aos seres humanos; comecemos a falar sobre encontrar a maneira de desenvolver-nos”. Por sua vez, um representante da M-18 também se comprometeu com violência zero, exigindo que a polícia "deixe de matar-nos”, como uma condição para o diálogo. Também ressaltou, da mesma forma que seu colega da MS-13, que "a falta de dinheiro e de trabalho foi o que nos empurrou para essa vida ruim”.
E nisso reside o problema. Atualmente, ambos países carecem de condições para reinserir aos milhares de jovens ‘mareros’ na sociedade, que também é relutante em fazê-lo. Na pesquisa do Diário La Tribuna, do passado 30 de maio, 32% de participantes declararam que a trégua não beneficiará a ninguém; 29% opinou que favorecerá aos membros das gangues; 26% consideraram que beneficiará a todos; e 13% disseram que beneficiará à sociedade.
Por outro lado, que oportunidade El Salvador pode oferecer a milhares de jovens ‘mareros’, aparentemente desejosos de por fim à violência e ser membros da sociedade, quando 58.6% da população vive na pobreza e, destes, 27.7% na pobreza extrema? Em 6 dos 14 Departamentos (Cabañas, Ahuchapan, La Unión, Morazán, Chalatenango e San Vicente) 2 em cada 3 habitantes vivem na pobreza. No país não há geração de emprego, enquanto a população economicamente ativa (PEA) subiu nos últimos quatro anos em quase 10.000 pessoas. Há 600.000 negócios e somente 161.000 estão registrados no Ministério da Economia. Mais de 50% da PEA trabalha no setor informal e há uma grande porcentagem de trabalhadores nas empresas formais que estão empregados como informais.
Em Honduras, a situação econômica após o golpe de Estado de 2009 contra o presidente legitimamente eleito, Manuel Zelaya Rosales, piorou. O índice de pobreza aumentou de 59% para 65% e praticamente todo o país está à venda. Seguindo as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo de Porfirio Lobo recortou o gasto público, reduziu os benefícios sociais e desvalorizou a moeda nacional –Lempira-, o que gerou a diminuição das reservas internacionais para 200 milhões de dólares. Há poucas oportunidades para os jovens encontrarem um trabalho adequado. Há 229 fábricas montadoras norte-americanas que empregam 139.000 operários, dos quais 69% são mulheres jovens.
Então, de que reinserção dos ‘maras’ os governos podem falar se carecem de recursos e de infraestrutura? Na época de severa crise econômica, o presidente Porfirio Lobo e seu homólogo salvadorenho, Mauricio Funes, estão sonhando com as doações estrangeiras para solucionar esse problema; enquanto que os europeus estão pedindo dinheiro à América Latina e os norte-americanos tramando novos lucros para suas transnacionais. O que se necessita para encontrar o espaço adequado para cada ser humano é transformar a realidade, realizando essa tarefa em conjunto e horizontalmente para transformar cada país naquilo que o poeta salvadorenho Pedro Geoffroy Rivas dizia: "Patria con esperanza, firme, pura y limpia”.
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As maras (gangues), uma história de horror e morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU