13 Agosto 2014
O mercado de notícias, documentário de Jorge Furtado, é um filme oportuno e necessário. Poucas instituições têm sido tão discutidas nos últimos tempos quanto a imprensa, em suas várias formas: escrita, televisiva, radiofônica. Com o advento avassalador da internet, não é apenas a sustentação econômica de jornais, revistas e telenoticiários que está em xeque, mas principalmente a sua credibilidade – e é nesse nervo que o documentário vem tocar, com o engenho e a verve habituais de seu diretor.
A reportagem é de José Geraldo Couto, publicada pelo blog IMS, 12-08-2014.
O primeiro achado do filme, em termos de construção, é a alternância entre o documentário propriamente dito e uma encenação da comédia O mercado de notícias (The Staple of News, 1626), do dramaturgo britânico Ben Jonson (1572-1637). A ironia ferina com que Jonson retrata a imprensa então nascente como um balcão de troca de favores e de proliferação de intrigas vai impregnar todo o debate sobre a crise atual do setor.
Talvez o espectador acostumado à inventividade de obras anteriores de Furtado (seja na ficção de O homem que copiava e Saneamento básico ou em metadocumentários como Ilha das flores e Esta não é a sua vida) sinta-se desapontado com o peso que assumem aqui os depoimentos dos entrevistados, treze jornalistas entre os mais experientes e respeitados do país. De fato, embora sejam todos consistentes e iluminadores, esses depoimentos estão a um passo de fazer do filme uma daquelas coleções de “talking heads” que fazem as vezes de documentários na TV paga.
Compenetrado na seriedade da discussão, é como se o diretor não quisesse dispersá-la com as brincadeiras metalinguísticas que povoam seus outros trabalhos. De vez em quando ele parece se lembrar de arejar a conversa com um trecho divertido da peça ou com a inserção de um ou outro comentário visual – como na imagem do quadro “O Grito”, de Munch, quando o jornalista Geneton Moraes fala sobre a Nossa Senhora do Perpétuo Espanto, padroeira dos jornalistas.
Farsas desconstruídas
Mas o documentário cresce e se justifica plenamente como cinema quando realiza, ele próprio, uma investigação jornalística sobre grandes erros ou distorções recentes de mídia informativa. Isso acontece em particularmente dois momentos: na desconstrução da narrativa televisiva (e que os jornais e revistas ecoaram) do episódio da bolinha de papel que atingiu em 2010 o então candidato José Serra; e na exposição ao ridículo de uma matéria da Folha de S. Paulo sobre uma suposta tela de Picasso (na verdade uma reprodução barata, dessas que se vendem em lojinhas de museus) que estaria abandonada num gabinete do governo em Brasília.
Ao tomar para si aquilo que a imprensa séria deveria fazer – ou seja, investigar os fatos, contrapor versões –, O mercado de notícias exibe em todo o seu esplendor o poder crítico da imagem e da palavra, seu papel tanto na construção como na destruição de mitos, no acobertamento ou na revelação do que chamamos, talvez com demasiada licença, de realidade. Nesse fascinante bricabraque, não se perde nunca de vista a ideia de que, no armazém de secos e molhados que é o jornalismo desde suas origens, o elemento decisivo para dar alguma honestidade a esse comércio é a ética do jornalista.
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