Por: Jonas | 05 Agosto 2014
“A ofensiva israelense não responde em absoluto a alguma radicalização dos palestinos ou do Hamas. Ao contrário, é uma ofensiva contra as concessões feitas pelo Hamas e contra a reconciliação palestina”, afirma o libanês Gilbert Achcar, escritor, socialista e ativista anti-guerra.
A entrevista é de Denis Sieffert e Magaux Waterlle, publicada por Rebelión, 04-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Em que condição política estava o Hamas antes da ofensiva israelense?
O Hamas estava em uma disposição favorável. Isto se traduziu na reconciliação com a Autoridade Palestina e a aceitação de um governo de unidade, ainda quando este último não seja em absoluto paritário. O Hamas não está verdadeiramente representado nele e as posições tomadas estão alinhadas com as de Mahmud Abbas. Este gesto estava motivado pela situação precária do movimento, em particular após os acontecimentos do Egito. Após a derrubada de Mohamed Morsi, o novo poder militar colocado em pé é hostil ao Hamas em razão de seus laços com a Irmandade Muçulmana, que sofre uma repressão ainda mais terrível do que sob Mubarak.
A posição do Hamas também não contribuiu para o seu isolamento, ao ser favorável à rebelião na Síria, na medida em que se pôs em uma posição oposta ao do Irã, que é para ele um apoio financeiro importante?
O regime sírio não significa muito para o Hamas, o Irã é mais importante. Houve um esfriamento, mas o Hamas está tentando uma reconciliação. Por outro lado, a questão financeira é a razão pela qual fizeram o acordo com o Ramallah, em que uma das consequências seria o pagamento dos salários aos funcionários de Gaza. Israel bloqueou tudo isso e manifestou sua oposição veemente, desde o início. A ofensiva israelense, portanto, não responde em absoluto a alguma radicalização dos palestinos ou do Hamas. Ao contrário, é uma ofensiva contra as concessões feitas pelo Hamas e contra a reconciliação palestina.
Com efeito, houve a impressão que Netanyahu explorou o assassinato dos três adolescentes judeus, no dia 12 de junho...
O governo de Netanyahu aproveitou esta ocasião para declarar o Hamas como culpado, sem ter a menor prova disso. Seu objetivo era deter, novamente, uma grande parte dos militantes que libertou em troca de Gilad Shalit.
Assim como em circunstâncias muitas vezes parecidas, a ofensiva israelense não está reforçando os laços entre o Hamas e a população de Gaza?
Houve uma acumulação de rancores contra o Hamas, o que é perfeitamente compreensível. As pessoas atribuem sua desgraça e sua miséria à presença do Hamas, sobretudo após a mudança no Egito. Para a população de Gaza, o Egito é fundamental. E saber que seus governantes são a nova besta negra do regime do Cairo não é fácil. Por outro lado, a população de Gaza também vê, de forma muito clara, que a ofensiva israelense ocorreu no preciso momento em que o Hamas empreendia o giro que todos desejavam. Ou seja, a reconciliação e mudança de direção, em uma linha mais moderada, para sair da asfixia que sofrem há muito tempo.
Certos meios de comunicação tendem a misturar o Hamas com a nebulosa islamista. Não é necessário recordar que, apesar de seu caráter conservador e reacionário, esse movimento também tem algumas raízes reais na história palestina recente?
Sim, é a diferença entre, por exemplo, a Irmandade Muçulmana no Egito e o Al-Qaeda ou o Estado Islâmico. Há uma distinção evidente entre os movimentos de massas, que tem um método essencialmente político, e organizações que estão fundadas sobre a violência e não hesitam em recorrer ao terrorismo.
O Hamas é apresentado por muitos meios de comunicação como um corpo estranho no seio da população civil palestina. No entanto, saiu totalmente dela...
Como todas as organizações de massas, o Hamas recruta, de um lado, graças à ideologia, de outro, e em grande parte, graças aos serviços sociais que proporciona. Pois, assim como toda oposição política, recruta em função do descontentamento contra o inimigo e contra rivais que já não são convincentes, como foi o caso da OLP (Organização para a Libertação da Palestina). O Hamas nasceu com a primeira intifada, em 1987, a partir do descrédito da OLP, expulsa do Líbano e reconciliada com a Jordânia. O fracasso de Oslo, evidente a partir de meados dos anos 1990, e frustração gerada contribuíram igualmente após o seu enraizamento. Da mesma forma, o descrédito de Mahmud Abbas, que, no entanto, foi muito longe em termos de capitulação, e a humilhação que Israel impõe, apesar de tudo, favoreceu o Hamas.
Não há um risco da emergência, ou inclusive de proliferação, de nebulosas jihadistas, menos preocupadas com o destino dos palestinos, que poderiam se unir a um movimento como o Estado Islâmico?
Sim, isso existe, mas não particularmente nos territórios palestinos. Uma rede terrorista não tem os meios de se instalar ali, nem em Gaza, nem na Cisjordânia. Entre as autoridades locais e a ocupação israelense, não há verdadeiramente territórios imensos. No entanto, entre os palestinos da diáspora, os dos campos de refugiados, essas formas de movimentos atraem. Palestinos da Síria ou da Jordânia poderiam se unir ao Estado Islâmico. Israel é um fator de radicalização. Seu governo parece ter por emblema: “Depois de nós, o dilúvio”.
Não há nenhuma preocupação em trabalhar pelo longo prazo, pelo futuro inclusive dos filhos de Israel. Estão acumulando tensões e, com a proliferação das armas de destruição em massa, a probabilidade de uma catástrofe como nunca foi vista é muito elevada. Espalham o vento de uma tempestade que pode resultar terrível para todos.
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“Uma ofensiva contra a reconciliação palestina” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU