15 Setembro 2015
Pendurado por um cinto, com meio corpo para fora de um helicóptero, um policial com um fuzil gargalha enquanto ameaça atirar na multidão reunida para protestar contra o assassinato de um menino, na Mangueira.
Noutra passagem, um assustado jovem de classe média conhece o calor e a corrupção de uma prisão carioca. E, numa terceira, o líder de uma facção criminosa diz que quer se entregar, mas sabe que morrerá na cadeia. Afinal, virou um arquivo vivo e sabe quais policiais e autoridades embolsaram dinheiro do tráfico nos últimos anos.
"Rio de Janeiro - Histórias de Vida e Morte", do antropólogo Luiz Eduardo Soares, traz relatos dos bastidores do poder e da violência que compõem um cruel e sangrento contraponto à imagem de cartão-postal que celebrizou a cidade. As narrativas vão da primeira à terceira pessoa, em estilo informal. "São histórias que considero significativas sobre a vida e a morte no Rio de hoje", disse Soares.
A reportagem é de Sylvia Colombo, publicada por Folha de S. Paulo, 14-09-2015.
Nos primeiros capítulos, o ex-secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula em 2003 fala das pressões que recebeu e trata da gênese do escândalo do mensalão.
Ele diz que o livro não é um acerto de contas. "O principal desafio da política é resistir ao utilitarismo. Revelo como ele degrada desde o pequeno personagem do folhetim provinciano até o protagonista épico da epopeia nacional."
Coautor dos dois volumes de "Elite da Tropa", que deram origem aos filmes "Tropa de Elite", Soares afirma que o diretor José Padilha teria recebido pressão do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, para não filmar um roteiro escrito por ele sobre os bastidores da política nacional.
Procurado pela Folha, Padilha disse acreditar que Dirceu tenha interferido na captação de recursos para o filme junto ao BNDES.
"Tínhamos vencido o edital do banco, mas nosso contrato nunca ficava pronto. Depois de um ano, uma pessoa da comissão me procurou e disse que Dirceu interferira junto à Presidência. Depois, o Dirceu nos procurou e disse que o filme não ia acontecer." A reportagem tentou contato com o ex-ministro, por meio de sua assessoria, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
No livro, Soares traça uma linha direta entre a violência usada pela repressão da ditadura (1964-85) e a empregada pela polícia hoje.
Para isso, reconstrói a trajetória da historiadora Dulce Pandolfi, torturada no período. "O legado da ditadura à democracia foi o fortalecimento de grupos policiais criminosos que se desgarraram progressivamente das instituições, sem abandoná-las, e passaram da justiça pelas próprias mãos ao crime como negócio."
O antropólogo comenta, ainda, sua frustração com o PT, e considera que o desalento da sociedade produz três efeitos negativos: "O aumento do interesse dos jovens pela extrema esquerda, fonte de obscurantismo e violência; o crescimento de uma direita racista que clama pela volta da ditadura; e a ampliação daqueles que fazem leituras maniqueístas e repletas de ódio, ora acusando exclusivamente o PT, como se fosse a única origem de todos os males, ora denunciando a "mídia golpista" e o PSDB como a materialização do mal".
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Livro de antropólogo narra bastidores do governo Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU