As emoções e a nossa hierarquia: a propósito da resistência à nomeação do bispo de Osorno

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

Por: André | 08 Abril 2015

“As emoções implicadas na maioria dos atores que intervieram nesta lamentável nomeação episcopal foram ignoradas ou minimizadas por nossos pastores e, especialmente, pelos que tiveram em suas mãos a ideia de propor ao Papa Francisco esta nomeação”, escreve o Pe. René Cabezón, SS.CC., em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 07-04-2015. A tradução é de André Langer.

Eis o artigo.

De acordo com a ontologia da linguagem, as emoções são definidas como “disposições para a ação”. E as emoções comprometidas na nomeação do bispo Juan Barros como pastor de Osorno – como sempre acontece – implicam todas as partes envolvidas: os que propuseram o nome de Barros e o apóiam incondicionalmente; ele mesmo, que manteve um tom monocórdio e cara de resignado ou, às vezes, impassível; e os contrários a esta nomeação. As emoções nos afetam a todos sem exceção e sempre estão presentes em nossas ações e decisões: umas mais exteriores e outras mais discretas e implícitas.

Neste caso, as emoções e ações da maioria do povo católico não foram validadas, inclusive poderíamos dizer que foram ignoradas pela hierarquia local, assim como também pela Santa Sé e seu aparelho burocrático.

Recordemos que Jesus de Nazaré foi um homem de emoções: vimo-lo alegre e proclamando as bem-aventuranças como o máximo conselho para os seus discípulos; triste diante da morte de seu amigo Lázaro; irado com os vendedores do Templo; sentindo compaixão pelos doentes e marginalizados; temeroso diante da morte de cruz; esperançoso com o Reino de seu Pai; pedindo misericórdia e não sacrifício; pregando o amor com fatos e não com palavras ou dando a vida por seus amigos e a humanidade, entre outras emoções.

O próprio Francisco resumiu o essencial do Evangelho na emoção da alegria e convidou para desenvolver ainda outra emoção, a ternura. Ele nos chamou para mostrar um Deus amor e misericordioso e assim realizar a “revolução da ternura” (EG 88).

A filosofia da linguagem e sua vertente ontológica podem nos dar pistas para nos aproximarmos e entendermos as raízes profundas destas reações que permitem termos uma melhor empatia para com as pessoas que as estão vivendo, e não apenas julgá-las.

Apoiar-me-ei no método da chamada “Reconstrução linguística das emoções” (Julio Olalla) para expor brevemente um guia que pode enriquecer o “sujeito observador” que somos.

As emoções foram classificadas em seis grupos, dos quais comentaremos alguns.

Um grupo de quatro emoções relacionadas com a preocupação com a identidade pública ou privada que geramos em consequência de nossas ações. Elas são: arrependimento, culpa, vergonha e turbação. Poderíamos acrescentar outras, como remorso e humilhação.

A análise da reconstrução linguística utiliza a seguinte lógica, que ilumina o que estamos vivendo.

A culpa: Afirmo que fiz (ou não fiz) X. Julgo que não devia (ou devia) tê-lo feito. Julgo que violei meus próprios princípios e valores. Julgo-me como um ser humano inferior. Declaro que não posso me perdoar. Declaro que mereço ser castigado.

Esta emoção é provocada por eventos que julgaremos que afetam a nossa identidade privada. Revela padrões e valores que são criados em nossas mais antigas tradições e crenças.

No caso Karadima-Barros podemos observar esta emoção em vários atores de maneira diversa: Karadima e Barros não reconhecem nada. Eles não admitiram erros em suas ações. E, por outro lado, as vítimas foram presas da culpa e se vitimizaram durante décadas até que se atreveram a enfrentar os fatos e superar, em parte, a culpa.

A vergonha: Afirmo que fiz (ou não fiz) X. Julgo que não devia (ou devia) tê-lo feito. Julgo que violei alguns padrões desta comunidade. Julgo que isto afeta negativamente a minha identidade pública. Ofereço minhas desculpas aos afetados. Declaro meu desejo de desaparecer da face da Terra.

Aqui eu distinguiria dois tipos de predisposições para a ação:

  • Em um caso, reparar os danos causados, oferecer desculpas e encarar o juízo da comunidade.
  • No outro caso, a disposição de se esconder e não enfrentar.

Poderíamos chamá-las de vergonha responsável e de vergonha irresponsável, respectivamente. Para bom entendedor, meia palavra basta...

Há outro grupo de emoções que estão conectadas com a nossa preocupação pelo destino ou sorte de outras pessoas ou por ações que realizam e que não necessariamente nos afetam de forma direta. Estas são: solidariedade, inveja, admiração, desprezo, compaixão e pena são algumas delas.

A compaixão: Afirmo que a P lhe ocorreu X. Julgo que em consequência de X, P está sofrendo. Aceito que todos estejam sujeitos a tais riscos como parte da vida. Declaro que sofro com o sofrimento de P. Declaro minha disposição de ajudar.

Esta emoção esteve muito presente em leigos e agentes consagrados (padres, diáconos, religiosas), quando se manifestam de maneira aberta e atrevida contra a nomeação do bispo Barros.

Outras emoções têm a ver com a nossa preocupação com a defesa do que consideramos nossa independência, autonomia e dignidade: dos zelos, da raiva e da indignação.

A raiva: Afirmo que X aconteceu. Julgo que “alguém” (ou algo) é responsável por isso. Julgo que X prejudicou minhas possibilidades. Julgo que X é injusto (abusivo, descuidado). Declaro que desejo castigar este “alguém”.

Esta emoção é a que foi mais sentida muitos crentes e não crentes com a nomeação de Barros. Só assim se explica a virulenta reação na catedral de Osorno quando este tomava posse da diocese.

A raiva se transforma em indignação quando fica a sensação de que se rompe uma “promessa”, neste caso, quando a Igreja se compromete com a tolerância zero diante do abuso, em acreditar nas vítimas e castigar severamente os culpados. Estas promessas não são compreensíveis para a opinião pública quando se transfere o bispo Barros para a diocese de Osorno.

Por último, destacamos aquelas emoções que são provocadas por nossas próprias ações: orgulho, arrogância e satisfação.

A arrogância: Afirmo que fiz X. Julgo que o fiz porque normalmente sei como as coisas funcionam. Declaro que é raro que eu não saiba algo. Julgo que a maioria das pessoas é menos inteligente que eu. Julgo que as pessoas geralmente não sabem nada. Declaro não estar disposto a ouvir ninguém.

Animo-me a fazer algumas afirmações preliminares que devemos ter em conta em nossa vida pessoal e pastoral e, sobretudo, quando exercemos papéis de autoridade.

Ao olhar as notícias de televisão e sintonizar com as próprias emoções que senti nestas semanas, diante da nomeação do bispo Juan Barros como pastor de Osorno, com o conhecido rechaço transversal de um importante número de pessoas dessa cidade e em nível nacional (nestes últimos dias também em nível internacional), estamos confrontados, além das razões pastorais, sociais, teológicas e morais, com uma dimensão tão humana, embora pouco considerada no momento da tomada de decisões e na sua manutenção: o mundo das emoções.

  • Claramente, as emoções implicadas na maioria dos atores que intervieram nesta lamentável nomeação episcopal foram ignoradas ou minimizadas por nossos pastores e, especialmente, pelos que tiveram em suas mãos a ideia de propor ao Papa Francisco esta nomeação.
  • Parece que se cumpre o refrão popular que diz: Não há pior cego do que aquele que não quer enxergar. Mas neste caso se esteve cego, surdo e mudo diante de um clamor de emoções como o “medo, a raiva ou a pena”...
  • O pastor designado contra o parecer de muitos, pede racionalmente que seja escutado e se lhe dê uma oportunidade para que seja conhecido e se creia nele. Ele fez o mesmo esforço escutando e recebendo as vítimas como pede o Papa, que neste caso são seus acusadores diretos? É razoável, desde as emoções, esperar que se creia nele e se dê uma oportunidade diante de comportamento tão errado em seu polêmico vínculo com o condenado Karadima? Fez-se o mesmo exercício ao contrário? Dá a impressão de que é uma solicitação unilateral que não tem empatia com as emoções imperantes.
  • Penso que a Igreja hierárquica, seguindo o convite do Papa Francisco, deve cultivar mais profundamente a empatia com a sociedade atual, e em especial com os jovens. Aumentar a capacidade de implicar-se na dor do outro (Igreja-hospital de campanha), de pedir perdão, de se mostrar mais humana e frágil e não “sobrenatural”; maior proximidade com as vítimas, pois de outro modo, aprofundam-se os sistemas de exclusão e abuso de poder.