24 Março 2015
O eleitorado israelense deu ao homem mais forte politicamente do país, Benjamin Netanyahu, uma vitória calculada no começo desta semana, garantindo ao Partido Likud 30 dos 120 acentos no Knesset (parlamento) e abrindo a possiblidade para ele se tornar primeiro-ministro pela quarta vez.
A entrevista é de Gerard O’Connell, publicada pela revista America, 19-03-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Netanyahu arrancou esta vitória depois que agências de pesquisas previam uma derrota eminente. Ele concluiu sua campanha rejeitando uma solução com dois Estados para o conflito israelo-palestino – que já dura 67 anos – e prometendo continuar a construir assentamentos na Jerusalém Ocidental anexada, a despeito do Direito Internacional.
Ele derrotou o desafiador Isaac Herzog, líder da União Sionista, partido de centro-esquerda. Herzog prometia reiniciar as negociações de paz com os palestinos e melhorar as relações com o governo Obama. A União Sionista ganhou 24 acentos, com Herzog descartando participar de um governo de unidade nacional ao lado de Netanyahu.
A Lista Árabe Unida, que reúne os principais partidos árabes no país, ganhou 13 assentos e se tornou o terceiro maior bloco no Knesset, enquanto o partido de esquerda Meretz ganhou 5 assentos. A União Sionista e o bloco árabe têm, junto, 53 assentos no parlamento.
Netanyahu precisará de 61 votos para formar um governo. Ele tem esta possibilidade, porque os partidos de direita e religiosos, incluindo o de centro-direita Kulanu, ganharam um total de 67 assentos.
Para entender a significação do resultado da eleição desta semana e o que ela pode significar para esta terra, marcada por conflitos, contatei um conhecido jesuíta israelense, o Pe. David Neuhaus, astuto analista da situação política e social aqui.
Neuhaus nasceu e foi criado numa família judaica na África do Sul, e se tornou cidadão de Israel aos 17 anos. Após concluir o doutorado em Ciência Política na Universidade Hebraica de Jerusalém, ele se converteu ao catolicismo. Agora, Neuhaus vive na Cidade Santa onde trabalha como vigário do patriarca latino para os católicos falantes do idioma hebreu em Israel.
Eis a entrevista.
Como o senhor vê os resultados das eleições israelenses? Como Netanyahu venceu?
Acho que não devemos nos surpreender com os resultados das eleições. Muitos israelenses votaram em Netanyahu não porque confiam nele, mas porque não viam outra opção. O candidato Herzog foi visto como sem experiência e sem carisma. Estas eleições foi menos um voto de apoio a Netanyahu e mais uma expressão de desespero. Importa notar que, uma vez mais, 21 acentos – uma grande porcentagem de votos – foram para dois partidos que, na maior parte, não têm uma opinião política sobre as questões centrais que o país enfrenta (são os partidos dos candidatos Lapid e Kahlon). A campanha eleitoral do partido de Herzog se focou não nos problemas reais (a Ocupação e as relações com os palestinos, a economia, etc.), mas em ataques mesquinhos contra Netanyahu, sua esposa e o Partido Likud. Os resultados das eleições expressam o sentimento de frustração que muitos tiveram.
O senhor vê alguma coisa de positivo nestes resultados?
O que poderia ser positivo nestas eleições? Em primeiro lugar, aos que esperavam que a dinâmica para a mudança viria de dentro, não foi isto o que aconteceu. Mesmo assim, poder-se-ia esperar que a oposição interna pode, agora, unir aqueles da Diáspora Judaica que se preocupam com a escalada do extremismo e do racismo em Israel e, o que é mais importante, a comunidade internacional, tudo a fim de mostrar ao governo israelense as consequências de possíveis escolhas desastrosas. Dentro da retórica de uma campanha eleitoral, Netanyahu manifestou o seu desdém para a solução com dois Estados, defendida pela comunidade internacional e pela maioria dos judeus americanos. Ele também falou com desprezo sobre os cidadãos árabe-palestinos de Israel, assim revelando tendências que são antidemocráticas. Aos que acreditam que a única maneira de mudar a realidade na questão Israel/Palestina é através da pressão internacional, os resultados das eleições são, com certeza, um indício claro de que chegou a hora de se exercer esta pressão.
Uma outra consequência positiva pode ser que a oposição dentro do parlamento israelense seja uma oposição forte. Espera-se que o líder político Herzog permaneça fiel a sua palavra e não participe de um governo de unidade nacional. Em vez disse, espera-se que ele faça uma aliança estratégica com os partidos que se opõem, com vigor, à visão de Netanyahu e que, juntos, formulem uma proposta de futuro baseada nos valores que eles, em tese, partilham de justiça, paz e desenvolvimento.
O terceiro maior partido é a Lista Árabe Unida, que é uma interessante coalizão de comunistas, nacionalistas árabes e islâmicos que formulou uma colaboração com base numa abordagem bastante madura sobre algumas questões que estão em jogo. Apesar das enormes diferenças entre os vários membros desta coalizão, eles identificaram os principais problemas que o país encara (paz, justiça e a luta pela democracia) e vêm abrindo o caminho no sentido de mostrar que os problemas partidários devem ser postos de lado.
O que os EUA e a União Europeia poderiam fazer se Benjamin Netanyahu se tornar o primeiro-ministro novamente e seguir adiante com a construção de mais assentamentos e rejeitando a solução com dois Estados?
Eu esperaria que, dentro de um ou dois anos, a comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos e União Europeia, fosse muito mais incisiva no apoio ativo à solução com dois Estados. Até o presente momento, Israel foi capaz de se opor a esta solução, de construir assentamentos e restringir a participação dos palestinos em todos os níveis sem nenhuma consequência real. Não se deve permitir que Israel continue trilhando este caminho suicida, com a comunidade internacional ficando em silêncio. O caminho, daqui para frente, não ficou facilitado após as eleições, mas os seus resultados ajudam a clarear onde estamos neste momento e, pelos menos, esta clareza deveria ajudar os que se interessam em promover a justiça e a paz. Ao menos, algumas ilusões e falsas esperanças se dissolveram no rescaldo dos resultados destas eleições.
Como os cristãos no Estado de Israel veem os resultados da eleição? E o que a Igreja pode fazer nesta situação?
Quanto aos cristãos, precisamos considerar dois grupos distintos. Aqueles que são cidadãos árabe-palestinos de Israel mostraram que o fato de serem cristãos não os faz menos árabe-palestinos. As tentativas das autoridades de dividi-los não tiveram sucesso e a Lista Árabe Conjunta têm dois cristãos em suas fileiras. O futuro dos cidadãos cristãos árabe-palestinos de Israel dá-se ao lado de seus irmãos e irmãs muçulmanos e drusos na luta pela paz, justiça e igualdade.
Muito mais preocupante é o destino dos migrantes – muitos cristãos entre eles – que são ameaçados por um governo que pode ser ainda mais cruel, racista e discriminatório contra eles no futuro. Há elementos no partido de Netanyahu que formularam um forte discurso de desprezo e hostilidade contra os trabalhadores migrantes e aqueles que buscam asilo em Israel, e isso não prediz nada de bom para o futuro. Naturalmente, as vozes destes imigrantes não foram ouvidas nas campanhas eleitorais, já que eles não têm representação.
Como católico israelense, volto finalmente à visão, ao discurso e ao ensinamento que se desenvolveu na Igreja, especialmente depois das visitas papais de Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e, mais recentemente, do Papa Francisco. As alternativas oferecidas aí ficaram, ainda mais, cristalinas atualmente. Aqui, há um verdadeiro tesouro no sentido de promover uma visão desta região que está em nítido contraste com o discurso daqueles que se deram bem nestas eleições. É ainda mais urgente que este tesouro seja partilhado com todos nos próximos anos.
O senhor pode explicar a visão que a Igreja Católica tem a oferecer a esta terra, especialmente após as visitas dos quatro papas ao longo dos últimos 50 anos, e daquela feita pelo Papa Francisco no ano passado?
Quando fala sobre esta terra, a Igreja o faz com um profundo respeito por todos os que vivem aqui e chamam esta terra de lar. Reconhecendo que esta terra tem uma vocação especial, a Igreja envolve israelenses e palestinos, judeus, muçulmanos e cristãos, desafiando-os, todos, a olharem novamente e, em lugar de ver muros e obstáculos, verem pontes e mãos estendidas, prontas a colaborar. A linguagem da Igreja, desenvolvida especialmente nas visitas dos quatro papas que vieram em peregrinação bem como pela Igreja local, insiste nas palavras “irmão” e “irmã”, em vez de “inimigo”, tentando convencer a todos de que o nosso amado Pai está profundamente triste pela situação, pela violência, pela discriminação e pelo desprezo que reinam supremos.
Durante as visitam que fizeram, os papas puseram abaixo os muros ao caminhar, livremente, por esta terra, não apenas indo aos santuários que consideramos sagrados, mas também prestando tributos de respeito a todos os líderes políticos e religiosos e, o que é mais importante, indo aos lugares simbólicos que lembram as dores e alegrias tanto dos israelenses quanto dos palestinos. Esta dança de pôr abaixo os muros, as palavras que os rejeitam e propõem pontos alcançou um novo pico quando Francisco abriu a sua casa, no Vaticano, aos dois chefes de Estado para virem e se colocarem diante de Deus.
O Papa Francisco de fato definiu o discurso, a visão e o método alternativo quando disse, durante aquele evento: “Sabemos e acreditamos que necessitamos da ajuda de Deus. Não renunciamos às nossas responsabilidades, mas invocamos a Deus como ato de suprema responsabilidade perante as nossas consciências e diante dos nossos povos. Ouvimos uma chamada e devemos responder: a chamada a romper a espiral do ódio e da violência, a rompê-la com uma única palavra: ‘irmão’. Mas, para dizer esta palavra, devemos todos levantar os olhos ao Céu e reconhecer-nos filhos de um único Pai”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
EUA e UE devem aumentar a pressão para a solução com dois Estados na Terra Santa, diz jesuíta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU