Por: Jonas | 09 Março 2015
Uma história inconclusa remexe a Europa, Podemos, na Espanha, e Syriza, na Grécia, levantam-se contra as políticas neoliberais de ajuste que levaram à quebra da Grécia e afundaram na miséria milhares de europeus. A chave de tudo é um setor financeiro, sobretudo alemão, que empresta para países quebrados, mas cobra. Para isso, um bem montado esquema político e financeiro serve de apoio a essas demandas e se transforma em um enorme “aspirador”, que transfere recursos dos Estados do Sul para os do norte da Europa. Impõe, além disso, drásticos cortes de serviços e empregos públicos, e aplicam medidas para baratear o custo da mão de obra, precarizando o emprego.
Surgem, então, movimentos como o Syriza, na Grécia, e Podemos, na Espanha. O Syriza venceu as eleições em janeiro e formou governo. Sua primeira medida foi anunciar o fim do programa de ajustes: não mais privatizações, nem demissões. Seu desafio é como financiar os gastos públicos que, em troca das políticas de privatizações e cortes, até agora eram sustentados pelo banco europeu: mais dívidas, para pagar dívidas.
Se o Syriza governa Grécia, na Espanha o fenômeno Podemos assusta os demais partidos e os políticos conservadores europeus. Uma direita formada pela mais tradicional, a de origem franquista, e a outra, derivada da queda socialista, ataca-lhe todos os dias, em uma tentativa de afundar o novo partido.
Universidade/Rebelión conversou, em Madri, com Carlos Fernández Liria, figura destacada do Podemos, autor de livros polêmicos, entre eles um que escreveu com Luis Alegre, secretário geral do partido em Madri: “Compreender a Venezuela, pensar a democracia”.
Com o olhar sobre os acontecimentos políticos deste outro lado do oceano, não nos deve estranhar que Fernández Liria nos lembre de que “a América Latina mostrou que o neoliberalismo não é invencível”.
A entrevista é de Gilberto Lopes, publicada por Rebelión, 05-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você disse que “pessoas de vinte anos, não se sabe como, construiu um acontecimento histórico, certamente o mais importante que ocorreu na Espanha desde a transição”. Pode nos explicar como, em sua opinião, isto foi possível?
Podemos começou com a “Juventude sem Futuro”. E a “Juventude sem Futuro” surgiu do âmbito universitário de Madri, de alunos que foram contra o processo de Bolonia, uma iniciativa neoliberal para a universidade. Pessoas muito jovens, de 18, 20 e 22 anos, rapidamente convocaram uma manifestação que, de forma inexplicável, reuniu uma quantidade de pessoas que ninguém esperava.
Isso foi o início de tudo, um mês antes do dia 15 de maio de 2011! (o 15M que depois se tornou o “Movimento dos Indignados”). Fizeram uma campanha muito diferente da tradicional, sem bandeiras vermelhas, nem republicanas. Iam com camisas amarelas, sem se identificar com nenhum partido. Isso explica parte de seu êxito.
Os jornalistas disseram que suas demandas eram muito conservadoras. Pediam casa, direito a trabalho fixo e a permanecer na Espanha, sem a necessidade de imigrar para encontrar trabalho, a ter uma família, a esperar uma aposentadoria. Também falavam contra a agressão neoliberal à educação.
Em seguida, houve dois anos de manifestações contínuas, muito massivas. Porém, as pessoas sentiam que iam para casa e não acontecia mais nada. Ficavam muito deprimidas... Havia muita zombaria. A dirigente do Partido Popular em Madri, Esperanza Aguirre, dizia que os manifestantes não conseguiam nem encher o Estádio Santiago Bernabéu, do Real Madrid. “Façam o que quiserem, não vamos nos importar com vocês”, diziam. Se são uma força importante, “apresentem-se nas eleições”.
Por isso, o líder do Podemos, Pablo Iglesias, disse que Esperanza Aguirre foi quem lhes sugeriu que se apresentassem nas eleições. A grande surpresa é que se apresentaram nas eleições europeias e tiraram 1,5 milhão de votos, com cinco eurodeputados. Começaram a disparar em todas as pesquisas. Neste momento, o Podemos já é a primeira força política do país.
Você disse que “a lei não é feita para as pessoas ricas”. Bastaria fazer com que a lei fosse cumprida – que sejam cobrados os impostos que é preciso cobrar, etc. – para tornar viável o programa do Podemos, que os mais conservadores afirmam ser inviável?
Sim, isso é exatamente uma coisa sobre a qual Luis Alegre insistiu muito. Muitas pessoas nos dizem que o programa do Podemos é inviável economicamente. Não precisaria ser comunista para fazer este movimento. Bastaria mostrar que este sistema não permite que se alcance os direitos mais fundamentais.
Alegre disse que bastaria que a lei fosse cumprida para que se tornasse viável. No entanto, respondem-nos que se obrigarmos as empresas a cumprir a lei, elas vão embora do país. Então, está claro que as empresas estão fora da lei. Sendo assim, em que sistema estamos? Isto não é um Estado de direito, quando nos dizem que não podemos fazer leis contra o dinheiro, porque vai embora. Não se pode fazer com que o dinheiro cumpra as leis.
Podemos já é tratado como uma alternativa de poder. Como se transformou nisso?
Podemos é uma alternativa eleitoral ao bipartidarismo. Ao poder, parece-me exagerado dizer. Não são os partidos que têm o poder, mas, sim, os bancos, o Banco Central Europeu (BCE) e a Alemanha.
Esse é o problema dos gregos: venceram as eleições, mas não têm o poder. Com o Podemos acontecerá o mesmo. Nós podemos vencer as eleições, mas o poder será necessário conquistar depois.
Se, em sua opinião, “fora do Podemos não restará mais do que uma oposição golpista, mas muito poderosa”, no caso de uma vitória do Podemos (como a do Syriza, na Grécia), surgiriam cenários golpistas na Europa?
Na Europa, não é preciso recorrer a golpes de Estado militares. Podem nos estrangular com golpes de Estado financeiros. Para isso montaram o Tratado de Maastricht, um Banco Central Europeu independente, sem controle parlamentar, e para isso querem montar o TTPI, uma nova versão do Acordo Multilateral de Investimentos (AMI). Então, não é necessário golpes de Estado. De qualquer modo, vão gerar violência nas ruas. O último recurso, como já vimos, é promover “revoluções laranja”, como na Ucrânia.
Dentro do Podemos se renova um velho debate sobre a organização do partido, sobre o papel dos dirigentes, sobre o que devem ser as estruturas democráticas, sobre a unidade da esquerda. Como se dá isso dentro do Podemos?
No momento, Luis Alegre ocupa a candidatura do Podemos na capital. Sua principal rival era a lista que é encabeçada por Miguel Urbán. Se Luis tivesse perdido, teriam vencido os que querem a “não organização”. Seria o fim do Podemos na comunidade de Madri. Há muitas críticas da esquerda. Há os que dizem que vencer as eleições não é importante. Isso é uma armadilha, um perigo gravíssimo.
Contudo, se realmente temos um programa de esquerda, que dano pode nos causar ter acesso à televisão, a mais meios do que os que temos agora?
Tampouco a Esquerda Unida irá sobreviver. Irá se afundar por completo. Tania Sánchez, ex-candidata da Esquerda Unida à presidência da Comunidade de Madri, saiu do partido e com ela sairá todas as pessoas boas da Esquerda Unida.
Há um problema muito grande. Os eleitores do Podemos não querem saber de modo algum da Esquerda Unida, porque, para eles, a Esquerda Unida faz parte do que consideram “a casta”. Os eleitores querem algo diferente, que não tenha existido, algo refrescante.
O que podemos fazer? Não podemos nos unir, porque as pessoas não a querem.
O que deveria acontecer? Que Tania e os que saíram montem uma plataforma de convergência.
Em Madri, além do Podemos, também existe o Ganhemos Madri. Eles não quiseram se envolver com o Podemos. Assim como o Podemos também não quis se unir a eles, porque aí estava Esquerda Unida.
Pensam que vale mais a pena o municipal. Quiseram montar uma candidatura conjunta para a corporação municipal e isso ainda não foi resolvido. É o que se chama de confluência de todas as forças de esquerda para vencer a disputa. A saída de Tania da Esquerda Unida foi um primeiro passo importante nessa direção.
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“A América-Latina mostrou que o neoliberalismo não é invencível”. Entrevista com o filósofo Carlos Fernández Liria, do Podemos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU