24 Fevereiro 2015
Nesta semana, durante o encontro anual do Bispo de Roma com os padres locais, Francisco proferiu um discurso sobre homilética, após o que respondeu a perguntas. Algumas de suas respostas chamaram a atenção em particular. Primeiro, o papa anunciou que a questão de padres casados “está em minha agenda”. Perguntado se padres que se casaram poderiam receber uma permissão para celebrar a missa, Francisco disse que a Congregação para o Clero está estudando o assunto, mas que “se trata de um problema que não tem uma solução fácil”.
A reportagem é de Grant Gallicho, publicada pela revista Commonweal, 20-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A abertura do Papa Francisco para padres casados não é, em si, grande novidade. Antes de ser eleito papa, ele já reconhecia que o celibato clerical é uma questão de tradição, não de doutrina: “Pode ser mudado”. E em maio de 2014 Francisco deu a entender que ele estaria aberto a mudar a tradição. Há poucos meses, o Vaticano finalmente abrandou uma regra que restringia os bispos do Rito Oriental de ordenar homens casados que ministravam fora de seus países de origem. Então, não é tão surpreendente ouvi-lo dizer que o assunto está em sua agenda.
O que causou surpresa foram os comentários do Papa Francisco sobre a Missa Latina – ou, como ficou conhecida após Bento XVI aprovar o seu uso em 2007 de maneira mais ampla, a “Forma Extraordinária”. Francisco chamou esta decisão de uma “ajuda corajosa aos lefebvrianos e tradicionalistas”, nenhum dos quais parecem estar gostando do sucessor de Bento XVI. É o que informa a agência de notícias Zenit:
O Papa notou que existem padres e bispos que falam de uma “reforma da reforma”. Alguns deles são “santos” e falam “de boa fé”. Mas isto “é um equívoco”, disse o Santo Padre. Ele então se referiu ao caso de alguns bispos que aceitaram seminaristas “tradicionalistas” que foram expulsos de outras dioceses sem buscar informações sobre eles, porque “estes se apresentaram muito bem, eram muito devotos”. Em seguida, foram ordenados, mas se revelaram, mais tarde, como tendo “problemas psicológicos e morais”.
A assim-chamada reforma da reforma foi, evidentemente, um dos principais legados de Bento XVI. Os reformadores americanos da reforma ficaram satisfeitos quando o Papa Bento dispensou a tradução inglesa da Missa Romana e, em 2011, forçou a Igreja americana a aceitar uma nova versão – uma que adere servilmente ao latim original – com a qual os padres não estavam ainda familiarizados.
Naturalmente, os tradicionalistas não estão satisfeitos com a crítica do Papa Francisco sobre a reforma da reforma. Ele é o primeiro papa cuja ordenação deu-se após o Vaticano II – e suas preferências litúrgicas mostram isso. Estes comentários apenas confirmam o que vem sendo óbvio desde a sua eleição: O Papa Francisco não está muito interessado nas questões inofensivas dos tradicionalistas litúrgicos. Mas aquilo que ele falou sobre os “problemas psicológicos e morais” de alguns seminaristas tradicionalistas teve um impacto significativo.
Voltemos a 'Zenit':
Não é uma prática, mas “acontece frequentemente” nestes ambientes, ressaltou o papa, e ordenar este tipo de seminarista é como “penhorar a Igreja”. O problema subjacente é que alguns bispos se preocuparam com a “necessidade de novos padres na diocese”. Assim, não fazem um discernimento adequado entre os candidatos, entre os quais alguns poderão estar escondendo “desequilíbrios” que, depois, se manifestam nas liturgias. De fato, a Congregação dos Bispos – o pontífice passou a dizer – precisou intervir em três casos, ainda que não tenham acontecido na Itália.
Pelo menos um tradicionalista considera condenatórias e insolentes estas declarações do papa, e eu posso compreender o porquê. O papa, no entanto, está falando a partir da experiência. Aparentemente, ele não nomeou a pessoa que tinha em mente, mas é difícil não pensar no bispo deposto Dom Rogelio Livieres Plano, ex-bispo da diocese paraguaia de Ciudad del Este. Ele é quem acolheu de braços abertos a Fraternidade de São João, grupo de tradicionalistas expulsos da cismática Fraternidade de São Pio X, os quais fundaram uma residência na Diocese de Scranton, na Pensilvânia, onde o então bispo James Timlin (conhecido por ter uma queda pela Missa Latina não reformada) fez muito pouco para conter as despesas generosas e os hábitos incomuns dos membros da Fraternidade de São João, inclusive do padre Carlos Urrutigoity, fundador da Fraternidade, quem deu início a uma ação por conduta sexual imprópria a qual acabou sendo direcionada contra ele e outros em Scranton, onde a Fraternidade foi, por fim, suprimida pelo sucessor de Dom James Timlin, e quem aparentemente continua sendo padre ativo em algum lugar na Ciudad del Este, mesmo enquanto outros membros da Fraternidade estão em outras partes da América do Sul. Até mesmo Timlin reconheceu que um efeito colateral do escândalo envolvendo a Fraternidade de São João era o de que “muitas pessoas tiveram a confirmação de suas crenças segundo as quais os movimentos tradicionalistas são feitos de pessoas contenciosas que não podem progredir”.
A Fraternidade de São João encontrou proteção em alguns círculos católicos – e angariou milhões – fazendo marketing de si própria como defensora da Missa Latina. Dom Joseph Martino, da Diocese Scranton (hoje emérito), quem rapidamente se pôs a suprimir a Fraternidade após suceder Dom James Timlin, disse que a defesa da liturgia latina feita pela organização o forçou a agir com cautela enquanto tentava expulsar o grupo de sua diocese.
Dom Joseph Martino suspeitava que os membros desta Fraternidade estavam “denegrindo” o seu nome “numa época em que a Santa Sé, o Papa [Bento XVI] estavam pedindo que os bispos fossem simpáticos àqueles que poderíamos chamar de tradicionalistas, estes que preferem a missa como era celebrada [em latim] até 1962”, disse. “A última coisa que eu queria era ser considerado um esquerdista liberal que perseguiu este grupo simplesmente porque eles eram antiquados ou conservadores”, continuou Martino.
Os membros da Fraternidade de São João pertenciam a uma classe protegida. É por isso que, após deixarem Scranton e irem para o Paraguai buscando uma aprovação formal para a transferência, contaram com o apoio do Cardeal Arinze, entusiasta da Missa Latina que, na ocasião, estava no comando da Congregação para o Culto Divino.
Martino alertou a todos os bispos que o ouviram – incluindo autoridades vaticanas e o bispo da Ciudad del Este – de que membros da Fraternidade representavam um risco. Arinze posteriormente lhes deu o seu aval, tendo mais tarde pedido desculpas por “meter o nariz onde não fora chamado”, nas palavras de Martino. Segundo Livieres, está claro que Arinze não era a única autoridade do Vaticano a dar o seu carimbo de aprovação a Urrutigoity: Joseph Ratzinger o deu também.
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Papa Francisco: Padres casados estão “em minha agenda”; “reforma da reforma” nem tanto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU