15 Dezembro 2015
"A onda das ocupas, que contagiou o resto do mundo, pode ser vista a partir das inovações irreversíveis que foram produzidas, mas também através de seus impasses e derrotas. Como situar um possível retorno das ocupações do ciclo 2010-2015 no Brasil? Como se articula o terreno de composição social e política no qual estamos situados? Quais são as amarras existentes para que as ocupas possam significar a proliferação de múltiplas assembleias constituintes diante da profunda crise política, econômica e ambiental que nos atravessa?", questiona Alexandre F. Mendes[i], professor de direito da UERJ, ex-defensor público do estado do RJ e participante da Rede Universidade Nômade, em artigo publicado por UniNômade, 14-12-2015.
Eis o artigo.
Introdução
A ideia de escrever este texto surgiu do pedido de estudantes da UERJ para eu publicasse um pequeno parágrafo em apoio à ocupação estudantil, iniciada no primeiro dia de dezembro de 2015. Recebi o pedido como um desafio para problematizar as recentes experiências de ocupação estudantil no Brasil, a partir do caminho percorrido pelo ciclo global de ocupas nesses últimos cinco anos e, no contexto brasileiro de crise, das possibilidades e impasses enfrentados pelos atuais processos de luta e dissenso.
Acabei escrevendo um texto longo e abrangente, talvez cansativo, mas que levanta pontos que, a meu ver, podem colaborar com os debates que estão acontecendo nas ocupações e, a partir delas, nas discussões sobre as alternativas possíveis ao momento político que estamos atravessando. Mas é apenas um mapa provisório, uma foto instantânea de pesquisas realizadas anteriormente e outras que estão em andamento.
Considerei, no percurso do texto, mais vantajoso insistir nos pontos de emergência de possíveis processos instituintes – as ocupações como “assembleias constituintes contemporâneas” (distintas das assembleias representativas modernas) – a depositar minhas energias em falsas soluções emanadas do poder instituído, principalmente do poder emanado das togas (incapaz e sem legitimidade, todos concordariam, de abrir processos políticos democráticos que promovam um movimento “de baixo para cima”).
Mas a insistência é acompanhada de muitas dúvidas, da busca constante de algum “ar para respirar”, em meio a uma quantidade enorme de situações de bloqueio, paralisia e afetos negativos. Um bloco pesado e cinza que mortifica todas as experiências possíveis e que atinge e atravessa todas as gerações, reduzindo a atividade política a uma utopia negativa ou a um katechon[ii]: a política de defesa do suposto “mal menor”, a vitória do medo sobre a esperança.
O método da copesquisa[iii], neste sentido, serve não apenas para afirmar que a produção de conhecimento é sempre parcial, e que, portanto, o saber não se separa das relações estratégicas e das formas de governar as condutas, mas para inserir, no mesmo movimento, a pesquisa num conjunto móvel de linhas de ação possíveis e na composição de forças criativas que ousariam perfurar situações de impasse e bloqueio. Pelo mesmo motivo, a copesquisa não seria outra coisa que uma prática coletiva: um agenciamento entre sujeitos localizados que, em suas diferenças e conflitos, podem cooperar.
Dito isso, posso sintetizar a argumentação realizada no texto em quatro pontos:
a) Uma reflexão sobre o estágio atual do ciclo de ocupações de 2010-2015, através do reconhecimento de inúmeros casos de restaurações e fechamentos que estão sendo realizados, além do evidente esgotamento da dinâmica constituinte da América Latina iniciada na década de 2000;
b) A forma específica assumida pela crise global de 2008 no Brasil e sua inserção no contexto mais amplo e duradouro das transformações da composição social do trabalho nas últimas décadas;
c) A leitura das ocupações estudantis como uma possível ferramenta de luta praticada pelos estudantes contemporâneos, aqui caracterizados a partir da condensação de figuras subjetivas da crise (o sujeito endividado e precarizado) e da sua relação com as transformações do mundo do trabalho. Por outro lado, a análise das ocupações como espaço contraditório entre diferentes formas de organização, atravessado pela crise da representação, e os desafios colocados no campo da produção de subjetividade (a relação entre precariedade e diferença);
d) O dilema do poder destituinte/constituinte como chave central para compreendermos a greve estudantil na sua relação como os modos de produção contemporâneos, e na sua inserção no contexto específico de crise. A incapacidade de liberar todo o potencial do poder destituinte/constituinte como possível bloqueio para a formação de uma mobilização social (a difusão das assembleias) que seja capaz de enfrentar a crise num terreno de reinvenção democrática.
Como um trabalho em andamento, pretendo que esses quatro pontos sejam discutidos em novos encontros com estudantes e, se for o caso, reformulados de acordo com as trocas realizadas nos futuros debates e nas rodas de conversa. Com o esvaziamento de comunicação realizado nas redes sociais em razão das falsas polarizações agenciadas pelo atual sistema político, creio que este seja o melhor método para recuperamos a capacidade de articular um saber vivo produzido como prática de liberdade.
1. O novo ciclo global de 2010-2015
Entre 2010 e 2015, um novo ciclo de lutas global se afirmou, construindo o cenário de um complexo jogo de contágios, proliferações, emergências, reviravoltas, restaurações e contínua renovação de ações criativas e constituintes. Ele coloca em questão as novas possibilidades de se reinventar a democracia em um século que consolida um infinito repertório de controle e gestão securitária da vida. O que pode o ciclo de ocupações que atravessou o mundo?
Um longo roteiro[iv], cheio de traços singulares e comuns, pode ser traçado: na Tunísia, as lutas urbanas desencadeadas quando o “camelô” Mohamed Bouazizi se imolou ao ter sua barraca apreendida, resultou na queda do regime de Ben Ali e em novas possibilidade democráticas; no Egito, a derrocada da ditadura de Mubarak, através da ocupação permanente da Praça Tahrir deu visibilidade a uma processo que iria tomar vários países; inspiradas pelos ventos árabes, a proliferação das acampadas espanholas[v] no longo verão de 2011 (o movimento 15M) e na praça Syntagma na Grécia recolocou a questão da democracia em plena crise financeira; na Islândia o calote plebiscitário digital, que inverteu a lógica de salvação dos bancos, inaugura uma experiência constituinte em rede sem precedentes (um crowdsourcing constitucional); no outono de 2011, a ventania cruza o Atlântico e chega aos Estados Unidos, atingindo o coração do mercado financeiro representado por Wall Street. O touro de bronze é cercado pelo movimento Occupy[vi], transformando-se no estopim para ocupas que florescem em centenas de cidades do mundo inteiro através da afirmação “nós somos os 99%” (um verdadeiro bull spread dos movimentos); no final de 2011 até 2013, é a vez da América Latina[vii] testemunhar a luta dos estudantes no Chile, o movimento mexicano #YoSoy132 e, no Brasil, as Jornadas de Junho de 2013, com seu repertório de protestos de rua, assembleias horizontais, ocupações permanentes e a autoformação de uma rede ativista de suporte inédita na história recente do país; por sua vez, os protestos iniciais contra o aumento das tarifas no Brasil foram inspirados na ocupação, um mês antes, do parque Gezi, situado na Praça Taksim de Istambul, onde a multidão turca derrota o empreendimento urbano de construção de um Shopping Center que destruiria o livre usufruto do espaço público; em outubro do mesmo ano, a ocupação da praça Maidan[viii], na Ucrânia, protagonizou um dos episódios mais sangrentos de todo o ciclo, sendo rapidamente tragado por interesses geopolíticos das grandes regiões e nações; em 2014, , em Hong Kong, as ocupas retornam através de um contagiante e surpreendente movimento onde milhares de guarda-chuvas são abertos nas praças da Avenida Tin Mei para denunciar o controle político de Pequim sobre o processo eleitoral da ilha; em 2015, uma articulação municipalista entre cidades espanholas[ix] demonstra que o ciclo de lutas pode articular confluências que produzam candidaturas cidadãs, pautando uma nova relação transformadora entre novas e velhas institucionalidades; não à toa, as novas prefeituras democráticas são as primeiras a manifestar apoio incondicional aos milhares de imigrantes que ocupam e atravessam as fronteiras com a bandeira da União Europeia na mão, caminhando por dentro e contra os estados nacionais – uma renovação concreta de um tipo de aliança que já estava sendo inscrita, em 2010, no início do ciclo de lutas.
Contudo, se podemos descrever um repertório vivo de práticas instituintes, os últimos cinco anos também reuniram uma série de restaurações operadas “por cima”: a multidão do norte da África é atropelada por contendas militares alimentadas por elites nacionalistas, grupos radicais religiosos, além de se tornar palco de grandes operações da OTAN, da Rússia e dos EUA; no resto do mundo, as praças foram desocupadas sem que uma alternativa que mantivesse a abertura democrática do processo fosse inventada (com exceção do caso espanhol); na América Latina, o esgotamento político-econômico dos “governos progressistas”[x] (sendo confirmado agora pelas primeiras derrotas eleitorais) funciona como restauração de velhas forças conservadoras, mas, principalmente, como fonte de paralisia para novos movimentos e lutas constituintes; no Brasil, a liberdade e a criatividade de Junho foram solapadas por uma mistura de estruturas repressivas e táticas de chantagem eleitoral promovidas pela tradição de esquerda (no governo e para além), desqualificando e modificando totalmente o terreno de conflito e debate produzido nas jornadas; na Europa, os atentados de Paris se transformaram em oportunidade para a proliferação, em ritmo exponencial, dos discursos nacionalistas, securitários e anti-movimento (mesmo assim, Paris deu demonstração de vida e resistência contra o medo no último protesto em torno do clima).
Diante desse contexto, a onda das ocupas, que contagiou o resto do mundo, pode ser vista a partir das inovações irreversíveis que foram produzidas, mas também através de seus impasses e derrotas. Como situar um possível retorno das ocupações do ciclo 2010-2015 no Brasil? Como se articula o terreno de composição social e política no qual estamos situados? Quais são as amarras existentes para que as ocupas possam significar a proliferação de múltiplas assembleias constituintes diante da profunda crise política, econômica e ambiental que nos atravessa?
2. As três faces da mesma crise
O ciclo de 2010-2015 não pode ser analisado sem comentarmos a dimensão global do impacto da crise financeira dos subprimes[xi] e seus impactos no contexto brasileiro. No caso europeu, a reação da Troika[xii] revelou que a unidade da Constituição Europeia não encontrava qualquer lastro, nem nas novas práticas participativas exortadas pelos teóricos da governance, nem na retórica de integralidade dos direitos humanos inspirada nos ideários da década de 1990. Diante da fraqueza do reformismo europeu, apareceu a face nua e crua de uma unidade financeira calcada na ortodoxia, na dureza das negociações, na socialização desigual dos prejuízos e na dificuldade, inclusive, de implementar um programa efetivo de refúgio humanitário.
No Brasil, a crise global apareceu através de um duplo aspecto que só pode ser percebido se afastarmos a premissa de que a crise teria chegado somente em 2015, quando ficou evidente a deterioração dos indicadores econômicos. Ao contrário, é preciso compreender que a crise global realizou uma verdadeira inflexão (negativa) nas políticas brasileiras, desde 2008, operando o encerramento das tímidas, mas efetivas, brechas constituídas no governo Lula com relação a novos tipos de desenvolvimento e de políticas sociais[xiii].
Primeira face da crise: na Casa Civil e depois na Presidência, Dilma Rousseff acelera uma tendência, já presente desde 2003, de fortalecimento de uma visão neodesenvolvimentista da economia[xiv], baseada em grandes players nacionais que, irrigados por dinheiro público, deveriam ampliar a presença brasileira na economia nacional. O Brasil Maior lança voo prometendo um novo protagonismo econômico alimentado pela energia das grandes barragens, pela exportação de soja, petróleo e minério de ferro (principalmente para a China) e a constituição de um mercado interno sempre aquecido pela denominada nova classe média.
As políticas sociais e de consumo são deslocadas para uma pauta “anticíclica” voltadas para o aquecimento forçado do setor produtivo, através de subsídios e desonerações (em especial dos setores automotivos e de bens duráveis). A crítica da urbanista Raquel Rolnik, nesse tópico, não poderia ser mais adequada: “o ponto falho é que casa não é geladeira, não se produz em série”[xv]. Aos grandes projetos, somam-se os grandes eventos: mais desonerações, mais comprometimento de recursos públicos e praticamente nenhum efeito redistributivo.
A falência do Brasil Maior[xvi], como resposta para a crise de 2008, pode ser ilustrada em alguns episódios conhecidos da atual crônica nacional: a quebra de Eike Batista, o fiasco da Copa do Mundo, a lama destruidora da Samarco/Vale, a prisão de Marcelo Odebrecht e as conversas de Delcídio do Amaral. O processo de redução da desigualdade está interrompido, com projeções de reversão dos índices. O atabalhoado programa de subsídios mostra seu efeito reverso exigindo um aumento generalizado dos preços administrados, tendo impacto generalizado nos índices de inflação. O mesmo fenômeno se reproduz com relação à queda “na marra” das taxas de juros, que agora retornam em taxas ainda mais elevadas que as anteriores, completando um cenário de recessão, inflação e juros altos.
A segunda face da mesma crise é revelada, agora, com o programa de ajuste fiscal e da chamada “Agenda Brasil”, cujo esforço de implementação é o único alicerce verdadeiramente estável do atual governo. Nos moldes europeus, a crise é socializada de forma desigual, através de cortes nos direitos sociais, redução de direitos previdenciários e das políticas sociais, aumento de tributos, suspensão de concursos públicos e das recomposições salariais e contingenciamento orçamentário. Nos estados e municípios, o impacto é ainda mais forte com ameaça às despesas básicas, incluindo o pagamento de salários, aposentarias e pensões de servidores públicos.
No campo da composição social do trabalho, a hibridização entre neodesenvolvimentismo e neoliberalismo acaba por reforçar e aprofundar de forma acelerada o fenômeno da precarização. Diferentemente da utopia desenvolvimentista clássica, a aposta em grandes projetos de desenvolvimento não produz um extenso chão de fábrica de trabalhadores empregados (com acesso aos direitos), mas um rápido crescimento de todas as formas de trabalho precarizado, incluindo o trabalho escravo. Para dar um exemplo, a revolta da usina de Jirau (Rondônia), em 2011, revela de maneira imediata como se conforma a figura do operário contemporâneo: um batalhão de trabalhadores terceirizados, quase escravizados, alocados em alojamentos sem qualquer higiene, recebendo alimentação estragada, distantes de qualquer sindicalismo efetivo e, quando se insurgem em razão dessas condições, são recebidos primeiramente pela Força Nacional.
A situação está longe de ser um problema restrito aos locais afastados dos grandes centros urbanos. O escândalo da descoberta de trabalho escravo na grife espanhola Zara[xvii], em 2011, retorna em 2015, sendo novamente constatada a existência de servidão por dívida, trabalho infantil, trabalho degradante, aumento de acidentes e discriminação com relação ao trabalho imigrante (paradoxalmente a “solução” para a escravidão dos trabalhadores bolivianos não foi a sua regularização, mas sua exclusão total da cadeia produtiva).
Desde a década de 1990, uma série de pesquisadores[xviii] já apontava como as inflexões do capitalismo contemporâneo, em sua chamada fase neoliberal, poderiam ser explicadas através do desmonte da velha indústria têxtil na direção de uma cadeia difusa e flexível de fornecedores que se espalham do espaço urbano (especialmente nos bairros pobres), recrutando e precarizando os trabalhadores através de múltiplas formas de exploração. A Zara, portanto, não seria um caso isolado, mas a expressão visível de uma mutação realizada no próprio capitalismo e suas técnicas atuais de gestão e exploração de uma força de trabalho que é, agora, expropriada diretamente, sem a mediação da tradicional e estável “carteira de trabalho”.
Esta mutação deve ser apresentada, não como uma contenda entre diferentes receituários econômicos, mas como uma transformação definitiva nas formas de governo da sociedade[xix], i.e, nas formas como são produzidas e controladas as relações sociais e os próprios sujeitos. Portanto, trata-se de um terreno material que não vai ser transformado de fora para dentro através de uma tentativa de retorno à fórmula que garantia a união entre desenvolvimentismo e distribuição de direitos (o estado social e sua constituição dirigente). É a partir desse ponto que podemos compreender a razão, primeiro do impasse, e depois do verdadeiro esgotamento das chamadas políticas progressistas, em toda a América Latina, que partiam da premissa de responder ao neoliberalismo através de uma “presença do Estado” (como vimos, o máximo que conseguiram foi hibridizar desenvolvimentismo e neoliberalismo).
Do terreno material que altera profundamente a composição social do trabalho contemporâneo podemos encontrar ainda uma terceira face da crise. É a chamada crise da representação, já analisada e comentada por uma ampla e variada literatura[xx]. Aqui vamos comentar apenas dois traços. Em primeiro lugar, não se trata de reconhecer apenas o caráter “terminável” dos partidos políticos modernos diante da atualidade, mas constatar que na crise da representação, eles acabam exercendo funções contraditórias. Assim, não por acaso, desde a década de 1960, abundam exemplos de partidos socialistas ou sociais-democratas que implementam a ortodoxia neoliberal e promovem os novos dispositivos de controle dos movimentos sociais.
Não seria o caso de tratar o problema como uma simples e moralista “traição”, mas de perceber que tais partidos não são capazes, em regra, de exercer qualquer criatividade destinada a criar novos mecanismos de welfare e novos direitos diante da virada material promovida pela restruturação produtiva neoliberal. Por isso, parecem, ou perdidos diante da dicotomia entre neodesenvolvimentismo e neoliberalismo ou, então, aplicadores puro-sangue de uma gestão neoliberal e financeira da sociedade[xxi].
Essa afirmação nos conduz ao segundo ponto. Torna-se impossível, atualmente, buscar uma correlação de forças baseada nos grandes atores políticos (partido, sindicato e demais corporações) tendo em vista que o campo do trabalho se estilhaçou em uma miríade complexa de relações contratuais ou neoescravagistas, além de ter se difundido nas infinitas redes que compõem a sociedade contemporânea. Isso não significa que tenhamos que decretar o fim da política (ou o fim do trabalho), mas que para fazer política, hoje, é preciso lançar-se no campo de uma multiplicidade em constante mutação (a mutabilidade que devemos reconhecer na própria forma-partido).
É nesse sentido que o esgotamento político brasileiro e, em geral, do ciclo da América Latina dos anos 2000 representa, não a inexistência de um campo vivo e fértil de experimentações baseadas na multiplicidade e nas tentativas de produzir um novo welfare (aqui lembrando de todo o debate a respeito do buen vivir e dos processos constituintes que alteraram as constituições nacionais[xxii]), mas a incapacidade (no sentido político) do sistema tradicional de partidos de promover uma abertura para essas novas experimentações. O sistema político foi tomado por verdadeiros jogos de cena, um tiroteio de falácias, que tentam produzir o efeito de uma disputa que ocorreria entre diversas representações de interesses[xxiii].
No mesmo passo que as mobilizações produtivas alternativas da América Latina (as alternativas para o tema do desenvolvimento) foram jogadas para escanteio pela hegemonia do neodesenvolvimentismo (e do neoextrativismo) de fundo neoliberal, assistimos os representantes de esquerda nos alto cargos políticos parecerem cada vez mais caricatos e falsamente estridentes. O efeito não seria tão grave se estivéssemos apenas diante de um vazio. Mas os últimos episódios de perseguição das mobilizações sociais e das formas alternativas de vida, além de verdadeiras campanhas discursivas contra essas mesmas figuras, demonstraram que não há paralisia, senão uma prática ativa de eliminação de qualquer força político-social que desliza do consenso “progressista”.
3. Ocupações estudantis e novas assembleias constituintes
É aqui que retomamos o tema do ciclo de lutas (e ocupas) de 2010-2015. A proliferação e a abertura de novos espaços e experimentações políticas nos últimos anos podem funcionar como o terreno de invenção de novas práticas democráticas e de ativação de novas políticas cidadãs de construção do bem viver nas metrópoles e florestas. Seria possível encarar as ocupas e as novas lutas como um verdadeiro laboratório de práticas que podem deslizar da armadilha e da dicotomia entre desenvolvimentismo e neoliberalismo?
Neste final de 2015, o ciclo das ocupações chegou em mais de uma centena de escolas de São Paulo e nas universidades federais e estaduais (aqui gostaria de fazer referencia específica à ocupação da UERJ, que ainda está em andamento). De que forma essas ocupações poderiam constituir um espaço de produção de alternativas? Como elas se inserem no contexto brasileiro de crise política, econômica e ambiental? Quais são as possíveis armadilhas a serem enfrentadas? Sem dúvida, as repostas (e outras perguntas) estão sendo formuladas no interior do próprio movimento. Aqui gostaria de levantar três pontos para reflexão e intercâmbio com os estudantes acampados:
a) Ocupação e produção de novas formas de vida
Quando o ciclo do Occupy deformou, alguns pesquisadores destacaram que havia uma inflexão interessante com relação às formas de luta anteriores, em especial aquelas altermundistas da década de 1990 e começo da década de 2000 (contra a OMC, o FMI e por outros mundos possíveis)[xxiv]. Ao invés de seguir os calendários das grandes reuniões e summits, promovendo estratégias de shutting down com o objetivo de proteger os bens comuns ameaçados pelas decisões das agências, as ocupações decidem experimentar diretamente a construção de uma experiência em comum, desenvolvendo profundamente capacidades de gestão do espaço (limpeza, organização, cuidado com o patrimônio etc.), de produção de insumos e serviços vitais (alimentação, água, banheiros etc.), de criação de redes de solidariedade, (doações, estratégias de visibilidade, apoio profissional etc.) de programação cultural (música, teatro, saraus etc.) e de âmbitos de decisão democrática (assembleias, enquetes, novas formas de participação etc.) [xxv].
A passagem da defesa dos bens comuns (década de 1990) para a própria constituição direta do comum revela aspectos interessantes, em especial, a constatação de que essa forma de gestão é qualitativamente melhor e infinitamente mais democrática que a usual forma de conduzir os serviços públicos através da dicotomia público-privado, que alterna entre o Estado como provedor direto ou os vários modelos de descentralização para o mercado. As ocupações, ao contrário, se reapropriam dos serviços para torná-los, não estatais ou privados, mas comuns. Não poderíamos testar o modelo, também em serviços mais amplos e complexos (por exemplo, os serviços urbanos em geral)? Ele não seria uma das bases para pensarmos outras formas de desenvolvimento para além do híbrido neodesenvolvimentismo e neoliberalismo?
No campo das instituições de ensino, as ocupações tem um potencial de romper com a pesada tradição disciplinar que transforma o aluno em uma figura passiva, apática e obediente, tolhendo a criatividade e o desejo de participar e colaborar com o processo de aprendizagem. “A minha filha nunca teve tanta vontade de ir para a escola”, disse a mãe de uma aluna em reportagem sobre as ocupações de São Paulo. Além disso, as ocupações tornam visíveis e mais densas práticas já existentes, principalmente nas universidades, de construção de redes de autoformação e autoaprendizagem nas franjas do currículo obrigatório e da relação professor-aluno.
As ocupações permitem também experimentar um espaço alternativo (um entre) com relação ao duplo escola-família ou universidade-empresa, que aprisiona o cotidiano do estudante e impede que uma série de interações sociais aconteçam[xxvi]. Vale notar que no horizonte de crise e de precariedade esses duplos se fortalecem, já que o estudante, pela impossibilidade de se sustentar, precisa se manter por mais tempo no interior da família ou então lançar-se em várias atividades remuneradas, tendo como efeito uma maior expropriação do tempo de vida.
Por outro lado, a prática coletiva de ocupação também coloca uma série de desafios, digamos, ético-políticos, que foram objeto de uma extensa e compartilhada análise[xxvii] durante todo o ciclo occupy (é evidente que os comentários aqui realizados não constituem uma “expertise política” a ser aplicada como técnica, mas tão apenas uma troca de experiências a ser avaliada em cada prática), a saber: não substituir a prática de produção do comum por uma noção de Coletivo que se imponha pelo alto e esmague as diversas singularidades; não cair na tentação de buscar dirigir a ocupação (muito menos impondo razões políticas que são externas aos desafios da ocupação – a lógica partidária, por exemplo); não transformar as decisões em dogmas a serem impostos e seguidos cegamente; não cair em procedimentalismos infinitos e ineficazes, ou em disputas derivadas de pura mistificação ideológica; não esquecer que a força de uma ocupação depende também de um conjunto de relações que circulam fora do espaço físico ocupado; trabalhar o contágio afetivo da ocupação em detrimento da formação de um núcleo pequeno, rígido e autocentrado; manter-se no campo da autodefesa e da desobediência pacífica (que não se confunde com a passividade); não torna-se “proprietário” da ocupação, utilizando procedimentos de controle e segurança que são típicos das atividades securitárias (reinventar a ideia de segurança); saber a hora que o desgaste excessivo de manter o espaço e seu possível esvaziamento pode indicar a necessidade de mudar de experiência etc.
b) Ocupações, organização e partidos políticos
Se o ciclo altermundista da década 1990 revelou a existência de novos movimentos sociais (ambientais, culturais, indígenas etc.) e formas de organização (articulação em rede, uso das novas tecnologias de informação, inovações estéticas etc.) para além dos partidos e sindicatos tradicionais, o ciclo 2010-2015 retoma a questão em outro patamar.
No primeiro caso, em muitos momentos identificou-se que os movimentos e partidos funcionavam em lógicas distintas, o que poderia gerar alguns choques e divergências, especialmente na apresentação da mobilização no ambiente externo (por exemplo, o sindicato negociava a sua pauta específica e se retirava da luta). No caso das ocupações, o possível campo de divergência se desloca para dentro do espaço comum, havendo um forte de tendência de recusa, pelos participantes, de qualquer razão transcendente à própria ocupação. Isso significa que os partido precisam abandonar sua prática de aglutinação de forças para um projeto pré-definido e deixar-se levar pela imanência do processo decisivo construído na própria ocupação.
Podemos destacar dois efeitos desse fenômeno: em primeiro lugar, observamos a tendência do partido se apresentar, não como unidade formal organizativa, mas através de diversos coletivos distintos que deixam de lado os programas mais amplos e atuam, muitas vezes, por segmentação. O quanto isso se revela como uma simples tática artificial ou uma verdadeira abertura para processos de produção de decisões comuns depende de cada prática efetiva e da capacidade dos dissensos produzidos nas acampadas estudantis atenuarem qualquer tentativa de impor uma lógica heterogênea ao comum.
Em segundo, observamos através da experiência espanhola, por exemplo, que para disputar as institucionalidades os partidos precisam integrar confluências de forças que são múltiplas e que se apresentam como plataformas que se deixam atravessar pelas várias figuras daquela composição social do trabalho que já descrevemos (por isso, o caso seria de reinvenção da forma-partido e de sua finalidade para se adequarem às novas formas de trabalho e vida – o partido como uma tática de luta dentre tantas outras, como um “deixar-se atravessar”, uma plataforma aberta que não busca ser o aglutinador final e racional de uma força social homogênea)[xxviii].
Contudo, além da questão da forma-partido ou do repertório organizativo uma questão mais grave pode ser colocada. Ela diz respeito aos casos nos quais essa transcendência carregada pelos partidos não se refere apenas a um programa político pré-definido e externo, mas às próprias decisões tomadas quando estes participam do governo. O grande risco aqui é que a ocupação seja controlada desde dentro através de organizações que carregam as posições do governo e buscam esvaziar ou sabotar o processo de produção do comum.
c) O estudante contemporâneo: condensação de figuras subjetivas da crise e de novas práticas de liberdade
O que significa uma luta estudantil hoje? Quais figuras subjetivas são encontradas através dessas lutas? Há pelo menos quarenta anos, o capitalismo sofre uma “grande transformação” na direção da formação de uma força de trabalho cognitiva, apta a lidar com as exigências shumpeterianas de inovação e criatividade, traduzidas pela ideia de capital social[xxix]. No currículo, não basta demonstrar o cumprimento das etapas básicas e disciplinares de educação, mas comprovar competências relacionais, linguísticas e culturais (viagens, experiência de vida, habilidades com instrumentos musicais, domínio de línguas estrangeiras etc.). Nas provas de seleção, uma tropa de psicólogos é chamada para avaliar a capacidade criativa dos candidatos e suas habilidades de rápida adaptação, de aprendizado, de criação de relação social e de inventividade para lidar com as situações sempre dinâmicas e flexíveis do mercado contemporâneo.
O estudante, preso nas exigências de uma formação permanente e multifacetada, não ocupa mais aquela posição intermediária entre o mundo infanto-juvenil e o mundo do trabalho. Ele carrega em si a própria figura do trabalhador contemporâneo. Solicitando cada vez mais estágios, oportunidades, experiências, cursos, ele rapidamente se converte, também, na figura do endividado. Seja por razões realmente financeiras (penso aqui no estudante pobre das universidades privadas e mesmo das públicas), ou por carregar sobre os ombros pendências de todos os tipos (trabalhos, artigos, provas, tarefas do estágio, cursos de língua etc.), o estudante precisa dar conta de um dívida infinita[xxx].
Se antes ele era preparado para ocupar um emprego estável, funcional e monótono (nas burocracias estatais ou empresas fordistas), agora trata-se de lançá-lo, o mais cedo possível, no campo de um trabalho frenético que absorve todo o seu tempo de vida. Num muro grafitado encontra-se a seguinte frase: “o estágio gratuito é a atualização da escravidão”. O problema aqui não é identificar um estágio específico, mas perceber que todo o trabalho contemporâneo envolve fortes níveis de trabalho gratuito, estilhaçando inclusive aquela clássica figura marxiana do trabalho excedente, inerente ao tempo de uma jornada de trabalho. Se não há mais jornada mensurável, se o trabalho ocupa todo o nosso tempo de vida, transformando-se em pura excedência, ele agora é expressado por uma desmedida que rompe com qualquer teoria do valor.
O endividamento e a precariedade aparecem como dispositivos que substituem o velho gerente de fábrica. A arquitetura física do panóptico e seu efeito de vigilância se desmaterializa e é internalizada como culpa, como exigência sobre si cada vez mais severa, como infinita busca, através de vários “bicos” ou “trampos”, por uma renda que possa cobrir o custo de vida e por atividades que possam engordar o currículo. A produção do estudante endividado permite o gerenciamento (controle) de um trabalho que não se expõe mais aos agentes de disciplina, com seus relógios sempre afiados, mas que percorre e acompanha a vida como um todo, fazendo parte da própria subjetividade que se produz[xxxi].
Os efeitos no campo da subjetividade estão sendo encarados por uma série de pesquisa sobre as denominadas “psicopatologias do capitalismo cognitivo” que são produzidas, desde a década de 1990, na também intitulada prozac–economy[xxxii]. Depressões, crises e angústias acompanham o estudante e o trabalhador endividado, no momento em que sua precária alma adentra e é produzida, ela mesma, nos circuitos de produção. Aqui o gerente da fábrica se rematerializa na figura de fármacos cada vez mais potentes, uma inundação de tranquilizantes, antidepressivos, remédios para dormir e técnicas para produzir pequenas ilhas de tranquilidade em meio à desmedida do produtivismo infinito.
Se a precariedade é eficiente para produzir todos esses efeitos subjetivos, ela permite também que as tradicionais estratificações da modernidade (raça, gênero e classe) se reconfigurem de forma difusa e modular. Não à toa, nas ocupações da UERJ, por exemplo, os estudantes negros e negras deixam claro que o corte de bolsas e da assistência estudantil atinge mais gravemente os alunos cotistas e os moradores de bairros pobres. Além disso, percebem uma relação racial e de gênero entre a precariedade dos estudantes e dos trabalhadores terceirizados atingidos pelos mesmos cortes e pelas medidas desiguais do ajuste fiscal. Numa visada mais ampla, os corpos precários da universidade (os primeiros a sofrer com o ajuste) são também os corpos precários da metrópole, aqueles que podem ser objeto de violência estatal sem provocar consideráveis indignações sociais.
Por outro lado, é no mesmo campo que podemos encontrar as possibilidades de enfrentamento da precariedade através de finas e potentes articulações que são realizadas entre suas diversas figuras (estudante, terceirizado, servidor, camelô, garis, trabalhadores da cultura, dos serviços, morador de favela etc.). A precariedade se transforma não só no terreno da violência e da exploração infinita, mas também de uma recomposição que permite uma série de lutas por novos direitos e por um novo welfare. E para efetuar essa recomposição é fundamental perceber que, diante de uma fragmentação do trabalho que torna o cenário organizativo complexo e escorregadio, existe um comum entre todas essas figuras do trabalho contemporâneo.
As ocupações estudantis possuem, portanto, o potencial de se transformar na base para um novo sindicalismo social dos trabalhadores precários que não encontram mais nas tradicionais instâncias de representação (partidos, sindicatos e movimentos sociais setorizados) uma ferramenta eficaz de luta. Mais uma vez, isso não significa decretar o fim dessas instâncias, mas afirmar que elas só serão efetivas se promoveram uma abertura organizativa radical para a multiplicidade que acompanha o trabalho precário. Nas universidades e escolas, não sabemos se isso está perto de acontecer, mas a forma-ocupação, sem dúvida, é um laboratório para pensar essas novas articulações.
É a partir da construção da materialidade dessas novas alianças[xxxiii] que podemos recuperar, ainda, o tema do “local de fala”, não como afirmação prévia e transcendente (superior) fundada no corpo biológico, no indivíduo abstrato ou em tipos sociais cristalizados, mas como o resultado de articulações concretas, encontros e espaços discursivos singulares produzidos em comum. Se as minorias podem, paradoxalmente, reunir mais força que as maiorias[xxxiv], é porque elas são capazes de promover uma expansão intensiva e contagiante através de encontros entre os diferentes corpos e singularidades (falemos de forma direta: evitar a competição entre minorias e possibilitar uma política de encontros não fundada em indivíduos e grupos proprietários de si mesmo). A ocupação do espaço, assim, é também ocupação afetiva e performativa: possibilidade de organizar práticas de liberdade que estilhacem os padrões majoritários redutores de nossas formas de vida.
4. Ocupações estudantis e poder destituinte/constituinte
É chegado o momento de enfrentarmos a interrogação contida no título do artigo. Poderão as ocupações estudantis funcionar como assembleias constituintes diante da crise política, econômica e ambiental brasileira? Para qualificar melhor a pergunta e traçar horizontes possíveis de ação, seria interessante precisar o que entendemos por poder constituinte. Digamos que a análise pode se organizar em torno de dois temas: a) a relação entre poder constituinte e trabalho vivo; b) a relação entre poder constituinte e destituinte.
Através do primeiro, veremos como o ciclo de ocupações pode se expressar como constituinte num sentido bem diferente daquele divulgado pela tradição do constitucionalismo. Através do segundo, lançaremos o tema para o contexto brasileiro, no qual a liberação de um poder constituinte diante da crise depende, mais do que nunca, de uma coragem de dizer “Não” (aquilo que chamamos dimensão destituinte).
Pode-se afirmar que as primeiras emergências do trabalho vivo direcionadas em contraposição às relações de poder da classe dos proprietários foram domesticadas através da representação política e da conformação da vinculação entre Estado e Nação: o nascimento do constitucionalismo[xxxv]. Assim, o engenho de Abade Sieyès operou para ligar a incipiente divisão social do trabalho (os frutos da acumulação primitiva) à representação política, incluindo nela cortes censitários, culturais e patrimoniais. O Terceiro Estado é a “nação completa” na medida em que se dilui em uma ampla divisão do trabalho e, por essa razão, garante liberdades políticas no mesmo movimento que as limita por formas estabelecidas e delegadas. A democracia constitucional já nasce como corrupção da democracia, na medida em que impõe uma representação que acompanha a divisão de trabalho.
O poder constituinte, ao contrário, não é a força de uma assembleia já determinada pela representação, ou um estágio prévio e metafísico que desaparece ou se amesquinha nas engrenagens do poder constituído. Ele é um procedimento aberto e vivo de questionamento das relações de poder e constituição de uma prática coletiva que não se encerra na racionalidade de um projeto, estado, instituição ou comunidade identitária. Ele é a continuidade dos espaços de resistência, o campo de atuação do trabalho vivo que rejeita sua exploração e de coagulação entre liberdade e igualdade.
Pelo mesmo processo, as constituições welfaristas do século XX, que tentam solucionar o caráter excedente das lutas do trabalho vivo, ativadas desde o século anterior, também não resolvem o enigma da permanência do poder constituinte. Se na época de Sieyès, bastou diagramar a constituição como espelho formal da divisão de trabalho, no constitucionalismo social a carne e o corpo do trabalho entram na constituição representados por sujeitos coletivos negociadores dos direitos e regras inerentes à organização e à disciplina do mesmo trabalho. Mas o trabalho vivo recusa novamente a limitação e se insurge em lutas sociais que percorreram todas as nações welfaristas (pensemos na década de 1960-70).
Sabemos que com a mutação da composição do trabalho contemporâneo e o enfraquecimento do Estado Social, que decorre do próprio caráter excedente do trabalho, é a governance[xxxvi] que passa a, cada vez mais, cumprir este papel. A constituição moderna em crise abre espaço para uma regulação flexível forjada por sujeitos jurídicos internacionais, protocolos de grandes empresas, arbitragens, termos de conduta, uma camada mil-folhas de atos normativos e decisões judiciais que correspondem à diluição do próprio trabalho em um sem-número de formas jurídicas.
E que o ciclo de ocupações tem a ver com isso? Nossa hipótese é que ele ainda pode representar um laboratório para pensarmos novas formas políticas e novos direitos de cidadania (em sentido amplo) através do contato entre poder constituinte (a excedência do trabalho vivo) e a produção do comum experimentada nestes processos. É que o ciclo de lutas de 2010-2015, amplia o terreno estabelecido pelo ciclo anterior altermundista e latino-americano, e conforma um quadro de ações e reflexões sobre como produzir uma agenda de direitos relacionados à proteção e ao compartilhamento autônomo de saberes, informações e linguagens; ao acesso e organização democrática dos serviços relacionados diretamente à vida (energia, água, tecnologia etc.); a uma renda garantida, à mobilidade urbana (livre acesso ao transporte público); à preservação dos espaços comuns da metrópole (parques, áreas de uso comum etc.) e, fundamentalmente, aos direitos clássicos (políticos e sociais) requalificados como direito à produção dos nossos próprios espaços de vida e de interação com o outro, marco que está para além da ideia cívico-republicana ou deliberativa de participação.
No caso das ocupações estudantis, a ideia de uma gestão comum das instituições de ensino, superando a passividade do modelo disciplinar e o endividamento do modelo de controle, parece bastante evidente. Aqui, a tradicional luta por infraestrutura (contra o sucateamento) poderia caminhar em conexão com o desenvolvimento dessas próprias experiências de gestão comum. A luta por bolsas e verbas de assistência pode ganhar um caráter ativo e avançar para um verdadeiro direito à renda estudantil (que deveria caminhar de mãos dadas com uma renda universal). A luta contra a precariedade deve servir para imaginarmos uma nova composição dos direitos sociais (ou a requalificação dos anteriores) que articule os direitos dos trabalhadores das escolas e universidades com aqueles dos estudantes em uma mesma teia de proteção.
A forma-ocupação pode se transformar num dispositivo político permanente que supere a crise da representação e das formas de ação dos sujeitos tradicionais. Nesse sentido, pode-se afirmar que os espaços de deliberação (estudantes sentados em roda situados em lugares de grande trânsito) já superam enormemente as formas tradicionais de deliberação sindical (ainda no modelo mesa-plateia e representação por segmentos). Ainda há bastante dúvida com relação ao uso da tecnologia em rede para a deliberação, especialmente pela insegurança com relação aos fluxos improdutivos e sabotadores, mas isso pode ser enfrentado por um repertório heterogêneo de processos decisivos. As formas tradicionais, burocráticas e paralisantes do movimento estudantil ainda se fazem presente em grande escala, e com grande capacidade de capturar os desejos sinceros dos jovens estudantes, mas já são criticadas de forma aberta e através da construção de brechas alternativas.
Vamos, então, para o segundo ponto na análise: a relação entre poder constituinte e poder destituinte[xxxvii], e sua inserção no contexto brasileiro. Ele se subdivide em duas questões. A primeira, sobre a utilização do poder destituinte com relação à realidade universitária do estudante endividado; a segunda, insere o tema numa perspectiva mais ampla para tentar compreender a relação entre as dificuldades de proliferação dos movimentos pós-2014 e a incapacidade de dizer “Fora Todos”. Aqui, o poder destituinte seria o elemento de desbloqueio do impasse, pavimentando a abertura de um campo intensivo, um kairós, de múltiplas possibilidades.
Com relação à primeira questão, a ocupação das escolas e universidades, com a consequente decretação da greve estudantil, parece expressar um poder destituinte com relação às tramas disciplinares e de controle que atravessam o estudante contemporâneo. A greve estudantil interrompe o funcionamento da máquina da educação, suspende a dívida infinita, paralisa o relógio do bedel, produzindo uma carnavalesca inversão de papéis e da lógica cotidiana de utilização regrada do espaço de ensino. A suspensão radical de todas as exigências diárias (provas, entrega de trabalhos, comparecimento das aulas etc.) torna-se fundamental, não apenas como importante denúncia pela falta de verbas de assistência, mas por permitir outra temporalidade e outra experimentação do ambiente escolar/universitário.
Eis o poder destituinte em sua capacidade de interromper as engrenagens que se naturalizam nos processos sociais do cotidiano e de inaugurar um dissenso que conduz todos os participantes para uma necessária reflexão. Se o direito de greve, na sociedade do trabalho disciplinar, representa a demonstração da participação dos trabalhadores da unidade produtiva e uma necessária repactuação da riqueza produzida, na sociedade contemporânea de sujeitos endividados ela equivale diretamente ao direito de insolvência: é a possível ligação entre o “nós não pagaremos pela crise” e o “nós não entregaremos os trabalhos e as provas”.
Se a greve da sociedade do trabalho fabril produzia uma interrupção do processo produtivo, gerando prejuízos para o proprietário da fábrica, a greve dos endividados permite que uma outra subjetividade, por fora dos mecanismos de cobrança internos e externos, possa ser vivenciada. Ela pode se expressar e se constituir, sem que essa produção seja capturada pelos dispositivos da dívida. O desafio, então, é duplo: a luta pela suspensão do calendário acadêmico (a paralisação da máquina) precisa ser correlata à produção de formas de vida que escapem da precariedade e do endividamento. E aqui já não conseguimos mais distinguir entre poder destituinte e constituinte. O “Não” corresponde à possibilidade de um “Sim” múltiplo e constitutivo.
Acreditamos que em ambas as greves estudantis de São Paulo e do Rio de Janeiro pode se verificar essa dupla dimensão destituinte/constituinte sendo exercida através das ocupações. Mas qual a diferença entre elas? Por que uma consegue expandir para fora dos muros das escolas e a outra, por ora, ainda se mantém no campo de uma luta setorizada? Por que ambas não desencadeiam processos mais amplos de discussão em meio à crise generalizada? É claro que aqui não se quer exigir que a lutas dos estudantes cumpram o papel do Movimento Passe Livre nas jornadas de junho de 2013, muito menos responsabilizá-los pelas limitações inerentes a qualquer processo de luta social. Mas não custa refletir se teríamos, hoje, mais oportunidades de expandir e ampliar esse processo identificando um dos pontos de bloqueio, aquele que, justamente, diz respeito ao poder destituinte e sua capacidade de gerar uma recusa social em grande escala (aquela que precisamos para que a crise seja superada democraticamente).
Há inúmeros exemplos do exercício desse tipo de poder destituinte: ele ocorreu quando, em 1955, a costureira Rosa Parks se recusou a ceder o seu lugar do ônibus a um homem branco, desencadeando o movimento dos direitos civis; quando, em maio de 1968, se afirmou “queremos tudo, todo o poder e nenhum trabalho”; quando em Seattle um enorme cartaz dizia “Shut Down WTO”; quando na Argentina, em 2001, os cacerolazos eram acompanhados do lema “que se vayan todos”; quando na Tunísia, mesmo depois da fuga de Ben Ali para a Arábia Saudita, continuou-se a gritar “Degage! Degage!” (Fora! Fora!)[xxxviii]; quando o 15M espanhol dizia “¡dimisón ya, no nos representan!”; quando os 99% afirmaram “nós não pagaremos pela crise”, quando, em 2013, jovens usuários do transporte público decretaram “não pagaremos pelo aumento das passagens” etc.
Pode-se dizer que, do ponto de vista dos processos ampliados de questionamento, o poder destituinte, no Brasil, está totalmente bloqueado pela incapacidade de se dizer com firmeza: “Fora todos”; “Fora Dilma, Temer, Cunha e Renan”; “Fora PT, PMDB e PSDB”; “Não nos representam!”. Qualquer passo na direção dessa dimensão do exercício do poder destituinte é rapidamente encarado como “golpista” e até “fascista”, pela atual cultura tradicional de esquerda. O resultado, como tem ficado evidente, é a paralisia política e a impossibilidade de encontrar uma saída para a crise que parta de uma mobilização por mais democracia.
Essa incapacidade de alavancar o poder da recusa, longe de representar um casuístico vacilo individual, é construída diariamente pela prática dos movimentos sociais tradicionalmente ligados ao governo (CUT, MST, MTST, UNE, UBES etc.) que adotam uma estratégia de defender a presidente Dilma, apesar de uma sequência de medidas anti-movimento terem sido tomadas, retraindo-se na perspectiva de uma lírica pressão interna que já comprovou ser absolutamente ineficaz. Por outro lado, o componente majoritário da oposição de esquerda, que deveria estar mobilizada para oferecer uma alternativa democrática ao impasse, é o primeiro a esvaziar qualquer tipo ampliação da contestação na direção de um terreno radicalmente destituinte/constituinte[xxxix].
Em São Paulo, os ocupantes puderam encher o pulmão e gritar “Fora Alckmin”, “Fora PSDB”, incentivados, e não boicotados, pelos movimentos governistas (e também no Paraná, no movimento “Fora Beto Richa”). Eis toda a diferença. E esse poder de recusa não diz respeito propriamente à discussão em detalhes sobre os mecanismos institucionais que, de alguma forma, poderiam retirar alguém do poder, mas à capacidade de atuar como um verdadeiro dispositivo de contágio, proliferação e autovalorização do movimento. É dele que poderão emergir todas as alternativas possíveis.
Isso significa que no “Fora” proferido pelo poder destituinte, se constitui uma série de espaços positivos que engendram práticas constituintes fundamentais para a continuidade do processo de resistência. Esse é, mais uma vez, o elemento fundamental do sucesso das ocupações estudantis de São Paulo e, por outro lado, explica os impasses e bloqueios enfrentados no Rio de Janeiro e aqueles enfrentados por ambos no nível nacional. Estamos proibidos de fazer proliferar, impedidos de lutar sem que freios internos exijam prudência e responsabilidade – sem que o movimento se enfraqueça e se perca em fragmentações paralisantes. E, no Rio de Janeiro, não podemos deixar de comentar, essa situação tende a piorar, em razão da recente decisão de levantar no estado um bunker de defesa governista (com todas as consequências que essa decisão implica, em termos de manutenção de uma estabilidade a qualquer custo).
Não estamos diante de um impasse menor. Se esse enigma não for resolvido na direção de um amplo movimento cidadão que, diante da crise, proponha uma agenda de radicalização da democracia brasileira, ficaremos reféns, primeiro, de um sistema político que opera hoje de forma completamente autoreferenciada, segundo, de uma disputa sobre quem irá implementar de forma mais eficaz o ajuste fiscal e, terceiro, de plataformas conservadores ou ultraliberais (MBL, Partido Novo, candidatura do Bolsonaro etc.) que absorvem a indignação transformando-a num terreno para a eliminação de políticas e práticas de liberdade e igualdade.
Além da autovalorização dos movimentos através do poder de dizer “Fora”, o poder de recusa, quando afirmado sem medo, traz a capacidade de inserção das ocupações em dinâmicas políticas mais amplas, ou num sistema de forças mais alargado, que pode romper com o isolamento político dos ativistas e inseri-los em camadas legítimas de discussão pública sobre o estado da arte de nossa democracia. É o famoso ingrediente que pode “dar liga” e permitir uma articulação que crie novos processos de saída democrática da crise em que estamos vivendo.
A interrogação no título está agora plenamente justificada. No Brasil, o ciclo mais amplo das ocupas (no qual estão inseridas as ocupações estudantis) vive um tremendo bloqueio. Poderão as ocupações deslizar das armadilhas estabelecidas a partir das eleições de 2014, quando a força criativa do movimento foi absorvida para uma disputa vazia interna ao poder? Poderão exercer um poder destituinte, afirmando em alto e bom som: “Fora Dilma, Fora Temer, Fora Cunha, Fora Todos”? Deixarão que as possibilidades constituintes do poder de recusa sejam ocupadas por grupos ultravanguardistas de esquerda, ou por plataformas ultraconservadoras que não apontam para saídas democráticas diante da crise? Poderemos vivenciar as ocupações como verdadeiras assembleias constituintes, para além da dinâmica limitada da representação política (o pecado original de Sieyès)? Encontraremos um polifônico “Sim, nós podemos”, nascido de um amplo e contagiante poder de dizer “Não”?
São perguntas que estão muito longe de alcançarem uma resposta adequada. Mas se a interrogação continua, devemos, por outro lado, agradecer às ocupações estudantis por terem nos apresentado o impasse de forma tão clara e urgente.
Notas:
[i] Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UERJ. Participa da Rede Universidade Nômade.
[ii] Sobre a crítica da política como katechon nos processos de resistência, cf. ROGGERO, G. Cinque tesi sul comune: comune, comunità, comunismo. Teorie e pratiche dentro e oltre la crisi. Verona: Ombre Corte, 2010. Sobre a crítica no contexto brasileiro de crise política e paralisia das esquerdas, cf. CAVA, Bruno. Voto crítico, esquerda e Spinoza. Disponível aqui; NUNES, Rodrigo. A onda conservadora é menos fácil de entender do que se imagina. Artigo para o jornal Folha de São Paulo, edição de 28 de agosto de 2015. Disponível aqui, Acessos em 12 de dezembro de 2015. Sobre o conceito de katechon na genealogia do direito penal moderno (importante para entender a posição dos “juristas progressistas” no contexto de crise). BARBOSA, Milton Gonçalves Vasconselhos. Katechon: o direito entre o sacrifício e o perdão. Arquivo Jurídico – ISSN 2317-918X – Teresina-PI – v. 1 – n. 6 – p. 58-80.
[iii] Sobre o método da copesquisa, conferir o dossiê especial publicado na Revista Lugar Comum: estudos de mídia, cultura e democracia. Universidade Federal do Rio de Janeiro. LABTEC/ESS/UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, n. 39 – jan/abril de 2013. Disponível para download gratuito aqui. Acesso em 12 de dezembro de 2015.
[iv] Devo esta sistematização a Bruno Cava. Para uma versão mais extensa, conferir: MENDES, Alexandre; CAVA, Bruno. A constituição do comum, no prelo. Cf. também: CAVA, Bruno; COCCO, Giuseppe. (org). Amanhã vai ser maior: o levante da multidão no ano que não terminou. São Paulo: Annablume, 2014. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Sobre as jornadas brasileiras: CAVA, Bruno. A multidão foi ao deserto. São Paulo: Annablume, 2013.
[v]Conferir a série de pesquisa publicadas por Javier Toret aqui.Acesso em 10 de dezembro de 2015. SÁNCHEZ, Raúl. El 15M como insurrección del cuerpo máquina. Rebelión. Edição do dia 28 de fevereiro de 2012.
[vi] Cf. WRITERS FOR THE 99%. Occupying Wall Street: The Inside Story of an Action that Changed America. Chicago: Haymarket, abril de 2012.
[vii] Conferir a série de textos publicada por Bernardo Gutierrez aqui. Acesso em 10 de dezembro de 2015.
[viii] Conferir: entrevista com o filósofo Costantin Sigov, por Giuseppe Cocco, à Universidade Nômade. Acesso em 10 de dezembro de 2015. Uma visada insider da Praça ocupada, conforme o filme “Maidan”, de Sergei Loznitsa (Ucrânia, 2014). Resenhado por Pedro Henrique Gomes aqui (com link para download).
[ix] Cf. BELTRAN, Sandra Arencón; CAVA, Bruno (Orgs). Podemos e Syriza: experimentações políticas e democracia no século 21. São Paulo: Annablume, 2015; OBSERVATÓRIO METROPOLITANO. La apuesta municipalista. La democracia impieza por lo cercano. Madrid: Traficantes del suenos, 2014. Trabalhei este tema em: O municipalismo do Barcelona em Comum: da transição a uma institucionalidade constituinte. Site UniNômade, 26 de maio de 2015.
[x] Cf. MENDES, Alexandre F; CAVA, Bruno. Podemos e os enigmas que vêm do sul. Le Monde Diplomatique Brasil impresso, abril de 2015. CAVA, Bruno; SCHAVELZON, Salvador. Podemos y latinoamerica; historia de un desacuerdo. Lobo Suelto! (Argentina), 19 de agosto de 2015.
[xi] Cf. FUMAGALLI, Andrea (Org.). A crise da economia global: mercados financeiros, lutas sociais e novos cenários políticos. São Paulo: Civilização Brasileira, 2012.
[xii] A denominada “Troika” é formada pelo Banco Central Europeu (BCE), Comissão Europeia (CE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).
[xiii] Argumento completo em MENDES, Alexandre Fabiano; CAVA, Bruno. A esquerda que venceu. IHU online, 06 de outubro de 2015. Acesso em 10 de dezembro de 2015.
[xiv] Uma viva discussão está ocorrendo no Brasil sobre o tema do neodesenvolvimentismo. Para textos críticos de diversas matizes conferir: COCCO, Giuseppe. KorpoBraz: por uma política dos corpos. Rio de Janeiro: Mauad, 2013.; GONÇALVES, Reinaldo. Novo desenvolvimentismo e Liberalismo Enraizado. Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 112, p. 637-671, out./dez., 2012. MOTA, Ana Elizabete (Org). Desenvolvimentismo e construção de hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012; SAMPAIO JUNIOR, Plínio Soares de Arruda. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serviço Social & Sociedade, n.112, v. 1, p. 672, out./dez., 2012; FIORI, José Luiz. A miséria do novo desenvolvimentismo. Jornal Valor do dia 29 de novembro de 2011. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015. Para compreender como o neodesenvolvimentismo é concebido como nova teoria econômica, conferir: PFEIFER, Mariana. Bresser-Pereira e o pacto neodesenvolvimentista. Temporalis, [S.l.], v. 2, n. 26, p. 11-36, fev. 2014. Disponível http:/periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/6066>" target="_blank">aqui. Acesso em: 11 dez. 2015. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Novo desenvolvimentismo: uma proposta para a economia do Brasil. Nueva Sociedad. Especial em português. Dez, 2010.
[xv] ROLNIK, Raquel. Entrevista para o site UOL. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xvi] Cf. COCCO. Giuseppe. Não existe amor no Brasil Maior. In: Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xvii] Para uma análise do caso, conferir: COCCO. Giuseppe. KorpoBraz (2013).
[XVIII] Por todos, conferir: LAZZARATO, Maurizio; NEGRI. Antonio. Trabalho imaterial. Tradução de Mônica Jesus. Introdução de Giuseppe Cocco. Rio de Janeiro: LP&A, 2001; LAZZARATO, M. et al. Des entreprises pas comme les autres: Benetton en Italie, le sentier à Paris. Paris: Publisud, 1993.
[xix] Utilizo aqui a inestimável leitura de Michel Foucault sobre o neoliberalismo. O neoliberalismo não como teoria econômica, mas como arte de governar, ou governamentalidade (governo das condutas). Cf. FOUCAULT, M. Naissance de la biopolitique. Cours au Collège de France (1978-79). Paris: Gallimard/Seuil, 2004.
[xx] A argumentação aqui segue a seguinte referencia: REVELLI, Marco. Finale di partito. Turim: Einaudi, 2013.
[xxi] Aqui é pertinente lembrar o comentário de Foucault sobre a ausência de uma arte de governar própria do socialismo, que toma de empréstimo as práticas governamentais ligadas à planificação social ou ao neoliberalismo. (FOUCAULT, M. 2004).
[xxii] Cf. CAMACHO, V.O. Errancias. Aperturas para el viver bien. La Paz: Muela del Diablo, 2011 e SCHAVELZON, Salvador. Plurinacionalidad y vivir bien/buen vivir, Quito, Clacso, 2015.
[xxiii] Analiso o fenômeno com relação aos panelaços no texto: MENDES, Alexandre. O panelaço no Morro dos Cabritos. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxiv] Um rico conjunto de textos de diversas matizes, elaborados a partir dos movimentos globais, pode se encontrado em Justicia Global. Las alternativas de los movimientos del Foro de Porto Alegre (DÍAS-SALAZAR.R. [Ed.], 2003). Conferir também: COCCO.G&HOPSTEIN.S (orgs.) As multidões e o império: entre a globalização da guerra e a universalização dos direitos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
[xxv] Esta ideia é desenvolvida por Naomi Klein em discurso proferido para os ocupantes do Occupy Wall Street. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxvi] Remeto-me aqui ao texto do professor municipal Silvio Pedrosa: PEDROSA, Silvio. Por um compromisso bárbaro. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxvii] Para citar alguns exemplos, conferir o dicionário colaborativo realizado pelos ocupantes do 15M espanhol. Uma antecipação das discussões pode ser encontrada em: ZIZEK, S. Discurso aos manifestantes do Occupy Wall Street. Cf. também o relato de Antonio Negri sobre o 15M: “Parece incrível, mas, de verdade, ocorreram formidáveis e inovadoras experiências, seja sobre o terreno da cooperação organizacional, seja sobre a elaboração teórica — experiências nunca repetitivas, burocráticas ou inúteis. Há uma maturidade geral que desenvolveu novas habilidades — porém, especialmente, que evitou contraposições dogmáticas e/ou sectárias. Aqueles que já estavam organizados em grupos não foram excluídos, mas implicados no ‘todos juntos’. Não houve necessidade de um ‘savoir faire’ político particular, mas somente de competência e capacidade de participar de um projeto comum”. Disponível aqui. Sobre a importância do contágio, conferir o comentário realizado por Eduardo Galeano durante visita às ocupações de Barcelona. Disponível aqui. Análises da dinâmica do OcupaRio, ocorrido em 2011, na Cinelândia, podem ser encontradas em: SANTOS, Mariana Correa. Pensando o ocupario: encontros, encantamentos, rupturas e abandono. CAVA, Bruno. Produzindo o dissenso na acampada. Todos os links foram acessados em 11 de dezembro de 2015. Do mesmo autor: CAVA, Bruno. OcupaRio: os corpos da cidade entre a utopia e a distopia. In SILVA, Gerardo; CORSINI, Leonora (org). Democracia x regimes de pacificação. São Paulo: AnnaBlume, 2015
[xxviii] Trabalhei esta ideia em: MENDES, Alexandre. Lista de desejos para um novo municipalismo. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxix] Aqui, condenso uma série análises sobre o capitalismo contemporâneo que podem ser encontradas em: BOUTANG, Yann Moulier. Le capitalisme cognitif: la nouvelle Grande Transformation, Paris: Editions Amsterdam, 2007; COCCO, Giuseppe. Trabalho e Cidadania. Rio de Janeiro: Cortez, 1999; LAZZARATO, Maurizio. As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006/ MARAZZI, Christian. O lugar das meias: A virada linguística da economia e seus efeitos sobre a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009; NEGRI, A; HARDT, M. Império. Rio de Janeiro: Record, 2005; Negri, Antonio. Interpretation of the class situation today: methodological aspects. In: BONEFELD. W. et al. (Orgs). Open Marxism, vol. II. Londres: Pluto Press, 2002, pp. 69-105.
[xxx] A relação entre o estudante e o trabalhador contemporâneo pode ser encontrada em: THE EDU-FACTORY COLLECTIVE. Toward a global autonomous university: cognitive labour, the production of knowledge and exodus from de Education Factory. New York: Autonomedia, 2009. Conferir também: ROGGERO, G. La produzione del sapere vivo: crisi dell’università e trasformazione del lavoro tra le due sponde dell’Atlantico. Verona: Ombre Corte, 2009. Sobre o contexto brasileiro, conferir as pesquisas de Alexandre do Nascimento, disponíveis aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxxi] Sobre a passagem de uma sociedade disciplinar para uma de controle, conferir: DELEUZE, Gilles. Post-scriptum. Sobre as sociedades de controle. In: Conversações. Tradução de Peter Pal Pelbart. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004. Sobre a genealogia do homem endividado, conferir: LAZZARATO, Maurizio. La fabrique de l’homme endetté: essai sur condition néolibérale. Paris: Édition Amsterdan, 2011.
[xxxii] Esta análise encontra-se em: BERARDI. Franco “Bifo”. The soul at work. From alienation to autonomy. Los Angeles: Semiotext, 2007. Cf. De BOEVER, Arne; NEIDICH, Warren [Eds]. The psychopathogies of Cognitive Capitalism. Part One. Berlin: Arquive Books, 2013.
[xxxiii] Para a relação entre o ciclo das acampadas e uma política de alianças entre diferentes corpos precários que resistem juntos ao invés de competirem entre si, conferir: BUTLER, Judith. Bodies in alliance and the politics of the streets. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxxiv] Cf. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 3. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.
[xxxv] Para a relação entre trabalho e constituição e para uma crítica ao constitucionalismo, cf.: NEGRI, Antonio. Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Trad. Adriano Pilatti. 1ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002; Para a mesma perspectiva, no ponto de vista da constituição social do trabalho, cf. NEGRI, Antonio. Il lavoro nella costituzione. E una conversazione con Adelino Zanini. Verona: Ombre corte, 2012.
[xxxvi] Cf. MESSINA, Giovanni. Diritto liquido? La governance come nuovo paradigma della politica e del diritto. Milano: Franco Angeli, 2012.
[xxxvii] Não faz parte dos objetivos do texto enfrentar o debate filosófico que foi estabelecido entre Antonio Negri e Giorgio Agamben sobre o conceito de poder destituinte. Seguimos a posição de A. Negri que não concebe o poder constituinte dentro da tradição ou da ontologia originária da soberania. Para esse propósito, cf. AGAMBEN, G. Por uma teoria do poder destituinte. Disponível aqui. NEGRI, Antonio. Giorgio Agamben: a inoperosidade é soberana. Disponível aqui. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
[xxxviii] Esse relato é realizado por Manuel Castells em livro já citado (CASTELLS, M. 2012, p. 28).
[xxxix] Análises com tonalidades semelhantes podem ser encontradas em uma série de entrevistas para o IHU Online e na edição n. 461 da revista mesma online, cf. REVISTA IHU ONLINE. Brasil. Crises e desafios. n. 461, Ano XV, edição de 23 de março de 2015. Disponível aqui. COCCO,G. O capital que neutraliza e a necessidade de uma outra esquerda. Disponível aqui:
CAVA, Bruno. O lastro da crise. O pemedebismo é a lógica que sustenta o PT; CASTANEDA, Marcelo. Crise política. Não há disputa. Há uma composição. Acesso em 11 de dezembro de 2015.
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Ocupações estudantis: novas assembleias constituintes diante da crise? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU