24 Abril 2011
Pequena ilha do norte europeu adota caminho diverso do traçado por outras nações em crise, como Portugal e Grécia. País decide não compensar investidores britânicos e holandeses que perderam dinheiro após a crise de 2008.
A reportagem é de Ricardo Mioto e publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, 23-04-2011.
A fria e comportada Islândia virou agora exemplo de rebeldia na Europa. O país, que quebrou com a crise de 2008, resolveu lidar com as dificuldades econômicas de uma maneira bastante diferente de Portugal, Grécia ou Irlanda.
Em vez de pedir ajuda para rolar sua dívida e aceitar pacotes de austeridade impostos pelos credores, simplesmente optou, no último dia 9, por um calote bilionário. Conquistou, assim, a simpatia de políticos europeus que acreditam que os cortes de gastos impostos aos países em apuros só vão piorar as taxas já elevadas de desemprego e comprometer os serviços públicos.
A socióloga portuguesa e deputada do Parlamento Europeu Marisa Matias, por exemplo, disse que "[querem] que famílias paguem por erros de bancos. Os islandeses não entendem assim". Essa também é a opinião da sua colega eurodeputada Eva Joly (França). "Ninguém debateu se os pagadores de impostos devem resgatar instituições financeiras", escreveu no britânico "Guardian". "Espero que o espírito de luta dos islandeses se espalhe."
Esse "espírito" foi manifestado em um referendo no começo do mês, quando 60% dos islandeses votaram "não" ao pagamento de US$ 5,3 bilhões (R$ 8,3 bilhões) a Holanda e Reino Unido. Foi o valor perdido por investidores dos dois países que aplicaram no fundo "Icesave", gerido pelo banco privado islandês Landsbanki.
Os executivos da instituição colocaram o dinheiro dos seus clientes em fundos que se revelaram, durante a crise de 2008, podres. Os governos do Reino Unido e da Holanda acharam por bem restituir as quantias perdidas aos seus cidadãos e mandaram a conta aos islandeses. Como o país tem apenas 320 mil habitantes, a "dolorosa" ficaria em mais de R$ 25 mil por cabeça.
Exemplo argentino
Os dois países credores vão tentar fazer a Islândia pagar com processos em tribunais europeus. É difícil prever exatamente quais serão as consequências do calote para a economia islandesa, mas é provável que o país passe a ter grande dificuldade para conseguir crédito. Além disso, sua entrada na União Europeia deve ser atravancada em represália, limitando acesso a mercados.
A Folha conversou com o conselheiro econômico do governo da Islândia Michael Hudson, professor da Universidade do Missouri (EUA). Ele duvida que o calote trará consequências graves para a Islândia. Cita a Argentina, que em 2002 deu um calote na sua dívida externa e conseguiu reestruturá-la.
Para Hudson, os problemas que a Argentina enfrenta não têm a ver com a decisão de não pagar credores. "O país conseguiu apenas não ser roubado pelos credores estrangeiros, mas manteve seus próprios latifundiários, banqueiros e donos de monopólios", disse.
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Islândia, exemplo de rebeldia na Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU