Por: André | 16 Julho 2015
Somente os euroburocratas sorriram no domingo com o “acordo” entre o Eurogrupo e a Grécia. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ex-primeiro-ministro desse grande ducado dos paraísos fiscais que é Luxemburgo, disse que não se humilhou ninguém e que foi um “típico compromisso europeu”. O presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês, o trabalhista Jeroen Dijsselbloem, tinha razões pessoais para mostrar-se satisfeito. Graças “à boa maneira como conduziu esta negociação”, de acordo com as palavras de um ministro de Finanças da Eurozona, foi reeleito para um segundo período como presidente do grupo.
A imprensa europeia e as “redes sociais”, ao contrário, reagiram com estupefação diante do término do acordo e da estratégia negociadora alemã, descrita pela imensa maioria como uma truculência, cujo objetivo principal foi “humilhar” um país membro, tirar-lhe a soberania e indicar aos demais sobre o que lhes poderia acontecer caso se opusessem à chanceler Angela Merkel. Na própria Alemanha o Der Spiegel indicou que os termos do acordo impostos pela chanceler eram “um catálogo de horrores”.
Nem os meios de comunicação mais conservadores e interessados em uma derrota do primeiro-ministro Alexis Tsipras puderam ocultar uma comoção diante da arma apontada para a sua cabeça para que capitulasse. O hashtag “isto é um golpe” marcou tendência desde quando, no domingo à noite, foi criado por um grupo catalão. Entre os mais de 200 mil seguidores em todo o mundo encontra-se o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman.
O subdiretor do Centre for European Reform, de Londres, Simon Tilford, conversou com o Página/12 sobre o acordo.
A entrevista é de Marcelo Justo e publicada por Página/12, 14-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
É o terceiro resgate da Grécia desde 2010 e é bem mais duro do que os outros dois que provocaram uma contração econômica de 25% e um desemprego de mais de 26%, além de aumentar a dívida para um nível insustentável. Quais são as possibilidades de que este resgate tenha melhor sorte?
Nenhuma. Não há nada neste acordo que sirva para que o país volte a crescer. Na realidade, tratou-se de humilhar a Grécia. Nunca vi algo semelhante ao que aconteceu neste fim de semana em que o resto do Eurogrupo decidiu dar uma lição aos gregos. Este acordo é muito pior que qualquer coisa que esteve sobre a mesa de negociações antes. E em nível político é impossível dizer que impactos terá uma humilhação tão brutal. Uma possibilidade é que haja uma queda ainda maior dos partidos tradicionais e um crescimento de versões mais extremistas.
O primeiro-ministro Alexis Tsipras resgatou dois elementos deste acordo. Um é o reconhecimento de que a dívida é insustentável e que é necessário contemplar algum tipo de reestruturação. O outro fala de um fundo de investimento para o crescimento. Mas lendo o acordo, nenhum destes dois elementos parece ter muita solidez.
Exatamente. Não há novos fundos para a Grécia. O suposto investimento para o crescimento sairá do fundo de privatização. Uma parte desta soma será utilizada para os investimentos, mas isto não é dinheiro novo. Além disso, obriga os gregos a vender ativos muito rapidamente a um preço muito menor que no mercado. Os gregos se prestarão a fazer isso? Não sabemos. É uma das tantas incógnitas deste acordo. Quanto à reestruturação da dívida, todo o mundo sabia que em algum momento era inevitável que fosse reestruturada. O problema não é a dívida. O problema grego é a austeridade, ou seja, ter que gerar um extraordinário superávit fiscal primário para servir a dívida. A única razão porque houve um começo de crescimento grego no ano passado foi porque se desacelerou a austeridade. Agora terão que apertar mais o cinto.
A perda de soberania implícita no acordo é assombrosa. Em um capítulo se diz que o governo grego tem que consultar e negociar com as instituições qualquer projeto de lei relevante nas áreas negociadas antes de submetê-lo à consulta pública ou ao Parlamento. Isto é basicamente ceder a soberania, outorgar um poder neocolonial.
De fato, sim, a Grécia cedeu sua soberania sobre sua política interna. O resgate de fato baseia-se na premissa de que tem que fazer muitas coisas terríveis em muito pouco tempo para ter acesso aos fundos. É um acordo humilhante e brutal. A opção era aceitar isso ou sair da Eurozona. Se vão poder cumprir metade do acordo é discutível. Pessoalmente, não creio que o consigam. Dessa maneira, poderiam ser forçados a abandonar o euro, algo que provocaria muita resistência em países como a França.
O espetáculo deste fim de semana e, na realidade dos últimos anos, tanto da Eurozona como na União Europeia, está há anos luz do projeto inicial transeuropeu que se baseava na solidariedade. A pergunta hoje é não apenas se a Eurozona pode sobreviver no médio prazo, mas se a própria União Europeia tem alguma chance.
Foi um espetáculo humilhante. Ver o governo alemão tão decidido a humilhar a Grécia para adotar uma política de vingança é muito prejudicial para a reputação da União Europeia. Isto pode ser muito difícil para países que estão divididos e m relação à União Europeia, porque demonstrou que é uma instituição que se comporta de uma maneira não democrática e de forma capanguista. Um país que muito provavelmente vai sofrer o impacto é o Reino Unido, que tem que decidir em um referendo se continua ou não na União Europeia. Na Eurozona a mensagem é clara: ou faz o que pedem os credores ou sai.
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Grécia. “O problema é a austeridade”. Entrevista com Simon Tilford - Instituto Humanitas Unisinos - IHU