31 Outubro 2017
Martinho Lutero a 500 anos da Reforma (1517-2017) e da publicação das 95 teses em Wittenberg, no dia 31 de outubro de cinco séculos atrás: ele ainda pode ser considerado um herege, um contestador que, a partir de baixo, queria sacudir as consciências da hierarquia católica do seu tempo? Ou, ao contrário, um profeta capaz de trazer de volta o primado da Palavra de Deus para a vida comum de cada fiel?
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada por Avvenire, 29-10-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem tentou responder a essas perguntas foi o jesuíta Giancarlo Pani, ex-professor de História do Cristianismo da La Sapienza, com uma série de artigos documentados e em chave teológico-histórica, publicados de 2015 a 2017 na revista La Civiltà Cattolica, da qual é vice-diretor: eles agora estão reunidos em um belo livro publicado pela EDB, Lutero tra eresia e profezia [Lutero entre heresia e profecia] (205 páginas).
“Eu acho – argumenta o historiador – que as celebrações deste ano, à luz também dos fortes gestos ecumênicos imprimidos por Francisco nos ajudaram a reavaliar em chave positiva e mais serena para nós, católicos, as mais genuínas intenções da Reforma. O que eu tentei fazer vir à tona a partir do meu ensaio são os traços proféticos do seu estilo de pregação: ele sempre sentiu como seu principal dever ensinar a verdade de acordo com a Palavra entregue à Escritura”.
Um aniversário que, pela primeira vez, em comparação com os outros centenários, nos permitiu conhecer um Martinho Lutero de rosto diferente...
A novidade deste 2017 foi uma verdadeira redescoberta do pensamento do monge agostiniano de Wittenberg, porque, em 1717, ele foi considerado, em chave iluminista, um libertador das trevas do mundo medieval. Um século depois, em 1817, ele foi representado como o arquétipo e o gênio do mundo religioso reinterpretado em uma ótica tipicamente pietista e, finalmente, em 1917, foi até apontado, dentro do clima nacionalista daquela época, como o pai da língua alemã e a personificação do caráter germânico.
Este 2017, acima de tudo, nos fez partícipes de um clima histórico e ecumênico mais sereno em torno dessa figura complexa. Por quê?
Hoje, graças à marca de documentos-chave do Concílio Vaticano II, como o decreto Unitatis redintegratio, o “pedido de perdão” em 1963 aos nossos “irmãos separados” pronunciado por Paulo VI, ou o discurso profético em 1983, no aniversário dos 500 anos do nascimento do ex-monge agostiniano, de João Paulo II, em que Lutero é definido como aquele que “contribuiu de modo substancial para a radical mudança da realidade secular”, ou ainda a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação de 1999 de Augsburg entre católicos e protestantes, podemos compreender melhor e com menor espírito partidário quem era Lutero: certamente não um herege, nem mesmo um rebelde, mas “um reformador”, como o historiador Adriano Prosperi, com justiça, o definiu em um recente livro. O Papa Francisco também o definiu assim em uma entrevista.
E, depois, graças aos frutos inesperados do pós-Concílio, na minha opinião, houve um repensar sobre Lutero como mestre da Sagrada Escritura e da exegese paulina, particularmente da Carta aos Romanos. Hoje, poucos se lembram de que, justamente no fim dos anos 1960, pela primeira vez, para a edição crítica do Novo Testamento, The Greek New Testament, nascida a partir das intuições dos protestantes Eberhard Nestle e Kurt Aland, foi chamado para colaborar um estudioso católico único, o jesuíta turinense Carlo Maria Martini. Isso também significava um pequeno sinal de degelo entre a Igreja de Roma e Lutero.
Um personagem, aos seus olhos, que, portanto, tinha uma autêntica vocação agostiniana e que tentou, no seu coração, pelo menos no início, evitar a fratura com a Igreja de Roma...
Eu mesmo, relendo a sua vida, estou convencido da autenticidade da sua vocação de monge, que teve como modelos justamente Paulo de Tarso e Agostinho de Hipona. Quando Lutero redigiu as 95 teses, como justamente o cardeal Kasper observou, ele escreve um documento de “reforma” dentro da Igreja de Roma, não da Reforma protestante. Este jubileu luterano nos permitiu, entre outras coisas, reler com mais serenidade histórica também as tentativas fracassadas de um homem de grande sutileza teológica como o cardeal, pertencente aos frades dominicanos, Tommaso de Vio, chamado de Caetano, único entre os católicos que, depois do encontro de Augsburg de 1518, entendeu que Lutero estava propondo uma nova ideia de Igreja e de cristianismo. O grande limite de Caetano? Foi o de ter tratado Lutero como herege, porque havia desafiado o papa sobre as indulgências. Infelizmente, foi um diálogo entre surdos.
O que surpreende do monge reformador de Wittenberg e nobre pai do protestantismo, junto com Zuínglio e Calvino no Velho Continente, certamente é o traço inédito de um profundo e genuíno admirador da figura de Nossa Senhora... Como isso é possível?
Estranho quando se pensa no “Lutero” como o imaginamos hoje e do modo como ele nos é apresentado pelo luteranismo oficial. No entanto, mesmo depois da excomunhão de Roma, ele falou de Nossa Senhora em diversas homilias, foi o autor de um belíssimo comentário espiritual sobre o Magnificat e a Ave-Maria, em que ele apresenta a humilde Virgem como “doce Mãe de Deus”. Só nos anos posteriores, quando o luteranismo se afastaria de tudo o que representava a tradição católica, como o culto dos santos e da Virgem, e colocaria no centro a ideia de uma teologia centrada no solus Christus como pedra angular da salvação de cada fiel, só então, é que a figura de Maria seria abandonada, esquecida e quase condenada nas devoções luteranas. Mas, nestas páginas, Lutero nos faz descobrir, justamente comentando o Magnificat, que “o filho de Maria é a nossa salvação”.
A 500 anos das teses de Wittenberg e do início da Reforma luterana, que herança ainda permanece viva?
Certamente, o fato de ter nos ensinado a dar um primado à Palavra de Deus, assim como à consciência, e de como a Bíblia e o tema da Cruz estão sempre no centro da sua busca interior, mas também foram o motor indireto, graças às suas reivindicações inovadoras, daquela Reforma católica que, anos depois, começava. E não nos esqueçamos de que Lutero, em certo sentido, foi o “inventor” do Catecismo: aquele que inspirou, indiretamente e com perspectivas diferentes, o texto que, depois, foi normatizado pela Igreja de Roma com o Concílio de Trento.
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''Lutero não era herege. Era animado por um espírito autêntico.'' Entrevista com Giancarlo Pani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU