Por: Jonas Jorge da Silva | 27 Agosto 2019
A santidade ao alcance de todos, manifestada na vida simples do povo. Com sua Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, o Papa Francisco convida todas as pessoas a navegar por águas mais profundas, a sair da superficialidade e assumir a vida como uma verdadeira missão. “O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade [...] Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa”, escreve Francisco.
Foi com esta inspiração que o CEPAT, no último sábado, 24 de agosto, em parceria com a Rede SERVIR (Rede Inaciana para a Colaboração, Fé e Espiritualidade da Província dos Jesuítas do Brasil), Instituto Humanitas Unisinos – IHU e Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA, promoveu um momento de estudo e reflexão a respeito do chamado de Francisco à santidade no mundo atual. O teólogo Alfredo Sampaio Costa, padre jesuíta, doutor em Espiritualidade pela Universidade Gregoriana de Roma, apresentou os principais tópicos do documento, a partir de sua experiência de formação no âmbito eclesial.
Participantes do encontro (Foto: Igor Sulaiman Said Felicio Borck)
Para compreender corretamente a novidade da encíclica papal, é preciso se desvencilhar de equivocadas concepções do que é a santidade. Muitos cristãos, influenciados por concepções antiquadas, veem a possibilidade de uma vida santa como algo distante, exclusivo de um grupo seleto da Igreja.
Contudo, conforme adverte Francisco, na Gaudete et Exsultate, para ser santo “não é necessário ser bispo, sacerdote, religiosa ou religioso. Muitas vezes, somos tentados a pensar que a santidade esteja reservada apenas àqueles que têm a possibilidade de se afastar das ocupações comuns, para dedicar muito tempo à oração. Não é assim. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra”.
Nesse sentido, Alfredo Sampaio Costa relembrou o monge trapista Thomas Merton e sua crítica à ideia estereotipada de santo, como se fosse alguém sem qualquer mancha espiritual, que nunca pecou ou que teve uma conversão perfeita. Como alguém que sempre oferece respostas heroicas, repletas das intenções mais nobres possíveis. Para Merton, nessa visão, trata-se de um santo de gesso, sem espírito, sentimento ou interesse pelas coisas da humanidade. Em contraposição a tais estereótipos, Merton considera que os santos foram os campeões em humanidade, a exemplo de Cristo, que assumiu plenamente a condição humana.
Tal constatação dialoga diretamente com a defesa que Francisco faz da santidade presente na vida do povo, nos pequenos gestos de dedicação, entrega e altruísmo que faz da vida uma oblação. Longe da ideia de perfeição, santos são pessoas que mesmo com suas imperfeições e quedas não deixam de caminhar iluminados por Deus e impelidos por sua graça.
“Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham para trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir [...] Esta é, muitas vezes, a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus”, ressalta Francisco em sua encíclica.
Nesse sentido, Francisco aterrissa a ideia de santidade, podendo ser assumida como um projeto de vida, que favorece um crescimento e progresso na vida espiritual. Corroborando com o Papa, Costa relembra que “a Teologia Espiritual considera a experiência espiritual do ponto de vista do processo de transformação que se dá na pessoa quando ela se coloca em relação com Deus”.
A partir de uma vida humilde e referenciada em Deus, todos podem ser santos, sem exceção. Trata-se de um chamado universal. A santidade não é uma fuga da realidade, mas, ao contrário, é presença misericordiosa, acolhedora e em sintonia com as dores e alegrias presentes no mundo. O caminho da santidade passa por tornar a própria vida uma missão, em uma dinâmica de compromisso e fidelidade.
Sendo assim, toda pessoa, em sua singularidade, deve discernir o seu próprio caminho, oferecendo o melhor de si. Para Costa, “o discernimento espiritual e a escuta atenta da palavra que o Senhor nos dirige, através dos acontecimentos da vida”, são de fundamental importância.
É preciso entender a santidade na dinâmica da vida, sem gessos e mumificações, aceitando o que o Espírito Santo suscita no coração de cada pessoa, em cada contexto e época da vida. Costa enfatizou que alguns elementos que caracterizam o santo são: abertura à graça, seguimento dócil da ação do seu Espírito, deixar-se conquistar pelo seu amor. Conforme o pensamento do Papa, a vida em santidade não nos torna menos humanos, mas, ao contrário, se dá no encontro do frágil com a força da graça.
Em síntese, com as Bem-aventuranças e com a passagem bíblica de Mateus 25, 31-46, na qual se reconhece Cristo na vida dos pobres e aflitos, Francisco apresenta todo um programa de santificação. É nesta vivência que se completa a assimilação do discípulo ao mestre. Nela está presente um modo de proceder e de se converter aos desígnios de Deus.
Conforme o itinerário de Jesus nos Evangelhos, ninguém se salva sozinho, de forma isolada. Desde o início de seu pontificado, Francisco tem demonstrado que é na vivência evangélica que se encontra o caminho da santidade.
Na parte final do encontro, o CEPAT realizou o lançamento do livro Encarnados no mundo com os olhos fixos em Jesus. Descobrindo a Mística Inaciana (Loyola, 2018), escrito pelo padre Alfredo Sampaio Costa. Foi uma oportunidade para adentrar em alguns momentos da vida de Santo Inácio de Loyola, bem como refletir sobre a riqueza dos Exercícios Espirituais no mundo de hoje, em sintonia com muitas das inspirações do Papa Francisco na Gaudete et Exsultate.
“Ser pobre no coração: isto é santidade”;
“Reagir com humilde mansidão: isto é santidade”;
“Saber chorar com os outros: isto é santidade”;
“Buscar a justiça com fome e sede: isto é santidade”;
“Olhar e agir com misericórdia: isto é santidade”;
“Manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor: isto é santidade”;
“Semear a paz ao nosso redor: isto é santidade”;
“Abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade”;
“A força do testemunho dos santos consiste em viver as bem-aventuranças e a regra de comportamento do juízo final”;
“Não acredito na santidade sem oração, embora não se trate necessariamente de longos períodos ou de sentimentos intensos”;
“A vida cristã é uma luta permanente”;
“Os santos, que já chegaram à presença de Deus, mantêm conosco laços de amor e comunhão”;
“Ninguém se salva sozinho, como indivíduo isolado”;
“Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante”;
“Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra”;
“Não é saudável amar o silêncio e esquivar o encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade, buscar a oração e menosprezar o serviço”;
“Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, e santificamo-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão”;
“Não tenhas medo da santidade. Não te tirarás forças, nem vida, nem alegria”;
“A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça”;
“Lembremo-nos sempre de que o discernimento é uma graça”.
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A santidade sem gessos. O convite de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU