Por: Vitor Necchi | 11 Fevereiro 2018
Flavio Koutzii está em paz. Não porque a vida foi banal e tranquila, mas porque ela valeu pela tentativa. Um dos principais líderes políticos do Rio Grande do Sul, que combateu as ditaduras militares no Brasil e na Argentina, aos 74 anos tem, nas suas palavras, o privilégio e a dor de ler o registro da própria trajetória. Trata-se de Flavio Koutzii: Biografia de um militante revolucionário – De 1943 a 1984 (Porto Alegre: Editora Libretos).
A obra, escrita pelo historiador Benito Bisso Schmidt, foi lançada recentemente, durante a Feira do Livro de Porto Alegre, em uma concorrida sessão de autógrafos. “A biografia é um catalisador de memórias. É duro ter memória, bancar sua memória. É preciso ter coragem”, resume Koutzii.
As 544 páginas transcendem ao personagem, que funciona como um fio articulador para se compor um panorama de um tempo importante e grave dos ciclos ditatoriais do Cone Sul. Elas registram fatos compreendidos desde o nascimento de Koutzii até 1984, quando ele retornou ao Brasil, depois do exílio na França.
O político afirma que, hoje em dia, uma das coisas mais importantes é pensar. “Muitos de nós estamos tendo tanta indignação com o que está acontecendo exatamente porque preservamos determinados valores que sobreviveram em várias gerações”, explica, na entrevista concedida presencialmente à IHU On-Line. “Não tenho a energia e a dinâmica de quando eu era jovem, mas o interessante é não perder a noção das coisas, afogado pelo presente das coisas terríveis que estão acontecendo”.
No meio da entrevista, realizada na sala do apartamento onde vive há mais de 50 anos, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, tradicional reduto judaico, reconheceu que estava indo longe nas respostas. “Não me arrependo, ela tem uma dimensão que com certeza nenhuma outra teve”, considera. “Há intimidades e sutilezas minhas que eu só poderia escrever sobre elas se tivesse bala na agulha para fazê-lo. O que penso e sinto eu sei, mas transferir isso para uma página não sei.” Ele acredita que “é difícil escrever sobre o próprio sofrimento sem ser literariamente capaz de dar a densidade infinita e íntima que os fatos tiveram”. Ao falar do mergulho nos escombros da memória, admite: “Este processo foi infernal. Sofri muito”.
Quando instigado a se dirigir para a esquerda, campo político que está em crise, Koutzii é contundente: “A única coisa que quero falar, no sentido de ser o mais importante, é sobre a ditadura”. Reconhece a importância de se fazer um balanço, mas isso empreenderá junto com a esquerda. “Cada palavra que eu puder dizer, se tiver energia, é para falar, neste momento, do absoluto mal e barbárie que advêm das escolhas que a direita fez neste país”, resume.
Flavio Koutzii | Foto: Youtube
Flavio Koutzii é graduado em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade Sorbonne. Ao longo de sua militância política, foi filiado ao PCB, fez oposição à ditadura militar brasileira de 1964 e integrou a Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul. Na Argentina, no início da década de 1970, atuou no Partido Revolucionário de los Trabajadores – Exercito Revolucionário del Pueblo (PRT-ERP). Quando regressou ao Brasil, nos anos 1980, após o exílio na França, se filiou ao PT, partido pelo qual foi eleito vereador em Porto Alegre e deputado estadual.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O lançamento da sua biografia foi um grande acontecimento na Feira do Livro de Porto Alegre, no dia 14 de novembro. Auditório lotado de pessoas que foram ouvi-lo, depois longa fila de autógrafos. Passados alguns dias, o que mais o marcou?
Flavio Koutzii – O que me marcou bastante a partir do lançamento foi outra circunstância intensa, a partir de uma iniciativa da editora do livro [Libretos], o conhecido Sarau Elétrico [1] [Koutzii foi o convidado do evento realizado no dia 21 de novembro]. Tinha a ver com o lançamento do livro, mas com a estrutura deles, com a participação do Luís Augusto Fischer [2], a Katia Suman [3] e o Diego Grando [4]. Foi uma surpresa. Fiz um deboche com eles: finalmente fui para a noite. Me surpreendeu. A Clô Barcellos [5], que é uma das editoras, disse que estava lotado, em comparação com outras edições. E aqui na minha rua, onde moro há 50 anos [Koutzii mora na Rua João Telles, em Porto Alegre, onde se localiza o bar Ocidente, que abriga o Sarau Elétrico]. Foi muito significativo. Quando terminou, houve aplausos perceptivelmente muito cálidos, nas duas ocasiões (Feira do Livro e Sarau Elétrico].
Tinha muita gente que eu conheço na Feira e no Ocidente. Percebi que era algo entre o reencontro, a despedida e a inquietação. Inquietação porque todo mundo sabe que andei tendo sucessivos problemas de saúde. Passei bastante tempo sem ver as pessoas, então a minha intuição e sensibilidade me dizem que tinha este conteúdo generoso e intenso. Pessoas que me acompanharam tiveram a mesma percepção. Ainda haverá outro lançamento, no Clube de Cultura [no dia 16 de dezembro, às 19h, na rua Ramiro Barcelos, 1.853, com a presença do autor da biografia, Benito Bisso Schmidt].
IHU On-Line – Quais são as suas referências políticas? O que foi determinante em sua formação?
Flavio Koutzii – Isto ocupa uma boa parte do primeiro capítulo do livro, Meu DNA político e ideológico, que tem um jogo de palavras em um dos subtítulos, Começando pelo (Bom) Fim. Fala da minha criação, da minha frequentação ao Clube de Cultura, da esquerda judaica que existiu em uma certa época. Isso era muito vivo na minha juventude e tinha muito a ver no ambiente em que eu cresci, nesta mesma sala. Uma casa cheia de livros, com muita música clássica. Meu pai era um cara de esquerda, com viés comunista, e a minha formação tem muito a ver com isso. Minhas histórias para ninar eram duas que meu pai contava e jamais esqueci. Ele era um bom narrador, com boas inflexões, e me contava sobre a batalha de Stalingrado [6] e a luta do Gueto de Varsóvia [7]. Isso nutriu em mim uma espécie de sentimento romântico, um sentimento épico sobre as lutas e, sobretudo, aprendi a noção de opressão, de oprimido, em relação aos nazistas, tanto na União Soviética quanto na Polônia. Havia este ambiente cultural. Era uma seiva mais cultural que ideológica.
Depois, aos 18 anos, militei na universidade, na formação do Partido Comunista dentro da UFRGS. Logo fui eleito presidente do centro acadêmico da Filosofia, em uma época em que os centros acadêmicos em geral, e o da Filosofia acentuadamente, eram muito progressistas. Aí se iniciou minha atividade política como uma das lideranças universitárias. Foi algo relativamente rápido, já no primeiro ano, o que era incomum. Fui eleito em 1963, e em 1964 teve o golpe de Estado e fui destituído do centro acadêmico.
Depois de eu ser cassado, começaram as lutas que foram emblemáticas daquele tempo, o pós-golpe de 64 e o início da reflexão até 66, que perpassa toda a esquerda que tinha sido derrotada e destroçada nos primeiros momentos do golpe e se fazia uma pergunta crucial para os anos subsequentes: como é que nos passaram por cima tão facilmente? Esta interrogação seguiu em todo o Brasil, nos dissidentes que começaram a se constituir no Partido Comunista, uma espécie de nova vanguarda, e esta pergunta perpassa todo um debate no Brasil e no mundo, quando se discutiam os caminhos a seguir.
Depois disso, fizemos uma opção. Formamos um grupo que se chamava POC [Partido Operário Comunista], com a chamada Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul, que eram os caras do partidão na Filosofia. Na biografia, fomos indo e entramos na circunstância que dá um certo panorama que transcende à minha pessoa. Ainda bem! Isso dá à biografia uma determinada estatura que não começa e nem termina no personagem que é o motivo da biografia.
Pessoas que a leram percebem que foi muito bem-feita, exaustiva, com muito critério por parte do Benito [Bisso Schmidt], sobretudo. Biografia é como atirar um puzzle com mil peças. Se o historiador não souber juntá-las em um período tão longo de anos, as chances de ela sair consistente são menores. Um dos méritos imensos do trabalho do Benito é este: teve tenacidade, método e montou de uma forma muito importante e, ao mesmo tempo, com uma certa qualidade literária, na minha opinião e na de pessoas para as quais eu perguntei expressamente isso.
Como é um livro que está cercado de certas características acadêmicas e se relaciona com a enunciação de alguns conceitos feitos pelo próprio historiador, era meio difícil para mim, genericamente, conseguir fazer uma coisa fluir. E ele conseguiu. É um mérito substantivo: a obra flui e, embora seja extensa, ela transcende ao personagem porque acaba sendo um grande panorama em que o personagem é uma espécie de fio articulador. Acho que este livro não será como o que eu escrevi sobre a prisão argentina, que se chama Pedaços de morte no coração [Porto Alegre: L&PM, 1984], que tinha a ver com o pós-ditadura e acabou ficando datado. Eu dei um testemunho quase imediato do sistema das prisões que havia na Argentina, do qual eu saí, e que elaborei quando estava no exílio na França, uma espécie de memória acolhida na instituição universitária. Era sobre o período pós-abertura e permitiu que as pessoas olhassem aquele universo carcerário. Não tinha papo subjetivo. Foi uma escolha minha. Se eu fosse fazer uma descrição detalhada do sofrimento, não terminaria nunca, e não tinha talento para tanto.
Noto isso em muitas coisas que foram escritas depois, de pessoas formidáveis que sobreviveram à ditadura militar brasileira e que, ao narrarem o que viveram e sofreram, às vezes não conseguiram ter a estatura da sua própria dor, porque não tinham capacidade literária. Narrar o que viveram, sim, mas descrever o que sentiram, não. Dostoievski [8] daria um jeito com alguma facilidade, Graciliano Ramos [9] também o fez. Como eu li toda a literatura dos anos 1960 sobre este assunto, até para me preparar, tenho a pretensão de saber bem o que estou falando.
Esta biografia, diferencialmente, acabo achando agora que ela está conformada, que ela tem esta estatura. Não é descartável rapidamente, porque ela é um quadro histórico significativo e porque há a circunstância singular e perturbadora de que o trabalho termina quando acontece a destruição da democracia e o avanço terrível da barbárie neste país. Começamos a prepará-la na ascensão do período lulista e terminamos na ascensão do período neonazista que estamos vivendo – usando a palavra com alguma mesura, porque não sei como insultar esta gente que não seja com uma palavra mais forte. Algumas pessoas que já leram fazem esta associação diretamente. Isso pode ser interessante para esta nova geração que está sofrendo neste momento. Não é uma insensatez estabelecer esta relação.
IHU On-Line – Para compor a biografia, o senhor precisou revisitar sua trajetória. Como foi este processo?
Flavio Koutzii – Este processo foi infernal. Sofri muito. As poucas coisas que tenho falado em função do lançamento do livro são do ponto de vista do biografado. Destaco a obviedade necessária de que o biógrafo é um e o biografado, outro. Não é o biografado que faz a biografia. No meu caso, se instalaram dois processos da mesma natureza. Um é estar no centro de um processo que implica que o historiador consulte arquivos, ouça muitas pessoas – várias indicadas por mim –, o que é uma certa garantia de que a biografia não é apenas a versão do biografado. Isso é uma questão crucial, conforme o Benito me explicou.
O biógrafo não fica com a versão do biografado, ele examina essa versão. Como é feito com muito critério, há um crescente amalgamento dos depoimentos que ele vai colhendo, dos documentos que ele vai pesquisando, do fato de que ele foi à Argentina, onde conheceu companheiros meus de prisão e até um universo, como ele mesmo diz, de um país que não conhecia, no sentido mais profundo. Benito evoca, quase no início do livro, o primeiro encontro dele com um grande amigo meu, que esteve preso comigo, e explica de maneira muito tocante e comovente como foi esta primeira conversa. Uma revelação, porque meu amigo tem uma memória infernal.
Uma certa policromia é elemento decisivo em um trabalho desta ambição. Os matizes de uma vida, que nunca são apenas a versão que o biografado tem de si mesmo, vão ganhando nuances, pinceladas, tons e semitons do conjunto dos documentos, do período histórico no qual ele também vai se alimentando.
Durmo pouco, então o processo de reconstrução da memória é como um triturador, pela impossibilidade de contê-lo. Não fico vendo filmes da Disney todo tempo, se não me distrairia. Leio muito, vejo muita coisa, gosto muito de cinema, mas o troço vem. A dinâmica da reconstrução que a biografia suscita, e que o biógrafo suscita para o biografado, tem ao mesmo tempo o envelhecimento, e isso é fortíssimo. Os dois temas, biografia e envelhecimento, são da mesma natureza, por isso uso a palavra triturante. Não tem como conter as duas, elas vêm e emergem para a superfície. Por exemplo: a relação com minha mãe. Durante os anos em que estive preso, ela foi à Patagônia, na Argentina, para me visitar. Apenas parente consanguíneo podia ir, e tinha contato durante dez minutos através de um vidro blindado. Ela fazia uma coisa que não era de sua cultura, nem de sua natureza, porque quem se meteu nesta história fui eu. São mulheres que notavelmente nunca aceitaram as coisas, como as mães e as avós da Praça de Maio [10], na Argentina. É um tema clássico das ditaduras: quando um cara desaparece e o Estado não diz que ele está morto, fica uma potencial transferência para o pai e a mãe, que precisam dizer que ele está morto. Por isso as mães da Praça de Maio nunca afrouxaram, porque elas têm uma compreensão profunda disso. São temas que quem viveu na Argentina entende muito bem.
Minha mãe fez a sua parte e, quando eu volto em liberdade, não fui o filho que deveria ser. Depois do meu amadurecimento, não dei um retorno suficiente à minha mãe, em seus anos mais difíceis. Este é um exemplo nítido, é um tema central da minha vida, e ele vem, emerge, não tem vez que não venha. Cria-se, na velhice, um mecanismo incontido de associações. Tenho até hoje, de qualquer natureza. Desde ver um filme ou ler um parágrafo, que engatam e desencadeiam um processo emotivo. É como se fosse uma tesoura, que aperta pelos dois lados. Ou eu fracassei em determinado assunto, não fui o filho que deveria ter sido, e isso vai virando uma máquina de moer carne.
Algo essencial, que comento brevemente no posfácio do livro, e é próprio do envelhecimento, é a noção do irremediável. Não tem volta. A pessoa pode fazer de conta que não está entendendo, para poder lidar com o próprio envelhecimento, com a proximidade do tema da finitude, mas não há como este tema não vir. A locomotiva da memória está sempre andando, e haja combustível, haja carvão.
IHU On-Line – Após fazer um balanço de parte expressiva da sua vida e de sua trajetória política, há arrependimentos?
Flavio Koutzii – Não. Esta resposta parece categórica demais, mas falo em geral. Fiz muitos erros, mas a questão que está posta para mim, que sou o biografado, tem a ver com esta pergunta. É muito difícil para pessoas que fizeram certas trajetórias – e que eventualmente foram lideranças ou intelectuais que produziram coisas importantes – se relacionar com o passado. É um desafio específico da condição humana. Não apenas quando o cara fica velhinho, mas quando tem que encarar no espelho da história o que ele decidiu e, às vezes, há arrependimentos. Vejo muitas lideranças políticas com dificuldade de lidar com o próprio passado, porque é lidar com o próprio sentido da sua vida, e somente se dá conta disso quando se tem mais rodagem.
Tenho muitas culpas e digo isso em várias partes do livro. Os companheiros que perdi, os companheiros que morreram lutando em políticas que em determinado momento tomei influência. No que me concerne, onde há perdas importantes e dolorosas, se acho que fui um dos responsáveis, não tenho como me desresponsabilizar disso. Mas o fato de não me desresponsabilizar – algo eticamente correto e pertinente – não quer dizer que não tenha uma percepção crítica. Não falei isso para ninguém ainda, mas acho que o que está acontecendo agora no Brasil dá mais razão para as escolhas feitas em um longínquo passado, do que se fosse lido há 30 anos, como um pedaço da história.
Identifico pessoas que lidam com dificuldade com este tema, a partir de uma certa época da vida, pois questionar isso é questionar a própria vida. Tenho a pretensão de ter uma certa sabedoria nisso, por conta de tudo o que vivi e li. Eu me sinto individualmente muito responsável, o que transpira dentro do livro. Não tenho respostas muito simplificadas, pois seriam redutoras demais.
No final do livro, faço uma homenagem comovida ao Che [11], que para mim é uma referência. Não porque eu ache, como fiz em algum momento, que a estratégia da luta armada deva ser retomada. Mas, para mim, Che é um personagem gigantesco por elementos centrais, comportamentos, valores humanistas extraordinários. Não acho que isso seja uma espécie de fascinação mística, culto à personalidade. Che é um cara crucial e emblemático do final do século 20, quando há uma atualização dele.
Um grande parceiro meu, em depoimento, fez uma fala onde praticamente considera o Che um homicida, o que me deixa puto, então resolvi fazer esta homenagem ao final, no posfácio, porque não podia ficar assim. Mas, sobretudo, porque não poderia ficar assim agora, no presente, do ponto de vista do simbolismo, quando se vê nas propagandas da televisão um elogio sacralizador do empreendedor. Não há nada que deixe de falar de empreendedor. Isso é da cultura americana, o loser e o que venceu, e toda merda que vem junto. Todas as notícias que lemos começa dizendo que o mercado gostou ou não gostou.
Como sou a favor de uma sociedade humana, e não a favor de uma sociedade dominada pela mercadoria e pela lógica capitalista, acho que a condição humana está sofrendo um ataque absolutamente bárbaro em todos os terrenos, por isso temos a brutalidade, a regressão total através de preconceitos, da selvageria nas relações. Deste ponto de vista meu, pelo qual vejo o que está acontecendo e me incomodo, sustento esta noção de atualidade. Não do ponto de vista literal, mas de um símbolo. É um recado final. Eu incluo isso como um elemento não de uma nova plataforma, mas como uma despedida.
IHU On-Line – E do que se orgulha?
Flavio Koutzii – Tenho todas as características de um cara de formação judaico-cristã, com a absoluta onipresença da noção da culpa, e tenho uma visão muito crítica de mim, crítica de mim com a minha consciência. Tenho cicatrizes, isso me faz mal, e não me orgulho de cada uma delas. Gosto muito da vida que tive, mas não porque ela me fez necessariamente feliz. Chego a dizer isso inspirado em uma letra de um tango [12] notável – a diferença entre viver e honrar a vida. Isto é a melhor resposta que posso dar.
As duas coisas andam juntas. A noção de ter lutado por causas que defendo até hoje, por valores, e isso é uma maneira de honrar a vida. Por isso acho a frase do título do livro, “biografia de um militante revolucionário”, excessiva. O Benito definiu o título com a palavra revolucionário. É uma palavra muito grande para mim, continuo achando, mas na hora H não discuti porque considerei suficiente. De fato, foi o que tentei, eu e minha geração. Do ponto de vista da tentativa – não do ponto de vista da qualificação do que fiz como ser humano, o que fiz bem, o que fiz mal, o que não tive as coragens necessárias – se sustenta. Na linguagem da esquerda, de seus símbolos e de seus códigos, dizer que alguém é revolucionário é a maior coisa que talvez se possa dizer de um lutador social, de um cara que construiu ideias e teorias.
Eu estou em paz, não no sentido de que tudo é banal e tranquilo, mas de que valeu pela tentativa.
IHU On-Line – Passar por episódios brutais no ciclo de ditaduras do Cone Sul teve que impacto na sua maneira de encarar a vida?
Flavio Koutzii – Estas coisas me reforçaram. De um lado, as minhas opiniões sobre a necessidade de tentar fazer um mundo melhor – agora estamos na época de fazer um mundo pior. Aquelas noções que se observaram muito quando a hegemonia do neoliberalismo começou a se consolidar, fim da ideia de solidariedade, fim da ideia de compartilhar, uma dinâmica total de o homem é o lobo do homem [13], prepare-se para a competição do mercado senão está fora. Este tipo de coisas que foram se hegemonizando cada vez mais no pensamento ocidental. Desse ponto de vista, da minha experiência, a noção de justiça e de direito das pessoas, noção de respeito – que não é de compaixão –, de humanismo, isso se reforçou.
De outro lado, se reforçou a percepção, na própria carne, dos movimentos repressivos, da dimensão brutal da injustiça que pode ser feita inclusive pelo fato de se pensar diferente. Por isso eu mantive em parte meu ideário, mesmo quando fui deputado durante 16 anos, em um espaço que não é para a palavra revolucionário – se chama esfera institucional, o parlamento.
Disso que se trata, pessoas que vinham da minha cultura política, e tantos antes, pessoas que admiro, de que gosto muito até hoje, Olívio [14], Tarso [15], Raul [16], Rossetto [17], são uns caras que sempre honraram os seus valores. Não tem notas muito dissonantes aqui no Rio Grande do Sul. Não pode ser por causa do vento Minuano. Deve ter uma educação determinada, que foi um pouco o DNA do PT gaúcho. Não somos nenhum CTG [centro de tradições gaúchas], mas, do ponto de vista de uma certa educação de valores, isso está absolutamente perceptível em suas figuras mais conhecidas. Pessoas como Fontana [18], e vários outros. Se fizessem o que não devia, já se saberia, pois estamos sempre na pontaria.
Esses impactos difíceis confirmaram a minha visão de mundo. E o que seguramente fizeram comigo e com muita gente – são muitos e milhares aqui e na América Latina – é uma humanização mais densa e contraditória. Hoje dia, uma das coisas mais importantes é pensar, pensar. O pensamento e os matizes do pensamento e das escolhas de cada ser humano estão totalmente ameaçados. Muitos de nós estamos tendo tanta indignação com o que está acontecendo exatamente porque preservamos determinados valores que sobreviveram em várias gerações. Isso dá uma certa atualidade à biografia, neste sentido. São valores que defendemos. Não tenho a energia e a dinâmica de quando eu era jovem, mas o interessante é não perder a noção das coisas, afogado pelo presente das coisas terríveis que estão acontecendo. Isso é uma prova de que, a longo prazo, soubemos manter determinados valores e de que eles não nos soterraram.
IHU On-Line – Mario Quintana, em um poema, fala “da vez primeira em que me assassinaram”. A lembrança desse verso decorre da leitura do posfácio da sua biografia, onde o senhor escreveu que tem “o acalanto confortante de ter vivido muito mais do que minhas mortes prenunciavam”. Quais foram as suas mortes? E qual sua estratégia para se manter vivo?
Flavio Koutzii – Há perguntas que prefiro não responder. São totalmente pertinentes, mas são muito densas para responder. É difícil escrever sobre o próprio sofrimento sem ser literariamente capaz de dar a densidade infinita e íntima que os fatos tiveram. Isso tem a ver com este momento, em que há uma biografia, e sobre este tema não quero falar. Não sou uma espécie de anexo da biografia efetivamente escrita. Existe o livro, logo existe a dimensão múltipla, seus valores e não valores.
Estou indo muito longe nesta entrevista. Não me arrependo, ela tem uma dimensão que com certeza nenhuma outra teve. Agora, é diferente. Há intimidades e sutilezas minhas que eu só poderia escrever sobre elas se tivesse bala na agulha para fazê-lo. O que penso e sinto eu sei, mas transferir isso para uma página não sei. E tem uma parte disso que é explícita e é um dos aprendizados da biografia: eu faço uma certa escolha dos meus labirintos. Eu não deformo as coisas para ajeitar a biografia como gostaria.
Se isso é um baita de um self, devo me proteger de algumas coisas porque o mundo é cruel. Se eu fosse deputado agora, pegariam esta biografia e espremeriam cada frase para me enfiar na cara, tentar me destruir, tentar me diminuir. Neste tempo de hoje, há uma convivência tensa e complexa entre a obra e o presente. O que fizeram com a Judith Butler [19]... Não tem limite nenhum. É uma intelectual interessante. Temos que estar atentos. Há um matador em cada esquina – para dizer de uma forma dramática. Não estou fora deste universo. Tanto o Benito quanto eu, lá pelas tantas, percebemos esta demencialização do período que vivemos, política e socialmente.
Frente à intimidade que tua pergunta toma, ou eu dou uma enrolada – o que não farei – ou digo o que estou dizendo. Isto está na biografia. O livro – não como fetiche, mas como produto espiritual, de lenta construção, como se fosse uma argila, pois não deixa de ser uma escultura – tem este tema que faz parte de escolhas irreversivelmente subjetivas e pessoais e, ao mesmo tempo, políticas e sociais. Tem coisas que ficaram mais reservadas e ficarão, a menos que eu resolva escrever uma carta de adeus.
O pudor do historiador, que não violenta seus critérios profissionais e éticos, é muito importante na avaliação desta biografia. Há uma delicadeza com que o biógrafo transita por um universo complicado e cheio de nuances, com que trata a vida do biografado. Há coisas que eu tomei a iniciativa de falar, como sobre a luta política, em alguns momentos a luta armada, coisas que fiz e não fiz. Vivemos um momento histórico em que se deve evitar uma coisa exibicionista ou heroicizante, o que eu sempre queria que não acontecesse, e não aconteceu.
IHU On-Line – Qual a sensação de ler a própria biografia?
Flavio Koutzii – Enquanto a biografia está sendo construída, as dores vêm, não dá para segurar a memória. Há uma enorme singularidade, pois não é todo mundo que nesta etapa está vivo ainda e pode ver e ler uma biografia sobre si mesmo. Existo ainda, e minha história me provoca diversas reações. A percepção de si que se tem é privilegiada. A biografia é um catalisador de memórias. É duro ter memória, bancar sua memória. É preciso ter coragem. Uma biografia não é um flashback que se vê em um filme, quando o cara cai no chão ferido e lembra da esposa, das crianças, de forma fulminante, em breves segundos. A biografia é uma filmagem em câmera lenta com direito a replay. Posso voltar nela a qualquer momento. Não é uma sensação aguda. É um tema de longo prazo. Ler a própria biografia é uma sensação especialíssima, privilegiada e dolorosa. Ao mesmo tempo, acontecem agora reações tão confortadoras e cálidas, de reconhecimento, muitas pessoas têm expressado. Há um clichê: posso perceber o conjunto da obra.
A finitude está na ordem do dia – e isso não é pouca coisa dizer. Ao mesmo tempo, o conjunto da percepção de mim mesmo está com uma nitidez ofuscante na biografia. Isso é sofrido. Leio passagens sobre as coisas mais íntimas, pois não são segredos, mas formas como olho a mim mesmo. Tem o exemplo da minha mãe: não honrei este afeto, com ela, que foi lá na Patagônia... É ultradilacerante, mas, ao mesmo tempo, é um pedaço de mim, não tem volta. Se agora eu me sinto muito mal por ter dado apenas esta resposta, este retorno a ela, sou eu. Há algo interessante no livro: o Benito dedica o livro à minha mãe. E não é por acaso, ele sabe todos os trânsitos que comentei e seguramente tem a opinião dele sobre isto: “Para Clara, por Flavio”. Eu sei por que ele fez, e acho de uma delicadeza, uma sensibilidade muito grande. É que, ao longo de tudo, ficou claro para ele, e para mim, que há uma dívida.
IHU On-Line – O senhor é uma referência para as esquerdas porto-alegrense e gaúcha. Sua voz é ouvida e respeitada. Aos 74 anos, o que diria a este campo político que está em crise?
Flavio Koutzii – A única coisa que quero falar, no sentido de ser o mais importante, é sobre a ditadura. Claro, tem um balanço da esquerda a ser feito, mas isso farei junto com a esquerda, mas não para tapar o sol com a peneira. Cada palavra que eu puder dizer, se tiver energia, é para falar, neste momento, do absoluto mal e barbárie que advêm das escolhas que a direita fez neste país. É isso que quero dizer.
É um privilégio poder me explicar. Tenho um certo papel, mas acho que este crédito que se pressupõe na tua pergunta, hoje em dia, é tratado por mim com extrema reserva e pudor, no sentido do que nós estamos vivendo e do que eu ainda seria capaz de fazer. Desta minha formação, que ainda vem dos anos mais difíceis, acredito que o cara tem de falar o que ele é capaz de fazer.
Quem tem que fazer o aggiornamento disso, e colocar as coisas na sua devida proporção, sou eu. Eu que escolho. Não com arrogância. O passado foi tão duro que há um respeito. Isso põe em mim um certo peso, uma transcendência, que considero demasiada. Então eu devo estabelecer o limite. Tenho feito isso e tenho recusado alguns convites. Só estou disposto a dizer o que ajude a compreender o momento que vivemos. Espera-se de uma liderança, a qualquer época, que ela lidere, incentive, dê a linha e, de preferência, vá na frente. Eu não tenho mais essa pegada de mobilizar, então fico mais reservado.
Notas:
[1] Sarau Elétrico: atividade cultural tradicional da cidade de Porto Alegre, que ocorre sempre no Bar Ocidente, no bairro Bom Fim, às terças-feiras, reunindo nomes do círculo cultural da capital gaúcha para discutir diversos temas. (Nota da IHU On-Line)
[2] Luís Augusto Fischer (1958): escritor, ensaísta e professor brasileiro. Nascido em Novo Hamburgo, Fischer vive em Porto Alegre desde o seu primeiro ano de vida. É formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Cursou também História, mas não concluiu. Tem mestrado e doutorado (com tese sobre Nelson Rodrigues) também pela UFRGS, onde leciona Literatura Brasileira desde 1985. Escreve regularmente para vários jornais, como Zero Hora, Folha de S. Paulo e ABC Domingo (de Novo Hamburgo). Também colabora com as revistas Bravo! e Superinteressante. Entre 1993 e 1996, foi coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre. De 1998 a 1999, foi presidente da Associação Gaúcha de Escritores. Desde 1999, juntamente com o professor Cláudio Moreno e a radialista Kátia Suman, Fischer organiza o Sarau Elétrico, evento que acontece todas as noites de terça-feira no Bar Ocidente, no bairro Bom Fim, sempre com leituras de textos em torno de um tema ou de um autor, e que se tornou uma referência para a cultura de Porto Alegre. Em 2007 recebeu da Secretaria Municipal de Cultura o Prêmio Joaquim Felizardo, como Intelectual do Ano de Porto Alegre. Em 2007, recebeu da Secretaria Municipal de Cultura o Prêmio Joaquim Felizardo, como Intelectual do Ano de Porto Alegre. Em 2013, foi eleito Patrono da 59ª Feira do Livro de Porto Alegre. Tem publicados vários livros de contos, crônicas, ensaios e teoria literária. Seus maiores sucessos de vendas são Dicionário de Porto-Alegrês (Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999) e Dicionário de Palavras e Expressões Estrangeiras (Porto Alegre: L&PM, 2004). Em 2005, publicou seu primeiro texto de ficção mais longo, a novela Quatro Negros (Porto Alegre: L&PM). É autor também de Inteligência com dor – Nelson Rodrigues ensaísta (Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2009), Machado e Borges – e outros ensaios sobre Machado de Assis (Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2008) e Duas Águas (Porto Alegre: L&PM, 2008). (Nota da IHU On-Line)
[3] Katia Suman (1957): jornalista, comunicadora e produtora cultural nascida em Salvador. Graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, mestra em Comunicação Social pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Com poucos meses de idade, mudou-se com a família para Porto Alegre. Estudou no Colégio Júlio de Castilhos, onde fez um curso técnico de redatora publicitária. Com 18 anos, começou a trabalhar com publicidade em São Paulo, onde viveu sete anos, iniciando também estudos superiores de Letras, que abandonou antes de concluir. No mesmo período fez algumas experiências com teatro. Nesta altura, veio a conhecer a Rádio Bandeirantes (depois Rádio Ipanema FM) de Porto Alegre, que mantinha uma programação diferenciada. Apresentando uma proposta de trabalho privilegiando a música brasileira, foi contratada em 1983. Na Ipanema, permaneceu por muitos anos, assumindo diversas funções e ganhando renome como locutora, comentarista e programadora musical, apoiando músicos e bandas emergentes e prestigiando na programação uma variedade de gêneros. Contribuiu de forma importante para consolidar o prestígio da Rádio Ipanema e, nas palavras de Luiz Artur Ferraretto, a locutora era extremamente popular "graças à sua performance ao microfone nas noites dos 94,9 MHz, quando abre espaço para os, na sua expressão frequente, 'radiouvintes', em conversas que variam do hilário a uma profundidade 'papo-cabeça', não usual na programação jovem de consumo rápido de outras estações”. Depois lançou uma emissora própria na internet, a Rádio Elétrica, centrada em temas ligados a sustentabilidade, consumo, comportamento, leis, política, ativismo e urbanismo; trabalhou na TV COM, na FM Cultura, na Pop Rock FM e na Unisinos FM. Foi a idealizadora e até hoje é apresentadora do Sarau Elétrico, projeto de música e literatura realizado desde 1999 no Bar Ocidente, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre. É membro fundador dos coletivos Ocupa Cais Mauá e Cais Mauá de Todos, que lutam para preservar o sítio histórico e paisagístico do Cais Mauá contra um projeto oficial de revitalização que tem causado uma grande polêmica. Recebeu o Prêmio Joaquim Felizardo de 2007 na categoria Mídias Culturais/Rádio. Em 2010, recebeu da Câmara de Vereadores de Porto Alegre o título de Cidadã de Porto Alegre. (Nota da IHU On-Line)
[4] Diego Grando (1981): poeta e professor de literatura. Licenciado em Letras – Português/Francês e doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e mestre em Teoria da Literatura – Escrita Criativa pela Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Publicou Desencantado carrossel (Porto Alegre: Não Editora, 2008) e Sétima do singular (Porto Alegre: Não Editora, 2012), além de poemas em jornais, revistas e antologias. Faz parte do elenco do Sarau Elétrico, evento de literatura que acontece todas as terças-feiras no Bar Ocidente, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre. (Nota da IHU On-Line)
[5] Clô Barcellos: formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, em designer pela Universidade Luterana do Brasil – Ulbra e artes plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS). Atua desde 1982 na área de design editorial (jornais, revistas e livros). Dirige a Libretos Design Editorial desde 1998. Entre os trabalhos que executou como designer, estão Os Farrapos (premiado com Troféu Açorianos de Literatura 2002, categoria Projeto Gráfico), Astrologia, o cosmos e você (premiado com Troféu Açorianos de Literatura 2004, categoria Projeto Gráfico), ambos para a RBS Publicações, e 50 anos do Margs (Museu de Artes do Rio Grande do Sul), que recebeu o Prêmio Açorianos de Literatura, categoria Projeto Gráfico, e o Prêmio Bornancini/I Salão Apdesign, categoria design editorial, ambos em 2006. Além disso, é responsável pelo design dos livros História Ilustrada de Porto Alegre e História Ilustrada do Rio Grande do Sul, Lendas Gaúchas, Protasio Alves e o seu tempo, Carlos Reverbel, textos escolhidos, entre outros. (Nota da IHU On-Line)
[6] Batalha de Stalingrado: operação militar conduzida pelos alemães e aliados contra as forças russas em 1942 pela posse da cidade de Stalingrado, durante a Segunda Guerra Mundial. (Nota da IHU On-Line)
[7] Gueto de Varsóvia – foi o maior gueto judaico estabelecido pela Alemanha Nazista na Polônia durante o Holocausto, ao tempo da Segunda Guerra Mundial. Nos três anos da sua existência, fome, doenças e deportações para campos de extermínio reduziram a população estimada de 380 mil para 70 mil habitantes. (Nota da IHU On-Line)
[8] Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881): um dos maiores escritores russos e tido como um dos fundadores do existencialismo. De sua vasta obra, destaca-se Crime e castigo, O Idiota, Os Demônios e Os Irmãos Karamázov. Ao autor, a revista IHU On-Line edição 195, de 11-9-2006, dedicou a matéria de capa intitulada Dostoiévski. Pelos subterrâneos do ser humano. Confira, também, as seguintes entrevistas sobre o autor russo: Dostoiévski e Tolstoi: exacerbação e estranhamento, com Aurora Bernardini, na edição 384, de 12-12-2011; Polifonia atual: 130 anos de Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, na edição 288, de 6-4-2009; Dostoiévski chorou com Hegel, entrevista com Lázló Földényi, edição nº 226, de 2-7-2007. (Nota da IHU On-Line)
[9] Graciliano Ramos (1892-1953): escritor alagoano, nascido em Quebrângulo. Autor de numerosas obras, várias delas adaptadas para o cinema, como Vidas secas e Memórias do cárcere, em 1963 e 1983, respectivamente, por Nelson Pereira dos Santos. Vidas secas foi o objeto de estudo do Ciclo de Estudos sobre o Brasil, de 17-6-2004, no IHU. Quem conduziu o debate foi a professora Célia Dóris Becker. Confira uma entrevista que a professora concedeu sobre o tema na 105ª edição da IHU On-Line, de 14-6-2005. Confira, também, a edição 274, de 22-9-2008, intitulada Josué de Castro e Graciliano Ramos. A desnaturalização da fome. (Nota da IHU On-Line)
[10] Mães da Praça de Maio: mulheres que se reúnem na Praça de Maio, em Buenos Aires, para exigirem notícias de seus filhos desaparecidos durante a ditadura militar na Argentina (1976-1983). Alguns pais e mães, considerados subversivos, tiveram seus filhos retirados de sua guarda e colocados para a adoção durante a ditadura. Quando acabou o regime de exceção, muitos filhos estavam sob guarda de famílias de militares. Ainda hoje, todas as quintas-feiras, as mães realizam manifestações na Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, buscando manter o desaparecimento de seus filhos vivo na memória de todos os argentinos. (Nota da IHU On-Line)
[11] Che Guevara (Ernesto Guevara de la Serna, 1928-1967): um dos mais famosos revolucionários comunistas da história. Nasceu em Rosário, na Argentina, e morreu em La Higuera, Bolívia. Foi guerrilheiro, político, jornalista, escritor e médico. Guevara foi um dos ideólogos e comandantes da Revolução Cubana (1953-1959). Ele participou desde então, até 1965, da reorganização do Estado cubano, desempenhando vários altos cargos da sua administração e de seu governo, principalmente na área econômica, como presidente do Banco Nacional e como ministro da Indústria, e também na área diplomática, encarregado de várias missões internacionais. Convencido da necessidade de estender a luta armada revolucionária a todo o Terceiro Mundo, Che Guevara impulsionou a instalação de grupos guerrilheiros em vários países da América Latina. Entre 1965 e 1967, lutou no Congo e na Bolívia, onde foi capturado e assassinado de maneira clandestina e sumária pelo exército boliviano, em colaboração com a CIA, em 9 de outubro de 1967. Foi considerado pela revista norte-americana Time uma das cem personalidades mais importantes do século 20. Para muitos dos seus partidários, representa a rebeldia, a luta contra a injustiça social e o espírito incorruptível. Em contrapartida, muitos dos seus opositores o consideram um criminoso, responsável por assassinatos em massa, e acusam-no de má gestão como ministro da Indústria. Sua fotografia feita por Alberto Korda é uma das imagens mais reproduzidas do mundo e um dos ícones do movimento contracultural. Tanto a fotografia original como suas variantes, algumas apenas com o contorno do seu rosto, têm sido intensamente reproduzidas, para uso simbólico, artístico ou publicitário. Che Guevara foi tema da edição 239 da IHU On-Line, de 8-10-2007. (Nota da IHU On-Line)
[12] Honrar la vida, música e letra de Eladia Blázquez. (Nota da IHU On-Line)
[13] Trata-se de uma ideia de Thomas Hobbes. Sobre o assunto, ver a entrevista com Maria Isabel Limongi intitulada O conflito é o motor da vida política, publicada na edição 276 da IHU On-Line. (Nota da IHU On-Line)
[14] Olívio Dutra (1941): sindicalista e político nascido em Bossoroca (RS). Foi prefeito de Porto Alegre, governador do Rio Grande do Sul e ministro das Cidades. Formado em Letras, Olívio foi funcionário concursado do Banrisul, a partir de 1961. Nesta condição, começou a militar no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e chegou à presidência da entidade em 1975. Comandou a greve geral do funcionalismo público de setembro de 1979, motivo pelo qual foi preso durante a ditadura militar e perdeu seu mandato sindical. Foi presidente do PT gaúcho de 1980 a 1986. (Nota da IHU On-Line)
[15] Tarso Genro (1947): advogado e político nascido em São Borja (RS). Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Foi duas vezes prefeito de Porto Alegre, ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em 3 de outubro de 2010, elegeu-se governador do Rio Grande do Sul no primeiro turno, com mais de 54% dos votos válidos. (Nota da IHU On-Line)
[16] Raul Pont (1944): historiador e político nascido em Uruguaiana (RS). Fundador do Partido dos Trabalhadores. Foi líder estudantil, militante sindical, professor universitário, deputado estadual e federal, além de 39ª prefeito de Porto Alegre, entre 1997 e 2001. Como estudante de História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos anos 1960, iniciou-se na política como militante estudantil. Elegeu-se presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) em 1968. Foi perseguido durante a ditadura militar devido ao seu envolvimento com grupos de esquerda e mudou-se para São Paulo. Retornou a Porto Alegre em 1973 e participou do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (Iepes), organização ligada ao MDB. Foi professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos de 1977 a 1991. No final da década de 1970, participou da fundação do jornal Em Tempo. No início dos anos 1980, envolveu-se com as mobilizações sindicais que culminariam com o surgimento do PT. Foi secretário geral e presidente do PT do Rio Grande do Sul, membro da executiva nacional e tesoureiro. Em 1982, foi candidato do partido ao Senado, e em 1985, candidato à prefeitura de Porto Alegre. Não se elegeu nestas ocasiões, quando o PT ainda era pequeno e tentava se firmar como força política. Em 1986, entretanto, foi o candidato mais votado do partido no Rio Grande do Sul e elegeu-se deputado estadual constituinte, sendo o líder da bancada nos dois anos seguintes. Em 1990 elegeu-se deputado federal. Em 1992, Tarso Genro elegeu-se prefeito da capital gaúcha, tendo Raul Pont como vice. Em 1996, Pont conquistou a prefeitura. Na sua gestão, o PT deu início ao seu mais grandioso projeto na capital gaúcha, a construção da 3ª Perimetral, via expressa que liga a zona sul à zona norte sem passar pelo centro da cidade. Nas eleições de 2002, Pont foi eleito deputado estadual e retornou para a Assembleia Legislativa. Reelegeu-se em 2006 e 2010 para deputado. Não concorreu à reeleição em 2014. Foi candidato novamente à prefeitura de Porto Alegre em 2016. (Nota da IHU On-Line)
[17] Miguel Rossetto (1960): político e sindicalista brasileiro nascido em São Leopoldo. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Iniciou-se na política no final dos anos 1970, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Leopoldo, concorrendo como primeiro candidato a presidente numa chapa de oposição. Participou do movimento de fundação do Partido dos Trabalhadores e fez parte da primeira executiva estadual do partido. Em 1982, foi candidato a deputado estadual, mas somente em 1996 conquistou um cargo eletivo, o de deputado federal. Foi ainda presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Polo Petroquímico de Triunfo, de 1986 a 1992. Integrou ainda a executiva estadual da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul e da CUT Nacional. Em 1998, foi eleito vice-governador, na chapa encabeçada por Olívio Dutra. Em 1º de janeiro de 2003, após ser derrotado na busca pela reeleição no pleito de 2002, desta vez com Tarso Genro encabeçando a chapa, foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o cargo de ministro do Desenvolvimento Agrário. Em 2006, tentou uma vaga no Senado, mas apesar de ter superado todas as expectativas, acabou perdendo o cargo para Pedro Simon. Em 17 de março de 2014, assumiu novamente como ministro do Desenvolvimento Agrário, agora no governo de Dilma Rousseff. Deixou o cargo em 8 de setembro do mesmo ano, para fazer parte da coordenação da campanha para a reeleição da presidente. Em 29 de dezembro de 2014, foi confirmado como o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência do segundo mandato de Dilma Rousseff. Em 2 de outubro foi transferido para o Ministério do Trabalho e Previdência Social. (Nota da IHU On-Line)
[18] Henrique Fontana (1960): médico, administrador e político nascido em Porto Alegre, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Formado em Administração de Empresas e Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, foi eleito vereador da capital gaúcha em 1992. Em 1996, foi reeleito vereador e se tornou secretário municipal da Saúde, na gestão de Raul Pont. Candidato a deputado federal pela primeira vez em 1998, teve votação expressiva e ingressou na bancada do PT na Câmara Federal. A partir daí, destacou-se no Congresso Nacional pela sua oposição ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Com Olívio Dutra à frente do governo gaúcho, Fontana tornou-se defensor de projetos de interesse do Rio Grande em Brasília. Em 2002, foi reeleito deputado federal. Com a vitória de Lula, passou a mostrar habilidade já na vice-liderança da bancada do PT e, posteriormente, na liderança do partido, durante a crise de 2005, função que ocupou até o início de 2007. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) colocou Fontana entre os parlamentares mais destacados do Congresso. Em 2008 e 2009, foi eleito pelos parlamentares como o segundo deputado mais destacado do Congresso Nacional. Pela sua atuação, recebeu também prêmios do site Congresso em Foco. Na reeleição de Lula em 2006, Fontana ampliou sua votação. Foi eleito para o terceiro mandato federal consecutivo. Em 2007, foi vice-líder do Governo Lula e líder de 2008 a 2010. Em 2010, foi eleito pela quarta vez consecutiva para o cargo na Câmara, com mais de 131 mil votos. Em 2014, voltou a ser líder do Governo na Câmara, desta vez pelo Governo Dilma Rousseff. (Nota da IHU On-Line)
[19] Judith Butler (1956): filósofa pós-estruturalista estadunidense, uma das principais teóricas da questão contemporânea do feminismo, teoria queer, filosofia política e ética. Ela é professora do departamento de Retórica e Literatura Comparada da Universidade da Califórnia, em Berkeley. (Nota da IHU On-Line)
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“A locomotiva da memória está sempre andando, e haja combustível”. Entrevista especial com Flavio Koutzii - Instituto Humanitas Unisinos - IHU