17 Outubro 2017
Ontem, na Praça de São Pedro, durante a jornada em que era celebrado o "Dia das Mães" na Argentina, o Papa Francisco cumprimentou um grupo de mulheres que portavam lenços brancos em suas cabeças, para recordar os 40 anos das Mães da Praça de Maio. Como foi adianto pelo Página|12, o gesto havia sido acordado entre Hebe de Bonafini e o próprio Bergoglio, e por isso as representantes das Mães foram colocadas em um lugar especial no âmbito da cerimônia de canonização do Beato brasileiro Mateus Moreira e seus companheiros mártires, assassinados em 1645 por soldados holandeses, no nordeste do Brasil. Ontem também, o Grupo de Padres na Opção pelos Pobres (COPP), emitiu um novo comunicado denunciando "uma ação ilegal e arbitrária" contra a dirigente social de Jujuy, Milagro Sala, "virtualmente sequestrada e levada à penitenciária de Alto Comedero" (ver página 5). Ontem, em uma capela do município de Tigre, a Associação das Mães da Praça de Maio entregou um lenço, o símbolo de sua luta, aos padres na Opção pelos Pobres, em reconhecimento por seu trabalho.
O comentário é de Washington Uranga, jornalista argentino, publicado por Página/12, 16-10-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Além disso, até o presente momento não se soube de nenhum pronunciamento da hierarquia da Igreja Católica, nem sobre a situação de Milagro Sala, na qual a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já se manifestou, nem sobre o desaparecimento forçado de Santiago Maldonado, que ocorreu em 1º de agosto e que também mereceu um chamado de atenção da organização internacional.
Em sua declaração os COPP assinalam que "como pastores, continuamos nos perguntando pelo inexplicável silêncio cúmplice da Conferência Episcopal e do Bispo de Jujuy" sobre estes acontecimentos.
Em nenhuma destas situações existem eventos casuais, mas todos eles são o resultado de tomadas de posicionamento e de construções coletivas de diferentes atores frente a realidade argentina. O gesto de Francisco, que enviou especialmente um colaborador que conduziu as Mães até um lugar de referência em que pouco tempo depois o Papa se aproximou pessoalmente, foi algo previamente combinado entre Bergoglio e Hebe de Bonafini. Ambos construíram simbolicamente um acontecimento político de reconhecimento e de apoio à luta dessas mulheres. Um gesto que transcende as fronteiras argentinas e cujos ecos se multiplicam pelo mundo pela simples presença de Francisco.
Tampouco é casual ou surpreendente que os COPP denunciem que "o que esta resolução ilegal do (juiz) Pullén Llermanos está buscando, instigado pelo governador de Jujuy, Gerardo Morales, é deteriorar categoricamente e romper com a vida de Milagro Sala até matá-la". Os Padres se pronunciaram em diversas oportunidades sobre os ultrajes contra a líder social de Jujuy e o fizeram desde o primeiro dia de sua primeira prisão. Eles tiveram a mesma atitude em relação ao desaparecimento forçado de Santiago Maldonado.
De maneira direta, os sacerdotes católicos que trabalham em ambientes pobres dizem que "responsabilizamos o presidente Mauricio Macri que deverá responder pelo Estado Nacional frente aos organismos internacionais acerca do não-cumprimento do que foi resolvido na medida cautelar da CIDH". E acrescentam que "ele também é responsável pela vida e pela integridade de Milagro Sala, juntamente ao governador Morales e o Juiz Pullén Llermanos, o ministro da Justiça, Germán Garavano, e a Suprema Corte de Justiça que inexplicavelmente está demorando para se pronunciar sobre o assunto, tendo possibilidades de resolver esta cadeia de ilegalidades".
Nada do que foi relatado acontece por acaso. Nem as declarações, nem os gestos, nem as coincidências. Assim, para além das nítidas diferenças ideológicas, as Mães, o Papa e os Padres coincidem em seus gestos a favor da vida, dos direitos humanos e no reconhecimento de trajetórias que assim os colocam em evidência, os silêncios ou as omissões do Governo, dos juízes da Suprema Corte e dos bispos católicos, através da Conferência Episcopal, que também expressam se não acordos, pelo menos as suas omissões cúmplices frente as graves situações nas quais estão em jogo os direitos humanos e a vida de pessoas.
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Argentina. Reconhecimentos e silêncios. Mães da Praça de Maio no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU