02 Setembro 2015
“Tem uma distorção causada na economia pelo Banco Central, que arrebenta as contas públicas e cria um problema do déficit nas contas externas, porque o câmbio está completamente fora do lugar”, constata o economista.
Imagem: infomoney.com.br |
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o economista explica que o “medo” de que o país viva um novo período de hiperinflação, como ocorreu antes da implantação do Plano Real, faz com que o Banco Central opte por manter a taxa Selic altíssima, que está em 12,25% atualmente, e permita que as taxas de juros para o consumo sejam também as mais elevadas se comparadas a outros países emergentes. É essa política, explica, que tem causado um impacto nas contas públicas do Estado e que, consequentemente, fez com que a equipe econômica do governo Dilma optasse pelo ajuste fiscal.
O resultado da opção do Banco Central em relação à Selic, explicita, pode ser visto no déficit do setor público, que atingiu 8,8% do PIB, “um recorde”. “Quando se analisam esses 8,8% do PIB, os juros são 7,9% do PIB. Ou seja, essa composição de 7,9% em relação a 8,8% do PIB representa 90% do déficit público. É estranho que na discussão se discuta despesa pública e despesa social, querendo limitar a despesa social. Não se fala em limitar juros, e limitar juros significa colocar a Selic no lugar e não fora de lugar como ela se encontra há vários anos, causando não só a recessão, mas também o déficit público e o déficit nas contas externas do país”, critica.
Entre as possíveis soluções para sair dessa situação de crise econômica, o economista aposta em algumas frentes: de um lado, é preciso baixar a taxa de juros ao consumo, possibilitando que o brasileiro volte a consumir, porque em parte é o consumo que garante a manutenção da economia; e, de outro, colocar o câmbio no lugar, baixar a taxa Selic e favorecer que as empresas brasileiras voltem a investir em exportações. “A saída que está se delineando, sem ser percebida ainda, é o fato de o câmbio mudar de patamar: ele está caminhando rumo aos R$ 4,00 e já está havendo uma redução substancial no rombo das contas externas, está diminuindo a importação de produtos e está aumentando a possibilidade de exportação. Tudo isso leva algum tempo, mas uma das saídas que vejo para essa crise é o câmbio voltar para a posição normal”. E acrescenta: “Investir em exportação é uma forma de melhorar essa distribuição de renda com programas fortes do governo federal e, ao fazer isso, permite-se que o dinheiro investido volte rapidamente para o circuito econômico, gerando todo o desenvolvimento e a arrecadação pública, enfim, esse processo é muito saudável”.
Amir Khair (foto abaixo) é economista e mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getulio Vargas – FGV, de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor está analisando esse momento de crise econômica no país? As causas da crise são decorrentes do ajuste fiscal deste ano ou são anteriores?
Foto: revistaforum.com.br
Amir Khair – A crise é consequência não só dos quatro anos do governo anterior, como também dos primeiros oito meses deste governo que, ao invés de melhorar o que estava ruim nos últimos quatro anos, conseguiu piorar o cenário. O problema central é que o fio condutor da política econômica do Brasil é o medo do fantasma da inflação. Esse medo faz com que uma economia que já estava praticamente em recessão há algum tempo, fosse castigada por um aumento da taxa de juros. Essa taxa de juros é uma particularidade que o país tem, a qual está muito acima da praticada em países emergentes e desenvolvidos.
Quando se tem uma taxa de juros tão elevada quanto a Selic, ocorre que o déficit público é muito grande – não falo do déficit primário, mas do déficit causado pelos juros. A discussão está fora de foco no Brasil quando se discute superávit primário. Nos últimos 12 meses, encerrado em julho deste ano, o déficit do setor público atingiu 8,8% do PIB, ou seja, um recorde. Só que quando se analisam esses 8,8% do PIB, os juros são 7,9% do PIB. Então, essa composição de 7,9% em relação a 8,8% do PIB representa 90% do déficit público. É estranho que na discussão se discuta despesa pública e despesa social, querendo limitar a despesa social. Não se fala em limitar juros, e limitar juros significa colocar a Selic no lugar e não fora de lugar como ela se encontra há vários anos, causando não só a recessão, mas também o déficit público e o déficit nas contas externas do país.
IHU On-Line - O que aconteceu de diferente nos quatro anos do governo Dilma em relação ao governo Lula, já que no governo Lula a taxa Selic também era bastante elevada?
Amir Khair – A taxa Selic foi alta, mas agora começou a ser aplicada sobre uma dívida muito maior do que antes, está bem acima da inflação e, consequentemente, cria a cada mês uma conta de juros - quando se compara com o mês anterior ou com o mesmo mês do ano anterior, se percebe que está dando saltos.
Além disso, o governo fez um grave erro desde 2013, que foi a tentativa do Banco Central de segurar o câmbio através de swaps cambiais [swap cambial é uma operação de câmbio em que há simultaneamente a compra e a venda de moedas]. O Banco Central torrou 114 bilhões de dólares em swaps cambiais. Isso pesa muito no custo financeiro do país. Então, tem uma distorção causada na economia pelo Banco Central, exclusivamente pelo Banco Central – eu insisto nisso -, que arrebenta as contas públicas e cria um problema do déficit nas contas externas, porque o câmbio está completamente fora do lugar. O câmbio no Brasil, se fosse normal, estaria muito mais próximo de R$4,00 a R$4,50.
"O governo fez um grave erro desde 2013, que foi a tentativa do Banco Central de segurar o câmbio através de swaps cambiais" |
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IHU On-Line – Então as críticas à elevação do câmbio são equivocadas?
Amir Khair – O câmbio não está elevado demais, não. Quando se nota que o Banco Central torrou 114 bilhões de dólares num ano, você pode ver que não temos câmbio flutuante no Brasil.
O câmbio tem de ficar no lugar, como ocorreu a partir de 2003, quando o câmbio deu um salto, e foi o que ajudou o Brasil a melhorar as exportações e a criar saldos positivos na conta externa. De uma certa maneira, com essa crise, a saída que está se delineando, sem ser percebida ainda, é o fato de o câmbio mudar de patamar: ele está caminhando rumo aos R$ 4,00 e já está havendo uma redução substancial no rombo das contas externas, está diminuindo a importação de produtos e aumentando a possibilidade de exportação. Tudo isso leva algum tempo, mas uma das saídas que vejo para essa crise é o câmbio voltar para a posição normal. Quando você vê historicamente o comportamento do câmbio, pode perceber que este câmbio estaria muito mais próximo de R$ 4,60 do que de R$ 3,60, como estamos vendo hoje.
IHU On-Line – Em artigo recente, o senhor defende que, para melhorar a situação fiscal do país, é preciso de crescimento e de redução da taxa de juros. Como alcançar esses objetivos? Quais são as dificuldades de baixar a taxa de juros?
Amir Khair – Nesse artigo, foco um pouco melhor a questão da taxa de juros ao consumo. Quando se tem no país uma taxa de juros ao consumo na ordem de 120 a 130% ao ano, significa que existe uma verdadeira barreira ao crescimento, ou seja, golpeia-se o orçamento doméstico. Isso porque em qualquer país do mundo, principalmente nos países emergentes, que operam com uma taxa de juros da ordem de 10% ao ano, compra-se um bem que tem um sobrepreço pela questão do financiamento em um ano, de 10%. Aqui no Brasil, quando você compra um bem, existe um sobrepreço de até 130% e isso faz com que o Brasil seja considerado um país caro, porque o nível dos preços – e não estou falando da inflação - é muito elevado.
Então, o grosso da classe média e da classe C, quando compram um bem, recorrem ao crediário, mas essas pessoas estão sendo punidas, porque mais do que dobra o preço do bem comprado. Isso é responsabilidade do sistema financeiro, o qual é o grande responsável pela crise do país e pela paralisia e impede que o país cresça, porque barra o consumo das famílias, que é o fio condutor do crescimento, tanto antes como após a crise.
IHU On-Line - Por que o crescimento da economia baseado no consumo é positivo, e quando ele se torna um problema, dada a conjuntura atual, o atual endividamento das famílias e a expectativa de recessão e aumento do desemprego nos próximos anos? Hoje seria possível retomar a política de acesso ao crédito do governo Lula?
Amir Khair – Se quiser voltar àquele modelo ou praticar o estímulo ao consumo com o atual sistema de crédito, se condenaria o brasileiro à inadimplência. A principal necessidade do momento é de baixar a taxa de juros ao consumidor. Não dá para continuar esse processo, porque as famílias já estão endividadas. Mas essas famílias, para começarem a ter um orçamento em ordem, precisam que essa taxa de juros vá caindo aos poucos, e para isso é preciso que a taxa de juros ao consumidor seja reduzida rapidamente.
Propostas
Para isso tenho algumas propostas. Primeiro, fazer com que, dentro de casa, as instituições de crédito, como Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES, pratiquem taxas de juros civilizadas. As taxas de juros do cartão de crédito do Banco do Brasil e da Caixa estão entre as piores dentro do mercado, são superiores a 200% e ganham apenas de bancos maiores, como o Citibank, o HSBC e o Santander, que praticam taxas acima de 300% ao ano.
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"A principal necessidade do momento de baixar a taxa de juros ao consumidor" |
Em segundo lugar, é preciso eliminar ou reduzir drasticamente duas fontes anormais de lucrospolítica econômica no Brasil, que é em cima da Selic, os chamados ganhos de tesouraria, pegando recursos da conta-corrente a taxa zero e aplicando a 14,25% em cima da Selic, sem risco nenhum; esse é um presente que o Banco Central dá aos bancos. Além disso, é preciso reduzir a Selic para o nível da inflação, que é o que fazem os outros países, e com isso se reduz essa fonte anormal de lucro dos bancos e essas escandalosas tarifas bancárias. Só essas tarifas elevadíssimas garantem todo o custo fixo dos bancos, e por isso eles não têm de fazer esforço nenhum para competir no mercado de crédito, porque tem essa moleza dada pelo Banco Central, com a Selic e com as tarifas que o Banco Central não controla.
Quando se passa a ter um Banco Central aliado do país, junto com o sistema econômico, o setor financeiro começa a agir de outra forma: passa a ganhar dinheiro com o crescimento econômico e não com a crise, como está acontecendo agora.
IHU On-Line – Desde quando o Banco Central passou a permitir que os bancos cobrem taxas tão elevadas e por que permite que a Selic seja tão elevada também?
Amir Khair – Volto ao início da conversa, quando falei que o grande mal da política econômica do Brasil é o medo da inflação. O Brasil passou por um processo hiperinflacionário, e quando veio o Plano Real, deu um golpe na inflação e voltou a ter uma inflação comportada. Mas toda a política econômica está voltada para não ter de volta um processo inflacionário.
Isso é um exagero, porque no mundo todo não se tem praticamente processos inflacionários, ao contrário, há um risco deflacionário. Então, como o mundo é globalizado, não tem como ter inflação num país e dificilmente se terá uma inflação que supere 6%, até 9%, que é o que ocorre no Brasil nos últimos anos. Nos oito anos do governo Lula e nos quatro do governo Dilma, a inflação média foi de 6%. Este ano temos uma inflação maior devido ao aumento dos preços monitorados, preços de combustível, de energia, mas no ano que vem a inflação vai voltar para 5%, 6%, segundo a previsão do mercado.
Medo da inflação
Não vejo como se pode conduzir um país com o medo da inflação. Desde o Plano Real se opera com uma taxa básica de juros alta. Ela chegou ao ápice de 45%, quando Armínio Fraga foi presidente do Banco Central. Ao fazer isso, se arrebentam as contas públicas, cria-se uma distorção no câmbio, que é a chamada âncora cambial, que domina a política do Banco Central desde o Plano Real. Então, teria de mudar esse paradigma da economia brasileira, que é o medo do fantasma da inflação, e passar a ter o paradigma do crescimento e do desenvolvimento do país, que tem um potencial enorme de crescimento, seja na posição líder que o Brasil tem na agroindústria, seja na diversificação industrial, mas não se aproveita esse potencial.
"Teria de mudar esse paradigma da economia brasileira, que é o medo do fantasma da inflação, e passar a ter um paradigma do crescimento e do desenvolvimento do país" |
IHU On-Line – Que outras medidas políticas poderiam ser tomadas pela equipe econômica do governo no sentido de manter a inflação controlada e mostrar que ela não é mais um problema?
Amir Khair – Sou cético em relação ao controle da inflação. Veja bem, se decompormos o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA nos seus componentes principais, veremos o seguinte: no âmbito dos serviços, que correspondem a 35% do IPCA, a inflação vem se mantendo acima de 8% ao ano nos últimos anos. Com relação a serviços, nem o governo nem o Banco Central têm como controlar a inflação, porque se trata da lei da oferta e da procura. Desde que o Lula despejou 40 milhões de novos consumidores da Classe C no mercado, aumentou com muita velocidade a demanda por serviços, seja o uso de celular, de computadores, enfim, é um monte de demanda que o mercado não conseguiu acompanhar. Vejo em perspectiva essa possibilidade de crescer a oferta de serviços e aí se aproximar mais da demanda e, com isso, reduzir a inflação de serviços, mas muito mais por um fenômeno de mercado, e não por ação de governo.
Os outros 25% do IPCA são de alimentos e bebidas, e nesse ponto a presidente Dilma foi penalizada; não foi culpa dela. As condições climáticas dos últimos quatro anos geraram inflação da ordem de 9% ao ano, em média, e isso não aconteceu com Lula e FHC. Então, uma parte da inflação que ela teve de suportar foi de alimentos, mas a Selic também não controla a inflação de alimentos, porque isso depende das condições de clima. Então, esses 25% do IPCA também não passam pela porta do Banco Central.
Com serviços totalizando 35% do IPCA, e alimentos 25%, soma-se 60% da inflação brasileira que não tem nada a ver com o Banco Central; 20% são os chamados preços monitorados, o diesel, a gasolina, o transporte coletivo, nos municípios, as tarifas de água e esgoto, nos governos estaduais, que são questões de decisões de governo, e a decisão de governo também não passa pelo Banco Central. Então, somando tudo até agora, percebemos que 80% da inflação brasileira não tem nada a ver com o Banco Central.
Quando se fala de controlar a inflação, o Banco Central aproveita os 20% que é da competência dele e se refere ao câmbio que afeta os produtos importados. Então, o Banco Central exagera na Selic para atrair dólares especulativos, ou seja, para inundar o Brasil de dólares, os quais entram no país via investidores, para ganhar os 14,25% da Selic, sem risco nenhum, a custo praticamente zero. É uma sangria enorme que o país sofre com essa ação especulativa do capital internacional.
É essa situação que está acontecendo e não vejo como mudá-la. Nos serviços, não dá para mudar. Nos alimentos, até dá um pouco, quando se estimula o setor produtivo de alimentos, e o governo já faz isso bastante. Além do que já é feito, é possível criar políticas públicas em nível municipal, as chamadas feiras e varejões, para aproximar produtor e consumidor e, com isso, é possível eliminar a presença dos atravessadores, que ganham a maior parte do lucro da operação com alimentos. Essa aproximação entre produtores e consumidores é uma possibilidade de baixar o preço dos alimentos.
Mas as políticas são ainda muito reduzidas. Existem outras possibilidades mais complexas, quando se mexe nas cadeias produtivas. Aqui no Brasil, os insumos do início das cadeias produtivas são muito elevados, e como eles dominam a formação do preço, porque em geral são monopólios, acabam contaminando a cadeia produtiva e tensionando o preço para as empresas, gerando o processo inflacionário.
IHU On-Line – O senhor chama atenção para o peso dessa interferência de 20% do Banco Central na economia. Durante a campanha eleitoral do último ano, tentou-se discutir a dependência ou independência do Banco Central. Na sua avaliação, então, o Banco Central deveria ser mais dependente?
Amir Khair – Não tem sentido nenhum o Banco Central ser independente. Deveria ser assumido pelo governo e numa discussão mais ampla com a sociedade, que a responsabilidade pelo controle da inflação, da mesma forma que para o crescimento econômico, é do governo e não do Banco Central. Não entendo políticas separadas entre a questão fiscal e a questão monetária; tem de integrar as políticas em prol de objetivos macroeconômicos do país. Quando se tem um Banco Central independente, que pode praticar as taxas de juros que bem entender e mexer com o câmbio da forma que bem entender, se gera essa situação desastrosa, como a de várias décadas que o país atravessa. Vejo como algo gravíssimo querer a independência do Banco Central. Pelo contrário, o Banco Central tem de ser cada vez mais dependente da política do país em prol do desenvolvimento e deveriam mudar essa política suicida que estão praticando com as taxas de juros.
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"É uma sangria enorme que o país sofre com essa ação especulativa do capital internacional" |
IHU On-Line – Como esse debate tem sido feito no Brasil? Discutir a dependência do Banco Central poderia contribuir para pensar o rumo do país? Nesse sentido, a discussão sobre um projeto de país passa pela discussão do papel do Banco Central?
Amir Khair – Um projeto de país não passa pela necessidade de o Banco Central ser dependente ou independente, porque o Banco Central é uma consequência de uma estratégia de crescimento. Quando se estabelece uma estratégia de longo prazo, o Banco Central deveria cumprir o artigo 192 da Constituição, que diz que ele está a serviço da sociedade em termos da parte de crescimento. Mas ele opera em oposição à sociedade e não respeita o princípio constitucional. Assim, o Banco Central não é ponto de partida de um processo, mas consequência.
É bom sempre lembrar que a Lei de Responsabilidade Social, quando foi promulgada para colocar um novo rumo nas contas públicas do país, enquadrou todos os poderes, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, em todos os níveis, da União, estados e municípios, mas deixou de lado o Banco Central, infelizmente. A grande falha da Lei de Responsabilidade Fiscal foi essa. O impacto fiscal da política monetária não tem nenhuma regra dentro da lei de responsabilidade fiscal. À época eu participei do processo de elaboração dessa lei e não havia condição política de enquadrar o Banco Central, como até hoje não tem.
IHU On-Line – A condição para tornar o Banco Central mais dependente é política?
Amir Khair – É política, sim. No Brasil o domínio do pensamento econômico é conduzido pelos grandes bancos. Você pode verificar que os grandes bancos têm um pensamento único, centralizado pela Federação Brasileira de Bancos – Febraban. Esse pensamento único é divulgado por meio de propostas divulgadas nos meios de comunicação de massa. Ocorre que algumas empresas de consultoria, na minha opinião, não têm a liberdade de manifestar uma posição técnica, porque muitas têm, entre sua cartela de clientes, importantes bancos. Então, não se tem liberdade de discutir com mais clareza a questão do impacto das taxas de juros no Brasil, e por conta disso se tem a anomalia das taxas de juros em relação a outros países, e isso passa despercebido. No Brasil não se discute, por exemplo, na questão fiscal, o déficit nominal; se discute superávit primário e se deixa de lado a parcela maior que causa o rombo nas contas públicas – como falei, 90% do déficit são juros e não tem nada a ver com resultado primário.
IHU On-Line - Por quais razões as taxas dos juros dos bancos públicos brasileiros são tão altas?
Amir Khair - Isso ocorre porque tanto o Banco do Brasil quanto a Caixa Econômica estão dentro dessa mesma mentalidade. Houve um momento, se não me engano, em abril de 2013, em que a presidente Dilma resolveu que enfrentaria essa questão da taxa de juros dos bancos. Ela expediu ordem à Caixa Econômica e ao Banco do Brasil para que reduzissem as suas taxas. O interessante é que eles reduziram, especialmente a Caixa reduziu, mas reduziram pouco, e os bancos privados praticamente não reduziram nada.
Depois daquela atitude dela em prol de mudança, nos próximos dois ou três meses houve um silêncio total da parte dela, ou seja, não dá para enfrentar essa questão com o sistema financeiro sem ter continuidade e estratégia. Não basta apenas pedir que os bancos públicos reduzam os juros; é importante que se tenha um plano estratégico para combater essa questão das taxas de juros no Brasil. Se não tem esse plano, é até ruim fazer qualquer ameaça, como ela fez, porque aí virou uma situação na qual os bancos falaram assim: “Nós falávamos que não dá para reduzir os juros na marra”. E realmente na marra não para reduzir; é preciso diminuir as fontes anormais de lucros, e aí os bancos são forçados pelo mercado a competirem – eles não competem praticamente em nada hoje com relação à oferta de crédito.
"Não basta apenas pedir que os bancos públicos reduzam os juros; é importante que se tenha um plano estratégico para combater essa questão das taxas de juros no Brasil" |
IHU On-Line - Qual é o peso do equilíbrio das contas internas e externas do Estado para garantir o crescimento da economia?
Amir Khair – Quando a macroeconomia está em ordem, em uma situação saudável - entendo que a situação saudável é quando há equilíbrio nas contas internas e externas, ou seja, significa que são gastos recursos no país daquilo que o próprio país te oferece, não há uma dependência dos outros, não depende muito da sociedade e não depende dos recursos de outros países. Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal, logo no seu artigo primeiro, estabelece o equilíbrio nas contas públicas, e o equilíbrio significa: receitas e despesas iguais, ou seja, não se gasta mais do que é arrecadado; esse é o princípio. Não é o princípio de superávit primário x ou y; é equilíbrio nas contas públicas.
Há o equilíbrio, como falei, quando há um superávit primário que bate no mesmo nível que a conta de juros. Como a conta de juros no Brasil está na ordem de 8% do PIB, precisaria reduzir drasticamente isso para chegar a um superávit primário razoável de 2%, 3% do PIB; neste ponto haveria equilíbrio.
As contas externas dependem da capacidade exportadora que o país tem. Ora, para exportar em uma economia globalizada e num cenário em que, desde a crise de 2008, se radicalizou a concorrência internacional, é muito difícil disputar se não houver câmbio favorável. O que fizeram os Estados Unidos, Europa, Japão e China? Desvalorizaram suas moedas ao invés de emitir títulos, ou seja, emitiram muita moeda e com isso desvalorizaram suas moedas para criar uma musculatura para as suas empresas exportarem e disputarem o mercado. O Brasil fez o contrário, ao invés de emitir moeda, emitiu títulos e criou um problema de manter o câmbio completamente fora de lugar: em vez de depreciar o câmbio, apreciou - até 2011 houve uma apreciação do câmbio. O que falo é que é preciso ter o câmbio no lugar, mas o câmbio vai para o lugar quando? Quando você deixa a Selic no lugar também. Deixando a Selic no lugar, o que ocorre? Os capitais que vêm especulativamente em busca de ganhos imediatos e fáceis, saem do país e, ao saírem, diminuem a quantidade de dólares que têm no país e automaticamente o câmbio se deprecia, e se depreciando, a posição das empresas brasileiras se torna muito mais competitiva no mercado internacional, que é o que desejamos.
Quando tem mais exportações, se consegue ter saldo na balança comercial forte e com isso se consegue um equilíbrio maior nas contas externas; também significa mais emprego e crescimento econômico. Então, essa é a estratégia que a maior parte dos países está adotando: lutar pela exportação para desenvolver o país, crescer muito através do mercado internacional, que é o que está faltando fazermos.
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"A agropecuária é fortemente positiva na balança comercial, porque é ela que segura as contas do país na conta externa" |
IHU On-Line - Para quais mercados o Brasil deveria exportar, considerando que a exportação brasileira é baseada majoritariamente em commodities e não se investe no desenvolvimento de produtos manufaturados mais sofisticados? Ainda sobre isso, a desaceleração da China pode ter algum impacto nas exportações brasileiras?
Amir Khair – Na parte dos produtos manufaturados, o Brasil está muito atrasado. Mas felizmente temos uma coisa que poucos países têm, que são as commodities. Mesmo que elas estejam com os preços mais baixos agora e talvez com tendência até de queda, se tem ainda essa escora. Então, enquanto não se tem um processo desenvolvido de inovações e de avanços tecnológicos para disputa de mercado internacional, se tem a escora de produtos, especialmente os da agropecuária brasileira. A agropecuária é fortemente positiva na balança comercial, porque é ela que segura as contas do país na conta externa.
Creio que esse é um processo, não é rápido e levará tempo até que as empresas brasileiras se tornem mais competitivas. Mas a única maneira de se tornar mais competitivo é ir para fora, é tentar, é inovar, é adotar padrões tecnológicos mais avançados, é trabalhar com produtividade crescente, e isso é o desafio internacional que cria. Então, o primeiro movimento é colocar o câmbio no lugar. A partir daí as empresas reagirão pela própria disputa do mercado internacional: inovando, melhorando produtividade, buscando canais de penetração comercial e assim por diante.
Exportação
O Brasil deve investir em mercados que não são tão sofisticados. O Brasil terá dificuldade de competir com países como Europa, Estados Unidos, Japão, a não ser em commodities, especialmente em agropecuária. Quando se trata de vender produtos manufaturados, será muito difícil de penetrar nesses mercados. Um exemplo é a questão dos automóveis: os automóveis no Brasil têm índices de eficiência energética muito inferiores aos da Europa e dos Estados Unidos, então não se consegue exportar veículos para esses países, se consegue exportar para Argentina, Venezuela e México.
De todo modo, o Brasil teria de melhorar a eficiência energética, e essa é uma medida muito importante do ponto de vista do meio ambiente. Além disso, teria de começar a direcionar a exportação para os mercados menos sofisticados, inicialmente. Ou seja, para a América do Sul, que está ao lado e geograficamente tem fretes mais vantajosos. Talvez seja mais fácil tentar uma relação com a África também e com os países do Oriente Médio. Esses são países que vejo com muita possibilidade de penetração. Claro que não é para abandonar o mercado americano nem o europeu nem o japonês, nada disso, mas tem de saber reconhecer a dificuldade de penetrar mercados sofisticados onde, às vezes, não se tem a tecnologia necessária para poder disputar mercado.
IHU On-Line - Por outro lado, colocar o câmbio no lugar impacta empresas que atuam no mercado interno, mas que dependem da exportação de matéria-prima do exterior. Como resolver essa questão?
Amir Khair – Tem duas coisas. Uma é quando a matéria-prima ou os insumos são importados e depois reexportados, aí se é beneficiado pelo draw-back [restituição ao exportador dos impostos alfandegários cobrados pela importação da matéria-prima utilizada na fabricação do produto exportado], e não há o custo internalizado. Agora, quando se importa para a produção aqui dentro, se tem realmente um custo maior quando há depreciação cambial, mas não tem outra forma de fazer, o mundo todo opera dessa maneira.
"A distribuição de renda, em um país em que se tem renda e riqueza pessimamente distribuídas, é uma barreira ao crescimento" |
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IHU On-Line – Então a saída da crise econômica e para o desenvolvimento deve se dar através do aumento do investimento em exportação?
Amir Khair – Acredito que a exportação é uma saída e é uma saída para uma melhor distribuição de renda também. É exatamente o oposto do que falam alguns economistas que defendem a redução das despesas sociais dos programas sociais. Investir em exportação é uma forma de melhorar essa distribuição de renda com programas fortes do governo federal e, ao fazer isso, permite-se que o dinheiro investido volte rapidamente para o circuito econômico, gerando todo o desenvolvimento e a arrecadação pública, enfim, esse processo é muito saudável.
A distribuição de renda, em um país onde renda e riqueza são pessimamente distribuídas, é uma barreira ao crescimento, porque se reduz o potencial de consumo do país. Acredito que se tem a possibilidade, aqui no Brasil, de aproveitar o potencial que existe com maior distribuição de renda, com essa questão do câmbio que falei, e com taxa de juros que não brequem o crescimento econômico como estamos vendo.
IHU On-Line - Do que depende esse projeto de exportação? Ele dependente de políticas econômicas do Estado, além dessas medidas que o senhor já mencionou, de reduzir a Selic, as taxas de consumo e de pôr o câmbio no lugar?
Amir Khair – O ex-presidente Lula, quando entrou no governo, fez uma coisa espetacular, que à época ninguém imaginava: colocou Ministros da Indústria e Comércio e da Agricultura, que eram pessoas reconhecidas como competentes empresários nessas áreas, e promoveu várias e várias viagens ao exterior com eles. Ele era uma espécie de caixeiro-viajante: ia com esses ministros e com um monte de empresários para cada país, e vendia o Brasil, que é o que os outros presidentes, especialmente dos Estados Unidos, Europa, Japão e China, fazem. Eles vão com delegações enormes de empresários para fora para fechar negócios. Essa é uma política acertada que o Lula fez, que foi reconhecida à época e agora é combatida porque não abriu os mercados americano e europeu.
Acontece que esses mercados não negociam produtos agropecuários do Brasil, porque é o setor em que o Brasil tem o maior poder competitivo. Por isso eles colocam barreiras e às vezes não se consegue negociar. Fernando Henrique e Lula não conseguiram e Dilma também não consegue negociar. Eles realmente querem proteger as empresas deles dessas áreas em que o Brasil é muito forte. Agora, de qualquer maneira, é preciso aproveitar o máximo de possibilidades de exportação e ver realmente, estrategicamente, onde o Brasil é forte, onde existem insumos mais baratos e fretes mais vantajosos e onde se consegue alguma rede capilar de distribuição para melhorar a questão do custo comercial.
Enfim, é preciso ter estratégias; para cada país, uma estratégia. Acho que falta essa visão do ponto de vista de um pensamento de longo prazo, para desenvolver as exportações do Brasil e a penetração dos nossos produtos em mercados, primeiro em mercados menos sofisticados e, em seguida, em mercados mais sofisticados.
"Quando se compara R$ 452 bilhões a favor do sistema financeiro contra R$ 26 bilhões do Programa Bolsa Família, se mostra a desproporção" |
IHU On-Line – O senhor aposta na perspectiva de exportações e no avanço dos produtos brasileiros em outros países. Além disso, o que seria uma agenda alternativa para o Brasil neste momento?
Amir Khair – Essa é uma via. A outra via é melhorar a distribuição de renda, mas para isso é preciso de políticas públicas nessa direção: não é um Programa Bolsa Família de R$ 26 bilhões por ano que resolverá a questão da renda. O país está gastando R$ 452 bilhões com juros, segundo o último dado. Quando se compara R$ 452 bilhões a favor do sistema financeiro contra R$ 26 bilhões do Programa Bolsa Família, se mostra a desproporção.
Agora, claro que existem outros desdobramentos que não falei: o sistema tributário é altamente regressivo, porque pune o consumo, aumenta os preços das mercadorias em cerca de 50%. No resto do mundo, esse aumento é de 25%. Então, temos um sistema tributário altamente regressivo, o consumo é tributado em excesso e o patrimônio e a renda são subtributados. Portanto, são vários componentes, não somente os que mencionei, que podem e devem atuar em um plano estratégico para usar o potencial do Brasil, ao invés de afogá-lo, como vem sendo feito há vários e vários anos.
Por Patricia Fachin
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O medo do “fantasma da inflação” paralisa a economia brasileira. Entrevista especial com Amir Khair - Instituto Humanitas Unisinos - IHU