01 Setembro 2015
"Há que estimular com vigor o consumo reduzindo as taxas de juros do crediário, invertendo a forte ascensão ocorrida em benefício do sistema financeiro, que amplia lucros com a recessão (vide balanços dos principais bancos)", é o que defende Amir Khair, economista, em artigo publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, 30-08-2015.
Segundo ele, "juros civilizados e melhor distribuição de renda são caminhos que podem ser trilhados, com forte respaldo na sociedade. É importante conquistá-los".
Eis o artigo.
Com a morte prematura do ajuste fiscal, o governo partiu para outra tentativa: “Agenda Brasil”, um amontoado de propostas enferrujadas no Congresso e no governo.
Para não ficar atrás, representantes de 15 partidos da “base aliada” na Câmara lançaram, na quarta-feira, um conjunto de propostas para retomar o desenvolvimento e superar a crise política. O documento fala em “Pauta da Virada” e é uma contribuição à “Agenda Brasil”. Mais um amontoado de propostas de caráter genérico.
Isso mostra a falta de estratégia na busca de saída para a recessão que inferniza o País.
Ficou provado em poucos meses que não há melhora fiscal sem dois importantes fatores: crescimento e redução da Selic. A recessão aprofunda a queda da arrecadação e tentativas de elevação de tributos agravam ainda mais a recessão e fracassarão no Congresso.
Os limites para redução de despesas não financeiras são estreitos, pois:
a) orçamento federal é engessado em 90% devido às amarrações legislativas e;
b) 64% da despesa pública não financeira pertence a Estados e municípios, que gozam de autonomia para a realização de despesas e procuram maximizá-las em busca de dividendos políticos.
Além dessas limitações, o Congresso e o Judiciário cravaram despesas extras ao governo federal aproveitando a fragilidade política do Executivo. E agora vêm com essas propostas....O agravamento fiscal vai continuar e a culpa é exclusivamente do governo que cometeu o gravíssimo erro de elevar a Selic. Sancionou a recessão e estourou as contas públicas.
Impõe-se novos caminhos para a política econômica visando o crescimento e o equilíbrio das contas internas e externas. Equilíbrio fiscal é muito mais do que registrar superávits primários. Estes nunca ultrapassaram 4% do PIB e os juros sempre ficaram acima de 5% do PIB e em junho alcançaram 7,3% do PIB causando um rombo fiscal de 8,1% do PIB!
Neste artigo abordo alguns desafios para o crescimento. São avaliações e sugestões para o enfrentamento das diversas travas ao crescimento. Vejamos.
Investimento x Consumo
Muitas análises econômicas têm pregado que o modelo de crescimento baseado no consumo das famílias se esgotou e em seu lugar deve ficar um modelo baseado no investimento. Consideram que há uma oposição entre consumo e investimento como polos opostos em disputa. Há, por assim dizer, nesta pregação um excesso de consumo facilitado por crédito abundante e programas de renda que irrigam as classes de menor renda, bem como excesso de gastos com a Previdência Social, que deveria ter idade mínima para aposentadoria. Discordo.
Para retomar o crescimento a visão que considero adequada é a que vê interação positiva entre consumo e investimento: maior consumo induz o investimento e maior investimento cria consumo. Ambos precisam ser estimulados e as barreiras que os limitam devem ser retiradas.
Vale considerar que o carro-chefe do crescimento é o consumo das famílias. Nos cinco anos (2004/2008) que antecederam a crise, este consumo foi responsável por 55% do crescimento médio anual de 4,8%. Nos cinco anos (2009/2013) posteriores à crise responderam por 68% do crescimento médio anual de 2,7%. Para os investimentos nestes períodos as contribuições foram respectivamente 27% e 13%.
Mais de 80% dos investimentos no País são feitos pelas empresas. O setor público responde por menos de 20% do investimento total e como está em déficit permanente e crescente, retomar o investimento pressupõe depender principalmente das empresas.
Ocorre que a empresa para investir precisa ter mercado crescente para seu produto e se aproximar do uso de sua capacidade produtiva. Como a ociosidade está elevada para vários setores, a resposta das empresas para investir não será imediata diante da perspectiva de crescimento. Assim, há que estimular com vigor o consumo reduzindo as taxas de juros do crediário, invertendo a forte ascensão ocorrida em benefício do sistema financeiro, que amplia lucros com a recessão (vide balanços dos principais bancos).
Segundo a última pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), no período de março/2013 a julho/2015 o Banco Central elevou a Selic em sete pontos porcentuais (elevação de 96,55%) de 7,25% ao ano para 14,25% ao ano. Neste período a taxa de juros média para pessoa física apresentou uma elevação de 38,77 pontos porcentuais (elevação de 44,07%) de 87,97% ao ano para 126,74% ao ano. Nos países emergentes esta taxa gira em torno de 10% ao ano. Essa anomalia é o principal freio ao consumo e ao crescimento. Eliminá-la é o desafio.
Isso não se faz, no entanto, na marra, nem com ameaças. Já foi tentada pela presidente, que ameaçou os bancos e recuou logo em seguida. Foi um grave erro, que serviu ao sistema financeiro para argumentar que não dá para reduzir estas taxas de juros. Mas dá e pode ocorrer caso se estimule um processo concorrencial de mercado a ser feito em três ações simultâneas e duradouras, sem recuos.
A primeira é começar a prática de taxas de juros civilizados dentro de casa, ou seja, nas instituições oficiais de crédito (Caixa Econômica, Banco do Brasil e BNDES). Num ranking de 30 bancos, no site do Banco Central, a Caixa Econômica Federal figura na 21ª posição nos juros do cheque especial (209,98%) e o Banco do Brasil em 22ª (214,62%). Tem 20 bancos privados cobrando menos. Os três últimos no ranking são: Citibank (318,06%), HSBC (345,44%) e Santander (383,32%).
A segunda é colocar a Selic no lugar, ou seja, no nível da inflação, como fazem os países desde a crise do subprime americano. Assim, deveria ser reduzida até o final deste ano para 9% e em 2016 acompanhar a queda prevista da inflação.
A terceira é reduzir e tabelar as elevadas tarifas bancárias. Nenhuma destas ações depende do Congresso.
Ao reduzir a Selic e as tarifas bancárias os bancos passam a procurar compensar os elevados ganhos destas duas fontes com o que deveria ser sua função precípua, que é o financiamento de atividades. A disputa pelo mercado de crédito se acirra e o sistema financeiro passa a ser aliado do crescimento econômico. Seu lucro irá crescer com o crescimento e não com a recessão como ocorre.
Não dá mais para conviver com essa situação. É necessário fazer valer o que estabelece a Constituição em seu artigo 192, que trata do sistema financeiro. “Art.192 - O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem,...”.
Outro forte estímulo ao consumo se dá com políticas públicas de renda como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (um salário mínimo para idosos carentes), salário mínimo, etc. É injeção na veia do consumo. Dinheiro que retorna imediatamente para a atividade econômica gerando emprego e mais renda às pessoas, lucro para as empresas e expansão da arrecadação. Uma melhor distribuição de renda é a via natural para a expansão do consumo e do desenvolvimento social.
Juros civilizados e melhor distribuição de renda são caminhos que podem ser trilhados, com forte respaldo na sociedade. É importante conquistá-los. Por que não?
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